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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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11 de Outubro é o Dia Internacional das Raparigas, mas é também o dia a partir do qual trabalho sem receber.

A desigualdade salarial entre géneros em Portugal corresponde a uma perda de 58 dias de trabalho remunerado. Significa isto que, em média, pelo simples facto de ter nascido com útero, ovários, vagina, as mulheres a desempenharem as mesmas funções que as outras pessoas que nasceram com pénis e testículos são penalizadas. São mais exploradas. Vendem a sua força de trabalho por um valor inferior. 

Além de todas as outras opressões que acrescem a esta, tão simples e tão óbvia, se as mulheres forem pobres, se não forem brancas, se forem imigrantes, se tiverem uma orientação sexual diferente da normativa...

A maior parte das famílias monoparentais dependem do salário de uma mulher, que permitimos ser inferior ao que devia, perpetuando o ciclo de desigualdades particularmente penalizador para os mais pobres.

Não somos o sexo fraco. Não somos menos competentes. Não temos menos formação nem menos capacidades. Não somos pessoas de modo algum inferiores. Porque aceitamos ser tratadas como trabalhadoras de segunda?

Até quando vamos - todos nós, pessoas - permitir que um género seja tão descaradamente, tão violentamente subjugado e remetido para um lugar secundário e acessório na sociedade e no mundo laboral?

Porquê? Até quando?

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A cultura do estupro não é apenas um conceito abstracto usado no discurso feminista; pelo contrário, é uma das mais violentas e conspícuas manifestações do patriarcado vigente e, ao que tudo indica, é a norma que prevalece na sociedade portuguesa, que oportunamente, se vê a braços com um momento de depuração mais do que de clivagem.


Provocando, apesar de tudo, choque e indignação suficientes para que se tenham organizado manifestações de repúdio em vários pontos do país, o Tribunal da Relação do Porto continua a liderar, de alguma forma, uma espécie de vanguarda do serviço público reverso. O ano passado, o juíz Neto de Moura permitiu-se redigir um acórdão indigno e asqueroso, que trouxe inspiração bíblica para a justiça do século XXI, apontando o adultério como atenuante para a extrema violência de que foi alvo uma mulher a quem o ex-companheiro e o ex-amante decidiram raptar e agredir com uma moca com pregos, quais Neanderthais, bem como condenando moralmente a vítima pela humilhação do marido traído. Cito: “Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse.


Ainda se aguarda o resultado do processo disciplinar instaurado aos dois signatários daquele acórdão e já este ano nova decisão do Tribunal da Relação do Porto mostra inequivocamente de que lado está a justiça burguesa em casos de estupro. Uma jovem foi violada por dois homens na casa-de-banho de um bar em Gaia enquanto estava inconsciente, mas os Tribunais decidiram que, não só não se teria tratado de violação (!), apesar de ter sido provado a existência de relações sexuais com penetração e ejaculação por parte de pelo menos um dos agressores, como ainda que os agressores não representam perigo para a sociedade e devem, portanto, cumprir apenas pena suspensa. Neste caso juntam-se agravantes como o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) ser co-signatário do acórdão que alega "um ambiente de sedução mútua" como atenuante para a ocorrência do crime, considerando que "a culpa dos arguidos se situa na mediania" e a "ilicitude é baixa".

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Na semana seguinte, vem a público uma investigação do Der Spiegel acerca do caso em que o craque futebolista Cristiano Ronaldo é acusado por uma mulher de a ter violado analmente. A mulher, uma professora chamada Kathryn Mayorga, fez queixa às autoridades no dia seguinte, foram documentadas lacerações e hematomas no seu corpo e foi posteriormente assinado um acordo de confidencialidade, em que recebeu uma verba para não revelar a identidade de Ronaldo. Curiosamente, daquelas coincidências que acontecem tantas vezes quando pessoas com muito dinheiro estão envolvidas, parece que a roupa que Kathryn usava aquando da ocorrência e que fora entregue à polícia como prova, bem como o seu depoimento original, desapareceram


A presunção de inocência é, obviamente, devida, e é aos tribunais que cumpre julgar as acusações, por muito pouca fé que depositemos na justiça. Mas aquilo a que se assiste em quase toda a sociedade está no extremo oposto, que é, além da defesa acérrima da suposta inocência do herói nacional, a culpabilização da alegada vítima, o desdém pelos eventuais danos sofridos e uma espécie de contra-ataque, apontando o dedo a um suposto oportunismo por ter sido aceite uma verba mediante um acordo.


