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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Tens de sorrir e de estar bem disposta. Tens de saber línguas várias e de andar de saltos altos. Tens de ser magra e firme. Tens de estar na moda. Tens de ter filhos. Tens de ter uma relação estável, mesmo que nenhum dos dois seja feliz. Ou fiel. Tens de ser ambiciosa. Tens de ter um emprego invejável, de poder e importância. Tens de ter os dentes branqueados e bronzeado a jacto ou de solário. Tens de ter a depilação sempre em dia. Tens de sorrir e encarar as dificuldades com prazer. Tens de ter tempo para os teus amigos. Tens de dar o litro a trabalhar, pelo menos 10 horas por dia. Tens de fazer exercício, ir ao ginásio e correr maratonas. Tens de brincar com as crianças e adorar cada minuto. Tens de namorar com o teu marido/companheiro e passar fins de semana românticos em grandes hotéis e fazer os circuitos de spa a dois - e ter dúzias de fotos no instagram e no facebook para o comprovar. Tens de ser uma cozinheira de mão cheia! Tens de ser diplomata e nunca mandar ninguém à merda. Tens de ter o cabelo e as unhas impecáveis, abdicas de uma hora de almoço por semana para isso mesmo. Uma vez por mês vais fazer a manutenção das pestanas falsas. Só usas roupas de marca porque as feiras dos ciganos e a Primark não são dignas da tua presença. Tens uma empregada que te vai dar uma ajudinha com a roupa e as limpezas, mas seguramente é imigrante, ou pelo menos uma saloia que não percebe as tuas indicações. Lês a vogue e vais à moda Lisboa, mas o teu escritor preferido é o Paulo Coelho ou o José Rodrigues dos Santos. Nunca foste a uma manifestação e só votas no centrão porque "não gostas de extremos e no meio é que está a virtude". (Nota-se.) Só a tua mãe e a melhor amiga é que sabem do aborto clandestino que fizeste há 12 anos - e o Cajó, que era o pai. És uma boa samaritana, dás arroz para o Banco Alimentar e esmola ao pedinte cego, aos outros não porque são uns malandros com bom corpo para trabalhar, e "a maior parte vive na rua porque quer". Almoças sumos detox e saladas a partir de Maio para te preparares para a época balnear. Pagas 1500€ por uma semana de férias num T2 na Mantarrota ou em Armação de Pêra, mas não viajas para o estrangeiro porque não és rica! Aos fins de semana levas os putos a passear ao shopping, almoçam no Macdonaldo (eles gostam tanto, e é só de vez em quando!), tu comes uma Happy Meal (porque és frugal e tens cuidado com a linha) e se não houver birras vão ao cinema a seguir. O mês passado compraste uma carteira de verão da Tous com o visa e este mês a dia 5 já estavas nas lonas, mas quando chegar o reembolso do IRS vais renovar o guarda-roupa à Massimo Dutti e os Adidas Stan Smith amarelos não te escapam.

 

 

 

A política do medo instalou-se por todo o lado. A comunicação social tornou-se ainda mais perversa e vale tudo para vender, vale o título gerador de conflito e de pânico, vale adiantar factos não confirmados, vale desinformar em vez do que devia ser a sua missão primeira, o oposto disso.
Vale a mentira.

A mentira é sempre a pior política, a meu ver. A nível individual, seja nas relações pessoais ou laborais, sigo desde sempre a minha regra da verdade acima de tudo. Traz dissabores, sim. É difícil de gerir, por vezes. Tem de se usar de diplomacia extra para dizer algumas verdades mais penosas (de dizer ou de ouvir). Mas vale a pena, porque não há nada que magoe mais do que a mentira. E é uma ofensa, seja por colocar aquele a quem é dita a mentira num patamar intelectual ou emocional inferior, no mínimo fraco. Ou acham que nunca irás descobrir a mentira, ou que não és capaz de lidar bem com a verdade.

A mentira é, ponto assente e repetidamente comprovado, o modo de viver das classes políticas mais fortes, porque é através dela que chegam ao poder. A mentira vale os votos dos mais distraídos, crédulos, ignorantes, interesseiros e cínicos. O interesse comum e público é cilindrado em prol de alguns interesses pessoais e materiais. É por esse motivo que a educação e a ciência são inimigos do despotismo encapotado, esse sim temível e mortífero e devastador.

Como é que nos habituámos a viver assim, a ser (des)governados assim, e sem muito fazer para trazer a verdade ao de cima?! Vivemos realmente num mundo fabricado, numa matriz para consumo imediato e superficial.

 

Até quando iremos tolerar esta deriva no nevoeiro?