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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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As mulheres da actual sociedade ainda crescem a ouvir falar do seu papel futuro como mães, na sua expectável prioridade. Ninguém sequer se questiona antes de despejar uma série de verdades universais em cima de crianças em idades influenciáveis. A maternidade é assumida como destino, como desejo e como realização máxima das mulheres, de todas as mulheres. Pois, só que não é. Sê-lo-á para muitas, a maioria até, mas não para todas.

 

Eu não sou mãe. Não interessa o porquê a mais ninguém senão a mim. Há mulheres que não são mães porque não podem (devido a limitações fisiológicas, económicas ou emocionais); há mulheres que não são mães porque não encontram um parceiro de vida e não querem ou podem assumir sozinhas esse papel; há mulheres que não chegam a ser mães porque não se proporcionou ao longo da sua vida; há as mulheres que engravidaram e perderam os fetos, ou que foram mães e perderam as crianças (acho que em ambos estes casos, se sentirão sempre mães, ainda que decepadas do fruto da sua maternidade) e há as mulheres que não querem ser mães. E estas últimas, a sociedade (em geral, e a portuguesa em particular, por ser particularmente tacanha) não reconhece e repudia.

 

É toda uma pressão social, ataques cerrados de todos os lados: família, amigos, colegas de trabalho e conhecidos, toda a gente se sente legitimada para questionar e insistir, ad nauseum, na perguntinha da praxe às mulheres com uma certa idade: "então e bebés?", quase sempre seguida pelo comentário "já vai sendo tempo" ou, pior um bocadinho, "ainda vais muito a tempo". [Really? Olhem, nunca me tinha lembrado disso! Nem sequer me tinha apercebido que ainda me falta uns bons anos para a menopausa!]

 

Porque é que as pessoas acham que podem fazer estas perguntas, que me parecem bastante íntimas, sem pudor, como se estivesse institucionalizado que todas as mulheres querem e podem ser mães? Conheço mulheres que adorariam ser mães e não podem. Estas interjeições ferem como facadas, e lá têm elas de, ou expôr uma vulnerabilidade que não devia ser exposta desta forma, ou puxar de um sorrisinho amarelo e dizer umas balelas para esta malta se calar. E conheço mulheres que não querem ser mães, nunca o desejaram, não sentem uma ponta de instinto maternal, ou têm outras prioridades, ou whatever. Se dizem em público que ser mãe não está nos seus planos, cai o carmo e a trindade! A maior parte das pessoas, sobretudo mulheres que já são mães, não se contentam com a resposta. Logo saem em defesa das mil maravilhas da maternidade como o melhor trabalho do mundo, esgrimindo argumentos, ofendidas, como se uma escolha pessoal fosse uma afronta à sua altivez maternal. Toda uma evangelização coordenada, como se as mulheres que escolhem não parir (ou adoptar, ou alugar um útero) fossem uma ofensa ao estatuto de fêmea, como se estivessem a passar ao lado da única coisa que podia dar sentido à sua existência. Mas a maternidade é obrigatória?! Meus senhores e minhas senhoras, isto é bullying! Párem com isso! Cada qual sabe de si e não precisa de um coro de vozes críticas a meterem-se na sua vida íntima.

 

A parentalidade (ou antes, a reprodução) é tão natural como a morte, é o ciclo da vida, blablabla. Mas raios partam a evolução que nos trouxe a este ponto, em que o ser humano tem quase tanto de racional e consciente como de animal. E está na hora de toda a gente perceber que sim, é possível e perfeitamente legítimo ser-se mulher, ser-se uma mulher feliz, realizada em toda a plenitude e simplesmente não desejar ser mãe.

 

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Dizer coisas chocantes e polémicas sobre um tema que o público-alvo leve muito a peito (como a maternidade e a amamentação, por exemplo). Pode não ser o modo mais honesto, certamente não é o modo mais interessante de gerar tráfego, mas não deixa de ser inteligente, legal e perfeitamente válido.


Dizê-lo mais com o claro intuito de agitar as águas e gerar cliques (logo, negócio)* do que por ser a opinião honesta de quem o diz é que me faz franzir um bocado o nariz. (O que me lembra, os temas escatológicos também parecem ser atraentes para o públicozinho.). A blogocena está a ficar descaracterizada e muito pouco genuína, ou é impressão minha?