Cultura do estupro é precisamente esta tradução da misoginia por entre homens e mulheres na sociedade civil e pelos órgãos soberanos; os casos supra-citados são apenas três exemplos evidentes e bem conhecidos por todos daquilo que se passa, em menor (menos mediática) escala, todos os dias, nas ruas, nas escolas, nas empresas, nos tribunais, nas nossas casas.


Cultura do estupro é assumir que é expectável que uma mulher que saia para se divertir e dançar numa discoteca seja um alvo fácil para violadores. É assumir que os violadores são apenas homens decentes, “bem integrados na sociedade e na vida familiar” que agiram comandados por impulsos sexuais. É assumir que os criminosos não têm de ter discernimento para controlar a sua conduta, mas que são as potenciais vítimas que devem comportar-se de forma a evitar suscitar os impulsos dos violadores. É assumir que o consumo de bebidas alcoólicas serve para atenuar o comportamento dos violadores ao mesmo tempo que serve para culpabilizar a vítima. É assumir que é natural que uma mulher desmaiada na casa-de-banho seja vista, não enquanto pessoa que necessita de cuidados médicos que salvaguardem a sua integridade física, mas como um corpo à disposição para o usufruto de quem quiser. É considerar natural que os homens que conversaram com esta mulher e lhe pagaram bebidas se sintam no direito de fazer do corpo inerte dela o seu recreio, que se pode bater com violência suficiente para causar hematomas vários, que se pode apalpar, que se pode penetrar com preservativo, que se pode penetrar sem preservativo, em que se pode ejacular. É dar estes factos como provados em tribunal e afirmar-se, ao contrário do descrito na lei (que foi alterada em 2015), que não houve violação, mas antes “abuso sexual de pessoa incapaz de resistência". É a sentença ser fruto de todos os possíveis atenuantes para os criminosos e de rigorosamente nenhum agravante a pesar na decisão (nem o facto de os violadores serem funcionários no local do crime, nem a coordenação entre eles, nem a ausência de arrependimento). É tornar quase irrelevante um crime que tem repercussões traumáticas e potencialmente insuperáveis para a vítima. É saber que enquanto um dos funcionários da discoteca em questão "se servia" do corpo de uma mulher indefesa o outro estava ausente e, em coordenação com o primeiro, a esperar a sua vez para também usufruir do mesmo "direito" e ainda assim decidir que o crime foi fortuito e sem premeditação. É desconsiderar a violência do não socorro a uma pessoa desmaiada, a violência que provocou múltiplos hematomas, a violência da inexistência de consentimento, a violência da exposição a uma gravidez indesejada e fruto de estupro, a violência da exposição a inúmeras doenças sexualmente transmissíveis, a violência do trauma potencialmente permanente e devastador imposto à vítima. É a permissividade da pena suspensa para que estes criminosos, considerados culpados, permaneçam em liberdade e possam reincidir neste crime, que não foi considerado grave o suficiente para que os seus autores estejam a cumprir pena efectiva. É com este exemplo apaziguar todos os violadores que permanecem em liberdade, e incentivar outros potenciais violadores, desprezando o impacto dos seus crimes. É normalizar, não punindo com prisão efectiva, dois homens que tiveram relações sexuais não consentidas com uma mulher desmaiada na casa-de-banho do local de trabalho dos violadores. É culpabilizar a vítima, atribuindo a uma suposta “sedução mútua” a ideia de que a expressa vontade da mulher não tem importância, tão pouco a sua consciência aquando dos actos sexuais. Esta projecção da ideia de mulher como um objecto a serviço dos impulsos e desejos masculinos está presente, transversalmente, em toda a sociedade. Da mesma forma, o desejo e prazer sexual das mulheres é algo secundário, como confirma um outro acórdão da justica patriarcal: "aos 50 anos, a actividade sexual não tem a importância que assume em idades mais jovens" e "à medida que a idade avança, a importância do sexo vai diminuindo". Cultura do estupro é também naturalizar o medo incutido desde que somos meninas de andar sozinhas à noite, de expôr o corpo com roupas curtas, decotadas ou justas, de irmos onde quisermos, quando quisermos e com quem quisermos porque assumimos que somos presas que têm de se acautelar contra os predadores. Cultura do estupro é ver a esmagadora maioria da sociedade portuguesa (nomeadamente as "feministas" liberais brancas e burguesas, o Presidente da República e o Primeiro-ministro) a sair em defesa do seu herói nacional, homem cis, branco, poderoso e milionário, quando ninguém sabe ao certo o que se terá passado naquele quarto de hotel em Las Vegas e é ver essa mesma maioria sem qualquer pudor de fazer um linchamento público sobre a alegada vítima, acusando-a de oportunismo.


