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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

“Sadly, the signals that allow men and women to find the partners who most please them are scrambled by the sexual insecurity initiated by beauty thinking. A woman who is self-conscious can't relax to let her sensuality come into play. If she is hungry she will be tense. If she is "done up" she will be on the alert for her reflection in his eyes. If she is ashamed of her body, its movement will be stilled. If she does not feel entitled to claim attention, she will not demand that airspace to shine in. If his field of vision has been boxed in by "beauty"--a box continually shrinking--he simply will not see her, his real love, standing right before him.” 
― Naomi Wolf, The Beauty Myth

 

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Sempre a melhor amiga, a companheira, amiga, camarada, o ombro amigo, confidente... mas nunca a mulher desejada. São décadas disto, e cansa. São décadas disto, e dói. Por uma vez que fosse, gostava de saber qual é a sensação de se ser o objecto de desejo e atenção de alguém. Gostava de saber que suscitava a lascívia pura de alguém, sem se deter com as intelectualidades, que me dizem intimidar os outros, sem haver egos gigantes carentes de atenção, sem dramas nem complicações, sem solidões a pedinchar um mimo para aplacar uma dor causada por outra. Por um momento, gostava de poder ser só uma mulher interessante que deixasse um homem com suores frios, com borboletas no estômago, doente de desejo, louco de tesão. Por um momento, gostava que o meu ego fosse mais importante. Gostava de deixar de me preocupar, gostava de conseguir largar, gostava de ser capaz de não gostar. Décadas disto, e cansa, e dói.

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Demasiado independentes, como já me acusaram de ser, como se fosse uma coisa má pensar pela própria cabeça e não esperar pelo aval de ninguém para fazer o que se decidiu fazer. 
Curiosamente, não me revejo nada nessa adjectivação. Até me sinto bastante dependente, com necessidade de que gostem de mim, dependente do amor de um homem (digo-lho amiúde que é uma doença, uma dependência irritante, e que é frustrante não conseguir deixar de gostar dele, mesmo quando me irrita e faz zangar a sério). 
Admito, contudo, que o que passa aos outros como independência e capacidade de suportar tudo sem apoios externos pode trazer outros problemas, nomeadamente nas relações amorosas. A outra parte vê-nos resolver coisas, tomar decisões e iniciativas, fazer mudanças, levar a cabo ideias peregrinas, muitas vezes só porque metemos isso na cabeça e não pedimos licença a ninguém para avançar. Desbravamos terreno, muitas vezes sozinhas, vamos buscar forças desconhecidas, superamos os obstáculos e nunca nos damos por vencidas. Aguentamos o barco quando os outros à nossa volta têm problemas, e toda a gente os tem. Acho que as mulheres portuguesas do século XXI têm quase todas um complexo de super-mulher. E os nossos parceiros vêem-nos ser super-mulheres, mesmo que também consigam ver as fraquezas - porque as fraquezas tentamos esconder, não damos parte de fracas, e só os argutos vão conseguir ver além do que julgamos permitir. Porque como super-mulheres não queremos falhar com ninguém e não queremos sobrecarregar os outros, que já têm os seus problemas, e por isso não nos queixamos. Nunca. Engolimos as dores, as frustrações, os anseios e inseguranças. Quando estamos mais fragilizadas, a capa endurece ainda mais e, por mim falo, as reacções podem ser desproporcionadas e injustas para quem está mais perto. (Além disso tudo ainda há toooooda a agravante hormonal e TPM, etc. e tal, que exacerba tudo 500 mil vezes.) 
Somos, portanto, qualquer coisa que se assemelha a bombas-relógio, passíveis de explodir com um breve tic-tac, uma coisa mínima. E seremos muitas vezes incompreendidas, porque - não se enganem - toda a aparente independência não implica desapego, não implica que não seja necessário dar carinho, atenção, ter a flexibilidade de perceber como é estar na nossa pele. Mesmo os cactos precisam de água.

 

[Posso ser casmurra como uma porta e só fazer aquilo que bem entendo, mas se peço uma opinião é porque me importa saber o que pensas. Posso repetir mil vezes que estava bastante feliz e em óptima companhia quando estava sozinha, mas se peço que me acompanhes é porque prefiro estar contigo.]

 

Podemos ser demasiado independentes, demasiado aventureiras, demasiado racionais, demasiado inteligentes (?). Os nossos parceiros podem sentir-se ameaçados por isso, se forem inseguros, ou não o compreenderem, ou sentirem a sua virilidade ameaçada (e os mais tolos tentarão conter ou suavizar-nos, se não forem parceiros à altura). Podemos achar que somos super-mulheres e temos de superar todas as (nossas) expectativas. Mas não nos esqueçamos de ser também, apenas, absoluta e exactamente quem somos. Não a 99% nem a 101%, mas plena e absolutamente quem somos. E isso começa por sermos humanas.