 


 [Não é necessário ter um "gestor do blogue" ou fazer cursos de como ter um blog de sucesso para perceber isto, certo?]


 


 

Eu queria dar um pai destes, o melhor, aos meus filhos. Sabendo que há pais assim, qualquer um nunca poderia servir. E durante algum tempo acreditei mesmo que o tinha encontrado. A sério. Apesar de tudo. Talvez parte do que me fez gostar taaanto de ti dele (diz que não faz sentido falar na segunda pessoa para fantasmas) foi o quanto ele me lembrava o meu pai, ideal aos meus olhos. Tem a mesma altura, a mesma profissão, a mesma força armada, no mesmo sítio, as mesmas funções, a mesma política, a mesma sensibilidade poética, até o mesmo detestável vício (o tal que eu consegui afugentar num e ia conseguir no outro).

 

Quando ele me falava em termos filhos, pela primeira vez numa vida inteira não me pareceu descabido, nem uma consequência de, entre muitas outras coisas, uma convenção social. Não me parecia irreal nem um lugar-comum. Parecia-me, mais do que natural, que só podia ser fantástico. Que filhos nossos seriam mesmo, passo o cliché, fruto dum amor tão mágico que só podia resultar numa família linda e feliz. Apesar de tudo. Quando os olhos dele brilhavam ao falar nos "bebés" (assim mesmo no plural), quando fazíamos planos para o "quarto do menino", eu sorria. Já não franzia o sobrolho nem fugia ao assunto, dizia que gostava mesmo era de ter gémeos e era tão fácil visualizar. Via-lhes as carinhas sorridentes, entre os livros com o pai, a conhecer os bichos com a mãe. Quando estava com ele já olhava para as crianças de forma serena, quase a permitir que o instinto maternal baixasse finalmente em mim.

 

E naqueles momentos, em que os sonhos eram planos, as dificuldades eram pequenos nadas que se iam dissipar, com toda a certeza que só tem quem ama. Apesar de tudo.

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Nunca tive o "sonho" que muitas mulheres têm de ser mãe. Nem me passava pela cabeça durante muuuuito tempo. No dia em que a possibilidade foi real, borrada de medo até às orelhas, decidi que se houvesse embrião, ia deixá-lo crescer e o facto de não ser desejado nem entrava na equação. Não havia embrião. Ufff!

 

Quando me perguntam se não gosto de crianças, digo que prefiro leitão. ;) Não tenho nada contra as criancinhas em si, só contra alguns pais. Dispenso bem a chinfrineira das birras de sono e os gritinhos histéricos, é um facto. Acho que vou ser a pior mãe do mundo, não lido bem com a ideia de ter uma pessoinha completamente dependente de mim para tudo e tenho a certeza de ir falhar demasiadas vezes. E sou egoísta, não me estou a ver a abdicar de certas coisas só porque "o menino é pequenino para viagens tão grandes". Acho escandaloso pedirem-me mais de 20€ por pedacinhos minúsculos de tecido, acho horríveis as papas de guisados que se deve dar aos pequenos (se fosse suposto comerem vitela, teriam dentes, certo?) e tenho asco severo à baba e ao vómito (cocó e chi-chi é-me perfeitamente indiferente, afinal lido diariamente com eles). Quando me cai um (bebé) no colo, até lhes acho piada (sobretudo porque assim que começa o berreiro são devolvidos a quem lhes fez as orelhas) e adoro ser tia honorária de dois pilinhas. Mas simplesmente não me vejo (tão cedo, anyway) no papel de mãe, doce, calma, protectora, preocupada com os germes, produtora de leite... It's not me.

 

Posto isto... Dou por mim, no metro, no meio dum monte de mulheres embevecidas com uma criancinha particularmente simpática e engraçada. Sorriem para a mãe da criança, para a criança, lançam olhares cúmplices entre elas, como se fizessem parte duma qualquer irmandade que percebesse que algo que os restantes mortais não alcançam, um segredo qualquer. Grave: eu sou uma delas. Deve ser a meia-idade que se aproxima (?), ou pelo menos uma crise de identidade...

 

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Resumindo: quem sabe, um dia destes encomenda-se um par de gémeos.