Neste país em que o número de mulheres assassinadas em contextos de violência doméstica, às mãos de companheiros e ex-companheiros, aumenta ao invés de diminuir, em que a violação é o único crime violento que regista aumento, em que a esposa espancada após uma derrota do clube de futebol do marido faz parte do anedotário nacional, em que a discrepância salarial representa, em média, 58 dias de trabalho sem salário para as mulheres, em que a discriminação de género continua a não ser levada a sério sequer pela franja política que se diz dedicar a lutar pela igualdade,
vigora a cultura do estupro sim. Vigora um paternalismo medieval que reproduz e reforça o desequilíbrio de poderes entre géneros. Vigora a forma refinada de capitalismo em que os pobres, oprimidos e silenciados favorecem o patrão e sobrepõem o poder do dinheiro a qualquer valor ou integridade. Vigora a moral acusatória do dedo apontado, sem hesitação, à vítima, porque vestida daquele jeito, a beber daquele jeito, a dançar daquele jeito, a sair sozinha à noite, a ousar querer ser uma pessoa de plenos direitos, “estava a pedi-las”.


Não pode ser aceitável, não pode ser nada menos do que gritantemente chocante, que com a maior naturalidade se atire a palavra "puta" como uma condenação a uma vítima de violação ou violência sexual. Ela é uma puta porque foi dançar, é uma puta porque bebeu, é uma puta porque usa mini-saia, é uma puta porque traiu o marido ou namorado. É uma puta, logo, estava a pedi-las. Pôs-se a jeito. Mas um homem que faça exactamente o mesmo é só um homem a ser homem. Ele, o que a perseguiu, o que a intimidou, o que a tentou comprar, o que a silenciou, o que a descredibilizou, o que lhe bateu, o que a espancou com uma moca com pregos, o que a regou com gasolina e lhe pegou fogo, esse é só, na pior das hipóteses, um filho da puta. E é, demasiadas vezes, só um homem a ser homem, a fazer o que se espera dele.