 

Não me chames linda. Chama-me combativa, independente, inteligente, revolucionária. Chama-me intransigente, irritante, arrogante. 

Não me chames simpática. Chama-me guerreira, vingativa, carismática. Chama-me idealista, utópica, parva, ou chama-me pelo nome. 

Se não tens nada de positivo para dizer de mim, diz à mesma o que pensas. Só não me digas mentiras, não uses clichés para me descrever, que me agonias.

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Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra
É um grito
Que nasce em qualquer lugar


Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito
Ou sou uma pedra
De um altar aonde não estou


Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar


Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão


Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou é um grito
De um amor por acontecer


Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p’ra onde vou
E esta pedra
E este grito
São a história d’aquilo que sou


Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar


Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão


Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar


Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão



Não houve, em 33 anos, uma única vez em que tivesse ouvido esta canção belíssima e que não me arrepiasse. Haja poesia!

Tens de sorrir e de estar bem disposta. Tens de saber línguas várias e de andar de saltos altos. Tens de ser magra e firme. Tens de estar na moda. Tens de ter filhos. Tens de ter uma relação estável, mesmo que nenhum dos dois seja feliz. Ou fiel. Tens de ser ambiciosa. Tens de ter um emprego invejável, de poder e importância. Tens de ter os dentes branqueados e bronzeado a jacto ou de solário. Tens de ter a depilação sempre em dia. Tens de sorrir e encarar as dificuldades com prazer. Tens de ter tempo para os teus amigos. Tens de dar o litro a trabalhar, pelo menos 10 horas por dia. Tens de fazer exercício, ir ao ginásio e correr maratonas. Tens de brincar com as crianças e adorar cada minuto. Tens de namorar com o teu marido/companheiro e passar fins de semana românticos em grandes hotéis e fazer os circuitos de spa a dois - e ter dúzias de fotos no instagram e no facebook para o comprovar. Tens de ser uma cozinheira de mão cheia! Tens de ser diplomata e nunca mandar ninguém à merda. Tens de ter o cabelo e as unhas impecáveis, abdicas de uma hora de almoço por semana para isso mesmo. Uma vez por mês vais fazer a manutenção das pestanas falsas. Só usas roupas de marca porque as feiras dos ciganos e a Primark não são dignas da tua presença. Tens uma empregada que te vai dar uma ajudinha com a roupa e as limpezas, mas seguramente é imigrante, ou pelo menos uma saloia que não percebe as tuas indicações. Lês a vogue e vais à moda Lisboa, mas o teu escritor preferido é o Paulo Coelho ou o José Rodrigues dos Santos. Nunca foste a uma manifestação e só votas no centrão porque "não gostas de extremos e no meio é que está a virtude". (Nota-se.) Só a tua mãe e a melhor amiga é que sabem do aborto clandestino que fizeste há 12 anos - e o Cajó, que era o pai. És uma boa samaritana, dás arroz para o Banco Alimentar e esmola ao pedinte cego, aos outros não porque são uns malandros com bom corpo para trabalhar, e "a maior parte vive na rua porque quer". Almoças sumos detox e saladas a partir de Maio para te preparares para a época balnear. Pagas 1500€ por uma semana de férias num T2 na Mantarrota ou em Armação de Pêra, mas não viajas para o estrangeiro porque não és rica! Aos fins de semana levas os putos a passear ao shopping, almoçam no Macdonaldo (eles gostam tanto, e é só de vez em quando!), tu comes uma Happy Meal (porque és frugal e tens cuidado com a linha) e se não houver birras vão ao cinema a seguir. O mês passado compraste uma carteira de verão da Tous com o visa e este mês a dia 5 já estavas nas lonas, mas quando chegar o reembolso do IRS vais renovar o guarda-roupa à Massimo Dutti e os Adidas Stan Smith amarelos não te escapam.

 

 

 

No planeta em que eu vivo, milhões de mulheres (cerca de seis mil por dia!) são mutiladas enquanto adolescentes, cortam-lhes o clitóris, com uma faca, ou uma navalha, ou um pedaço de vidro, em nome da tradição, que em pelo menos 28 países pode ser sinónimo de castigo pelo azar de se nascer fêmea.

 

No planeta em que eu vivo, há raparigas que são ameaçadas, intimidadas e impedidas pela força, com tiros, se querem ir à escola, porque a educação é um direito que lhes é vedado.