Os responsáveis somos todos nós, que permitimos que a misoginia esteja tão imbuída e normalizada. Estamos, colectivamente, a promover a cultura do estupro e somos muito culpados. De cada vez que juízes machistas deixam violadores em pena suspensa, estão a dar o seu aval para que estes continuem a violar impunemente e a transmitir a outros potenciais violadores que violar não é um crime assim tão grave, que se tiverem emprego e família mas beberem uns copos estão perdoados. De cada vez que se culpa e enxovalha uma vítima de violação, com mais ou menos eufemismos para dizer que "estava a pedi-las", diz-se a milhares de outras vítimas que o melhor para elas é não denunciar, sofrer em silêncio, sozinhas, e que foram alvo de um crime hediondo porque, no fundo, mereceram. De cada vez que corre uma corrente virtual para "as mulheres demonstrarem o seu apoio a Cristiano Ronaldo" está a dizer-se que os homens brancos, famosos, ricos e com bom ar serão sempre inocentes ou perdoados e que valem mais do que qualquer mulher. De cada vez que se chama puta a uma mulher que vai dançar ou que usa um vestido curto está a dizer-se que o corpo da mulher é pecaminoso e deve ser coberto, porque o desejo sexual dos homens é perigoso, incontrolável, e não deve ser atiçado, porque não são os homens que devem controlar os seus impulsos, são as putas das mulheres que não devem tentá-los. De cada vez que se chama oportunista a quem tem a coragem de enfrentar o mundo para denunciar uma ofensa sexual por parte de um homem poderoso está a dizer-se que o dinheiro vale mais do que a integridade física e emocional. De cada vez que um homem diz "ela disse que não mas não se mostrou indisponível" está a dizer que se acha no direito de abusar sexualmente de quem quiser e que a responsabilidade de o evitar é da vítima, ainda que, como quase sempre, do lado mais fraco da relação de poder ou da força física. De cada vez que alguém faz uma piada (de péssimo gosto) a dizer que por trezentos mil euros não se importava de ser violado(a) está a ser ignorante e cruel e a dizer que o dinheiro isenta qualquer crime. Tudo isto é reforçar a opressão, a misoginia e o machismo. Tudo isto são golpes duros na luta pela igualdade.

 

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Quando digo que o momento é mais de depuração do que de clivagem, o que significa é que assumo a derrota. Significa que quando vejo tantas pessoas que em outras situações lutam pela igualdade entre todas as pessoas, e que até se afirmam como aliados do feminismo a vociferar autênticas barbaridades, na senda do "até pode ter sido violada, mas (...)", não estamos a conseguir passar claramente a mensagem. E a mensagem é que NÃO É SEMPRE NÃO. Sexo sem consentimento é crime. É violação, ponto final. Significa que o que é óbvio, que estes discursos reflectem a cultura do estupro e a reforçam, não é reconhecido. Significa que muitos dos supostos aliados na causa da igualdade são também parte do problema.


Num país (e num mundo) em que é aceitável pensar que o dinheiro compra tudo, até a compensação por uma violação, o feminismo interseccional tem de ser objectivamente repensado, à luz da luta de classes e vice-versa, assumindo uma derrota estrondosa que force a uma estratégia concertada, ou pelo menos a uma estratégia diferente. O que temos nós, feministas, de fazer para evidenciar e derrubar a misoginia crescente patrocinada pela impunidade legal (talvez o mais forte reduto patriarcal), pela opinião pública, pela inacção política? Como podemos converter agentes perpetuadores da opressão machista, sobretudo nestes tempos perigosíssimos de crescimento e disseminação da extrema direita no mundo? Quem tem a coragem política de pegar nestes temas e os incluir activamente como prioridades nos seus programas de governo, com propostas legislativas e com acções? Quem tem a audácia de convocar uma Greve Geral de Mulheres? Quantas mais de nós, mulheres, terão de ser assassinadas, violadas, espancadas, culpadas e enxovalhadas perante a santa inquisição da moral podre burguesa para se perceber que estamos perante um problema inadiável de direitos humanos?

 

“Sadly, the signals that allow men and women to find the partners who most please them are scrambled by the sexual insecurity initiated by beauty thinking. A woman who is self-conscious can't relax to let her sensuality come into play. If she is hungry she will be tense. If she is "done up" she will be on the alert for her reflection in his eyes. If she is ashamed of her body, its movement will be stilled. If she does not feel entitled to claim attention, she will not demand that airspace to shine in. If his field of vision has been boxed in by "beauty"--a box continually shrinking--he simply will not see her, his real love, standing right before him.” 
― Naomi Wolf, The Beauty Myth

 

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Dorme, menina dormida

Teu lindo sonho a sonhar.

No teu leito adormecida

Partirás a navegar.

Estou presa em meu jardim

Com flores acorrentadas.

Acudam! Vão me afogar.

Acudam! Vão me matar.

Acudam! Vão me casar.

Numa casa me enterrar

Na cozinha a cozinhar

Na arrumação a arrumar

No piano a dedilhar

Na missa a me confessar.

Acudam! Vão me casar

Na cama me engravidar.

No teu leito adormecida

Partirás a navegar.

Meu marido, meu senhor

Na minha vida a mandar.

A mandar na minha roupa

No meu perfume a mandar.

A mandar no meu desejo

No meu dormir a mandar.

A mandar nesse meu corpo

Nessa minh’alma a mandar.

Direito meu a chorar.

Direito dele a matar.

No teu leito adormecida

Partirás a navegar,

Acudam! Me levem embora

Quero marido pra amar

Não quero pra respeitar

Quem seja ele – que importa?

Moço pobre ou moço rico

Bonito, feio, mulato

Me leva embora daqui,

Escrava não quero ser.

Acudam! Me levem embora.

No teu leito adormecida

Partirás a navegar.

A navegar partirei

Acompanhada ou sozinha

Abençoada ou maldita

A navegar partirei.

Partirei pra me entregar

A navegar partirei.

Partirei pra trabalhar

A navegar partirei.

Partirei pra me encontrar

Para jamais partirei.

Dorme menina dormida

Teu lindo sonho a sonhar.

 

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Não me chames linda. Chama-me combativa, independente, inteligente, revolucionária. Chama-me intransigente, irritante, arrogante. 

Não me chames simpática. Chama-me guerreira, vingativa, carismática. Chama-me idealista, utópica, parva, ou chama-me pelo nome. 

Se não tens nada de positivo para dizer de mim, diz à mesma o que pensas. Só não me digas mentiras, não uses clichés para me descrever, que me agonias.

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Tens de sorrir e de estar bem disposta. Tens de saber línguas várias e de andar de saltos altos. Tens de ser magra e firme. Tens de estar na moda. Tens de ter filhos. Tens de ter uma relação estável, mesmo que nenhum dos dois seja feliz. Ou fiel. Tens de ser ambiciosa. Tens de ter um emprego invejável, de poder e importância. Tens de ter os dentes branqueados e bronzeado a jacto ou de solário. Tens de ter a depilação sempre em dia. Tens de sorrir e encarar as dificuldades com prazer. Tens de ter tempo para os teus amigos. Tens de dar o litro a trabalhar, pelo menos 10 horas por dia. Tens de fazer exercício, ir ao ginásio e correr maratonas. Tens de brincar com as crianças e adorar cada minuto. Tens de namorar com o teu marido/companheiro e passar fins de semana românticos em grandes hotéis e fazer os circuitos de spa a dois - e ter dúzias de fotos no instagram e no facebook para o comprovar. Tens de ser uma cozinheira de mão cheia! Tens de ser diplomata e nunca mandar ninguém à merda. Tens de ter o cabelo e as unhas impecáveis, abdicas de uma hora de almoço por semana para isso mesmo. Uma vez por mês vais fazer a manutenção das pestanas falsas. Só usas roupas de marca porque as feiras dos ciganos e a Primark não são dignas da tua presença. Tens uma empregada que te vai dar uma ajudinha com a roupa e as limpezas, mas seguramente é imigrante, ou pelo menos uma saloia que não percebe as tuas indicações. Lês a vogue e vais à moda Lisboa, mas o teu escritor preferido é o Paulo Coelho ou o José Rodrigues dos Santos. Nunca foste a uma manifestação e só votas no centrão porque "não gostas de extremos e no meio é que está a virtude". (Nota-se.) Só a tua mãe e a melhor amiga é que sabem do aborto clandestino que fizeste há 12 anos - e o Cajó, que era o pai. És uma boa samaritana, dás arroz para o Banco Alimentar e esmola ao pedinte cego, aos outros não porque são uns malandros com bom corpo para trabalhar, e "a maior parte vive na rua porque quer". Almoças sumos detox e saladas a partir de Maio para te preparares para a época balnear. Pagas 1500€ por uma semana de férias num T2 na Mantarrota ou em Armação de Pêra, mas não viajas para o estrangeiro porque não és rica! Aos fins de semana levas os putos a passear ao shopping, almoçam no Macdonaldo (eles gostam tanto, e é só de vez em quando!), tu comes uma Happy Meal (porque és frugal e tens cuidado com a linha) e se não houver birras vão ao cinema a seguir. O mês passado compraste uma carteira de verão da Tous com o visa e este mês a dia 5 já estavas nas lonas, mas quando chegar o reembolso do IRS vais renovar o guarda-roupa à Massimo Dutti e os Adidas Stan Smith amarelos não te escapam.