 

No planeta em que eu vivo, são as mulheres que andam dezenas de quilómetros todos os dias para trazerem água e lenha para as suas aldeias (em África, 90% deste esforço é feito por mulheres, e a tarefa pode demorar até 8 horas diárias).

 

 

No planeta em que eu vivo, há crianças, meninas, que são vendidas aos seus futuros maridos por tostões, enquanto o horripilante mercado de tráfico humano movimenta pelo menos 800.000 mulheres e crianças por fronteiras internacionais para servirem enquanto escravas sexuais.

 

Neste planeta, o poder está, maioritariamente, nas mãos dos homens, tal como o acesso ao trabalho, à riqueza, aos direitos, à saúde, à educação. Em Portugal, para não variar, a situação é bem pior do que a média europeia.

 

No planeta em que eu vivo, é tristemente comum, no século XXI, milhares de mulheres nos ditos países desenvolvidos morrerem devido a maus tratos às mãos dos seus maridos e companheiros. Só em Portugal, em 2015, foram trinta e cinco, deixando órfãs quarenta e seis crianças. Neste mesmo planeta, muitas mulheres têm medo, têm vergonha, de fazer queixa e de pedir ajuda em casos de violência doméstica e de violação. O que se torna, em certa medida, compreensível, dados os casos de impunidade descarada, como aquele em que o violador de uma mulher grávida, sua paciente, sai impune porque não ficou provado que tivesse usado "demasiada violência"...

 

Pois, neste planeta onde eu tenho de viver, as violações são assunto corriqueiro e impune em algumas partes do mundo; perdão, em todo o mundo.

 

 

 

Eu vivo num planeta onde os empregadores, nomeadamente os meus, acham que no dia da mulher fica bem oferecer uma flor a cada funcionária, mas onde as condições de trabalho são distintas, tal como os salários e o acesso a certos cargos, para pessoas de um e de outro género. Na Europa, os salários médios das mulheres são 16% mais baixos do que os dos homens, e a diferença foi agravada com a crise económica. Aparentemente, vamos precisar de, pelo menos, mais 118 anos para as desigualdades económicas entre géneros se dissiparem. Legal ou ilegalmente, muitas mulheres perdem o emprego ou oportunidades na carreira pelo simples facto de engravidarem.

 

 

 

 



Infelizmente, este é o meu planeta. Por isso, às pessoas que dizem que o Dia da Mulher é uma tolice, que não faz sentido, que é um dia feito para as floristas venderem rosas e que "não há igualdade porque não há dia do homem", eu pergunto em que planeta vivem. É que gostava muito, mesmo muito, de viver num planeta em que não fizesse falta haver um dia da mulher.

Pequenino no pior sentido, e mesquinho. E, infelizmente, racista, de um racismo passivo tolerado e aceite e legitimado pela comunicação social.

 

Como é possível este título do Público? A notícia é a senhora ser negra?! Ou melhor, ser uma senhora e ainda por cima negra?!

 

Permitam-me que considere ofensivo e primariamente nojento. Alguém lá no Público devia olhar para o relógio e ver que estamos no século XXI, e ver além do daltonismo tendencioso e ignóbil.

 

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Alguém explique às criaturas ignorantes do código do trabalho, da constituição portuguesa, e do bom senso em geral que quem paga as baixas médicas e subsídios e licença de maternidade é, por ora, a segurança social e não a pobre entidade empregadora sem orçamento para contratar mais do que uma pessoa e, por isso, se acha no direito de questionar as mulheres se planeiam engravidar numa entrevista de recrutamento (ou em qualquer outra situação, by the way). E que a lei do trabalho permite a contratação de trabalhadores temporários para suprir as ausências de trabalhadores em licença de parentalidade. Duh! E também me podiam explicar onde estão esses médicos porreiraços que passam baixas só por lhes pedirmos. Deve ser no mesmo sítio onde as mães portuguesas preferem ficar tanto tempo quanto possível a receber só uma %do salário, porque a malta trabalha mesmo é para aquecer, o salário é irrelevante. Yeah. Num mundo imaginário habitado em exclusivo por patrões e jotinhas.

Detesto sabê-lo a ir. Porque vai sem mim, porque não sei quem vai ao seu lado. Provavelmente, uma substituta de mim, que ele ainda não sabe o que já lhe ensinei sobre as impossíveis substituições. Porque o tempo passa e aumenta a distância à última memória de ter ido comigo. Porque já não é a mim que escolhe para ir. E eu, preciso de ir indo. Preciso de ir longe. Se não com ele, irei sem ele. Não tornarei a ficar à espera, essa lição já está bem aprendida há muito tempo.

 

Vou. Se há coisa de que gosto, é de ir.