 

 

 

Eu juro que na minha cabeça fervilham dezenas, centenas de posts, e não só. Pululam mil ideias para tudo e mais alguma coisa, planos, contos, viagens, romances, soluções para perguntas ainda por fazer.
O senão é que tudo isto se desenrola em trânsito, durante o período em que faço a bendita (e essencial!) distanciação do trabalho e respectiva aproximação da casa, dos meus, de mim.

 

[É uma seca constatação esta, a de que na verdade só consigo dedicar-me a ser plenamente eu, nos intervalos daquela personagem que desempenho 4+1+4 horas diárias (pelo menos!). Não é que a dita personagem seja distintas de mim, que não é, mas é apenas um bocadinho pequeno do que eu sou, o bocadinho organizado, trabalhador, focado e ambicioso. E este não é, de todo, o ângulo preferido para me ver ao espelho, tão pouco aquele a que quero dar protagonismo, prioridade, o meu prime time.]

 

E é assim que dou por mim a esgotar os poucos cartuchos de energia que (a minha tiróide permite que) tenha, sem conseguir, na maioria das vezes, chegar à execução dos planos, dos posts, das empreitadas.
Onde é que encontro um carregador de espírito anímico por aí? Ou um bom endocrinologista, vá.

 

 

 

Não é caso único. Aqui há uns 7 ou 8 anos, tinha começado a namorar com o "falecido", começávamos a conhecer os amigos um do outro, e ele insistia para que eu conhecesse quem seria "uma das melhores amigas". Naturalmente que sim. Pois que a primeira impressão (e todas as seguintes) não só não foi a melhor como detestei a rapariga. E depois o dilema... Como dizer ao namorado que detestei a melhor amiga (ou uma das, whatever) e preferia nunca ter qualquer tipo de proximidade com aquela pessoa? Quando no dia seguinte ele me coloca directamente a questão que queria evitar, "Então, o que achaste da S.?" ainda tentei rodear, mas eu sendo eu, tenho pouco talento para não dizer tudo o que me passa pela cabeça e acabei por disparar um diagnóstico nada abonatório. Mas nesta situação em concreto, tinha motivos reais...


 


Acho que foi pouco antes do Natal, e combinei encontrar-me com eles depois dumas compras que ia fazer com uma amiga minha. Lá seguimos, eu e a minha amiga, para o ponto de encontro, já lá estava o "falecido" e outro amigo, todos bem dispostos e em amena cavaqueira, quando chega a sujeita, atrasada e esbaforida. Apresentações, etc., e os amigos começam a colocar algumas novidades em dia. A S. era amiga do meu namorado na altura e do amigo dele, mas nunca me tinha visto a mim e muito menos à minha amiga. Mas nem isso pareceu inibi-la de nos pôr a par, detalhadamente, da aventura que estava a ter com um rapaz que era namorado duma sua 'amiga'. (What?! Sim, isso mesmo.) E então não se sentia muito bem, porque estava a enganar uma amiga (se fosse uma desconhecida, não havia problema?!), e o seu dilema era se continuava a encontrar-se com o rapaz às escondidas ou dedicava-se só ao amante casado do trabalho... E assim mesmo, sem pudores, sem nos conhecer, foi esta a primeira imagem que me foi oferecida.


 


Na minha juventude ingénua de então isto foi uma pedrada no charco. E mesmo hoje, depois de ter visto e ouvido de tudo (and I really mean DE TUDO), e quase nada me espanta, ainda penso frequentemente que vivo num mundo muito distante do "mundo real"...


 


A minha amiga tem uma amiga de quem não gosto. Por nenhuma razão em especial. Não gosto da forma como me olha, não gosto do modo como fala, o próprio tom de voz da moça irrita-me sobremaneira. Talvez seja da postura algo snob, talvez me faça, inconscientemente, lembrar alguém, mas não confio nela nem um pedacinho, tudo o que diz me soa a falso e a segundas intenções.


Tantas vezes me digo que tenho de dar mais crédito aos instintos que desta vez me vou deixar ficar assim. Noutros tempos, faria um esforço por ignorar esta sensação, por racionalizar e achar que estou apenas a implicar sem razão. Agora, estou-me nas tintas. Não gosto dela e ponto.


 


Nunca tive o "sonho" que muitas mulheres têm de ser mãe. Nem me passava pela cabeça durante muuuuito tempo. No dia em que a possibilidade foi real, borrada de medo até às orelhas, decidi que se houvesse embrião, ia deixá-lo crescer e o facto de não ser desejado nem entrava na equação. Não havia embrião. Ufff!

 

Quando me perguntam se não gosto de crianças, digo que prefiro leitão. ;) Não tenho nada contra as criancinhas em si, só contra alguns pais. Dispenso bem a chinfrineira das birras de sono e os gritinhos histéricos, é um facto. Acho que vou ser a pior mãe do mundo, não lido bem com a ideia de ter uma pessoinha completamente dependente de mim para tudo e tenho a certeza de ir falhar demasiadas vezes. E sou egoísta, não me estou a ver a abdicar de certas coisas só porque "o menino é pequenino para viagens tão grandes". Acho escandaloso pedirem-me mais de 20€ por pedacinhos minúsculos de tecido, acho horríveis as papas de guisados que se deve dar aos pequenos (se fosse suposto comerem vitela, teriam dentes, certo?) e tenho asco severo à baba e ao vómito (cocó e chi-chi é-me perfeitamente indiferente, afinal lido diariamente com eles). Quando me cai um (bebé) no colo, até lhes acho piada (sobretudo porque assim que começa o berreiro são devolvidos a quem lhes fez as orelhas) e adoro ser tia honorária de dois pilinhas. Mas simplesmente não me vejo (tão cedo, anyway) no papel de mãe, doce, calma, protectora, preocupada com os germes, produtora de leite... It's not me.

 

Posto isto... Dou por mim, no metro, no meio dum monte de mulheres embevecidas com uma criancinha particularmente simpática e engraçada. Sorriem para a mãe da criança, para a criança, lançam olhares cúmplices entre elas, como se fizessem parte duma qualquer irmandade que percebesse que algo que os restantes mortais não alcançam, um segredo qualquer. Grave: eu sou uma delas. Deve ser a meia-idade que se aproxima (?), ou pelo menos uma crise de identidade...

 

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Resumindo: quem sabe, um dia destes encomenda-se um par de gémeos.

 

 


  • Sabem aquelas pessoas com quem a gente descobre uma empatia imediata quando as conhece?

  • Sabem aquelas pessoas que nos lêem cada palavra como se nos conhecessem a vida toda?

  • Sabem aquelas pessoas de quem se gosta porque sim?

  • Sabem aquelas pessoas com quem não se tem contacto frequente mas se sabe que estão lá sempre, a torcer por nós, a sorrir com as nossas vitórias e a estender a mão quando nos vêem em baixo?

  • Sabem aqueles amigos com que a vida de vez em quando nos brinda, sem que tenhamos feito nada de particular para os merecer?

  • Sabem?


 


Cb, esta é para ti. Ou pensavas que me fazias um elogio destes e eu me ficava? ;)


 


 



Obrigada. Por tudo. :)


 


 


Feliz Dia da Mulher!

Pois é, lembram-se disto?


 


Prometido é devid(r)o e, tendo já passado umas semanas de utilização consistente, posso fazer uma crítica fundamentada.


O produto em causa é o elixir para cabelos Orofluido. E devo dizer que é muito bom sim senhor! Os frascos são grandes (100 ml) e duram uma eternidade, porque só umas gotinhas bastam para cada aplicação. Cada embalagem ainda traz 3 miniaturas de 5 ml, o que dá imenso jeito para levar na carteira, ou para o ginásio ou um fim-de-semana fora. E o que mais interessa: deixa o cabelo brilhante, nutrido, muito sedoso e com um cheirinho muito agradável. Eu tenho o cabelo fininho, comprido e com ondulação natural, com tendência a pontas espigadas e quebradiças. Já usei uma panóplia de séruns para pontas, cremes, etc. e tal, e devo dizer que o Orofluido bate-os a todos. (Um outro muito bom é também um sérum da Avon, de preço bem acessível e com efeitos semelhantes ao Orofluido, mas em embalagens de 30 ml.)


 


 




 


 


 


 


 


Pronto, publicidade gratuita feita. Agora resta acrescentar uma nota menos positiva. Senhores da Orofluido, o vosso produto é uma mistura de óleos ricos, ou seja, é gorduroso. Deixa as mãos "sedosas", tal como o cabelo. O frasquinho é de vidro. Mãos sedosas + frasco de vidro = splash. Dá um prejuízo do catano! E nem vos conto a trabalheira que foi limpar o chão da casa-de-banho... Posto isto, agradecia encarecidamente que ponderassem alterar a embalagem para PET reciclável, sim? Obrigadinhas.


 


Se alguém quiser adquirir Orofluido (sim, comprei mais do que vou gastar nos próximos 3 anos), é enviar mailito para ventaniaazul@gmail.com.

em que gostava se ser uma daquelas bloggers muito lidas e cheias de seguidores, com um blogue de gaja, para arrecadar uns mimos de patrocínios quando em vez (está a acabar-se o champô de urtigas). Para isso e para poder falar dos vestidos lindos que vi na H&M (e suspirar que não comprei nenhum, por indecisão e contenção).


 





































(Btw, é impressão minha ou na Alemanha os preços são mais baixos?)




A propósito da conversa na caixa de comentários de ontem. E não, ninguém me pagou ou ofereceu o que quer que fosse para fazer publicidade descarada à Bodyshop. (E se pagassem, podia bem ser em champô com extracto de urtiga; ou essência de baunilha, que a minha entornou num porão de avião; ou qualquer produto da Bodyshop, que eu não sou assim tão esquisita e a DM ainda não chegou a Portugal.)

Li algures no blogomundo que as mulheres perdoam mas não esquecem. E identifico-me plenamente com a afirmação. Não guardo rancores. É por isso que digo logo, sem sequer pensar (o que é errado) tudo o que me vai na alma. E fica dito, não fica nada a remoer e a azedar cá dentro. E como tenho a sensibilidade emocional duma florzinha de estufa, magoo-me com mais frequência do que devia. Tenho a "pele rija" e aguento, mas dói. E quando dói, digo: "Olha, isto doeu-me. Não morri, mas sangrei." E sangro, até sair o veneno. Pode demorar mais ou menos, depende da profundidade da mazela. E recuso-me a fingir que já sarei se ainda sinto picadas. Mas eventualmente, deixa de doer. Lambo as feridas (frequentemente, com ajuda de outros, dos meus, que mas lambem também) e ganho crosta. É o perdão. A cicatriz fica, que a pele emocional (como a outra, aliás), é muito sensível e tudo lhe deixa memórias marcadas. E eu gosto, como gosto de cicatrizes, porque cada cicatriz me ensina alguma coisa. Com todas elas eu aprendo, com cada uma fico a saber que aquela ferida, profunda ou nem tanto, não me derrubou. E a ferida fica fechada, fica perdoad@ @ ofensor(@). Não fica esquecido o golpe, porque isso seria a negação de tudo o que me conheço. Talvez não volte a expor aquele pedaço de pele às unhas de quem já ali arranhou, porque é assim que funciono, salvo as excepções que me desnorteiam (que as há).

 

Não odeio ninguém. Não creio que alguma vez tenha odiado. Raiva, injustiça, ira, sim, essas assolam-me quando em vez. Ódio, não. Neste momento, tenho a aura branca e pura e a cheirar a limpo.

 

Estão perdoadas todas as ofensas, mesmo as maiores, mesmo os boicotes e as traições de confiança, os abusos, as injustiças. Ide em paz. Perdoo-te.