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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

2008 foi um ano mau, complicado, de mudanças. Depois, em 2009, tudo se agravou e pensei que tinha sido o pior ano de sempre na minha vida. Accomplishments à parte, que cumpri grande parte do que me havia proposto. Mas foi terrível. Sofri, e sofri, e tornei a sofrer tudo de novo, num repeat tão masoquista quanto mágico. Em 2009 esgotei-me. Apesar de ter sido em 2008 que perdi o chão e vi planos quebrarem-se em cacos, 2008 foi a descoberta de mim sem sideshow. It was all about me. E os instantêneos irreais de paixões imensas a inundarem-me… 2010 começou mal, tão mal, e continuou pior do que podia imaginar. Nada, resume-se a nada. Um enorme vazio, buraco negro em que nada se permite respirar, nem o imaterializado raciocínio que deixou de caber nas sinapses. E de repente, out of nowhere, a coragem para dizer “Basta!”, para quebrar o ciclo, e o ciclo quebrou. E entrou a luz, e entraram sorrisos em catadupa, e entrou magia, e entrou encantamento, e entrou um pássaro azul pela janela, e entrou sangue nas artérias, e entrou ar nos sonhos, e entraste tu e não mais saíste de mim.


O pior ano da minha vida acabou por abrir portas ao melhor de mim.


 


 


 



 

 

 

 

 

 

 

 

Aconteceram os sonhos, as lágrimas, os gritos. Aconteceram paixões, incursões pela alma. Aconteceram poucos anos e algumas rugas a instalarem-se. Aconteceram amizades tão grandes e maiores que a vida, que crescem. Aconteceram pessoas que chegaram e desapareceram. Aconteceram estrelas cadentes e esperanças que invadem corpo e alma e palavras. Aconteceram muitos dias de solidão e de tristeza profunda. Aconteceu a saudade dilacerante. Os finais, aconteceram nem sempre antes dos inícios. Aconteceram cores e ousadias. Aconteceram viagens, felicidade máxima, muitas palavras e tu. Aconteceram sorrisos e planos. E beijos, todos os beijos que me acontecem de olhos fechados. Aconteceram a morte e as cinzas. Acontece-me sempre a falta de vocabulário para traduzir o que já aconteceu. Acontece-me sede de que aconteça muito mais, o desconhecido, para além das estrelas.

 

 


  • adormecer antes de ter terminado de jantar

  • adormecer abraçada ao aquecedor

  • fechar os olhos entre duas estações de metro e ter uma epifania on the move

  • baixar os braços e continuar a bater nas paredes

  • deixar de lutar contra as manifestações emocionais mais deslocadas

  • escrever todo o tipo de baboseiras no blogue para fingir que não houve tempo de publicar as páginas e páginas de revoltas e angústias que atormentam cada vez mais

  • resignar os olhos ao inchaço que se tornou constante

  • entregar a saudade a uma fotografia que passou a andar sempre comigo

  • desviar o assunto 24h por dia, quando o assunto me assola 24h por dia


Lutar contra os sentimentos (puros e genuínos, já disse?) cansa com'ó caraças. Tentar esquecer o inesquecível e pôr para trás das costas o que de mais precioso se teve é uma traição; aceitar as impossibilidades e as curvas dum fado escrito por outrem causa-me overload a nível celular. Parece-me que ando a tentar forçar o planeta a girar no sentido contrário com o poder da mente. E a mente está por um fio. Estou verdadeiramente exausta de andar aqui.


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Não me esqueci da data: 20 de Março. Foi quando batalhava contra a verdade e a memória; tentava esquecer-me que ele existiu e que a sua existência arrombou os cadeados da minha. Tentei esquecer todas as coisas que me ensinou e os sentimentos que me apanharam na curva e me acagaçaram de morte. Apaguei as fotografias, proibi-me (e, com a força das expressões de dor que devia transpirar na altura, a todos quantos adivinharam a estória) de pronunciar o seu nome, de sequer falar dos sítios em que a realidade se tinha tornado um lugar melhor. Queria fingir que as lembranças dos sabores da pele e da língua dele eram de outro, ou dum qualquer. Quanto mais me forçava a ignorar a sua presença, mais a sua ausência ecoava em cada movimento dos ponteiros. Tentei substituir a sua imagem na minha cabeça mas a cada pestanejo ele me surgia de sorriso aberto até ao canto dos olhos; o mesmo sorriso que me virou as tripas e a lógica e o coração do avesso; os mesmos olhos que, cerrados, me fitavam na noite, desde a primeira, em que me soube rendida àqueles contornos de amêndoas tristes, quebrando todos os silêncios. Tentava, com todas as minhas forças, bani-lo de mim. E chorava, no escuro (eu, que nunca chorava!), com a falta dele a meu lado na cama, com o abismo da diferença entre o que era e o que tinha sido. Chorei também acompanhada, azul de vergonha, em frente a todos e sem controlo. Havia sido apanhada em falso, do nada, quando alguém me perguntou (antevendo a resposta por tão bem conhecer os meandros de mim) se sentia saudades dele. Aquelas duas palavras, o nome dele e “saudades”, como duas pequenas gotas que obrigaram os meus mares a transbordar, a derrubar os diques que tanto havia engenhado para não quebrarem.

 

Foi num desses dias, de pensamentos acorrentados e palavras abafadas, que tudo desabou. Cheguei, à hora habitual, no lugar habitual - uma das poucas rotinas com que vou convivendo pacificamente. Quando me aproximei para sentar, os joelhos, juro, tremeram. Não queria acreditar. Ali, no “meu” canto, alguém escrevera o seu nome, em maiúsculas como que a berrar-me que não podia fingir que não estavam ali. Porquê o seu nome, que foge a sete pés da oblíqua escuridão em que todos os Pedros e Paulos e Josés e Antónios se atropelam aos tropeções?! Aquele nome que, quanto mais virava costas, mais a cidade gritava aos meus olhos, dedos e ouvidos. Estava por toda a parte, a multiplicar-se como quando se compra um carro novo e os seus gémeos repentinamente erguem o pescoço entre as congestionadas multidões. Assim era o nome dele, repetido, esgotado, fantasmagoricamente assolando cada dia e cada noite, cada livro, cada café, por toda a urbe e até naquele chiado ondulante… Que ausência de ordem é esta neste universo, que faz questão de mo impor, quando só lhe quero fugir? Quando, no fundo, só quero aninhar-me nos seus braços e fazê-lo meu. Sentei-me sem saber como não quebrar, hipnotizada na realidade que fugia. Foi nesse momento exacto, em que o seu nome surgiu tatuado no meu seat by the window, que baixei as defesas, abri mão da carapaça e voltei a casa, ao lugar que é só meu. Onde me encontro comigo, e com ele, que faz inevitavelmente parte de mim. Retornei a mim, ciente que estou por minha conta, mas liberta de medos e máscaras, liberta da negação do que foi e que continua a ser. Não foi fácil, não foi uma cedência. Foi antes o culminar duma árdua luta que não queria ganhar. Foi mais do que baixar os braços, foi aceitar uma verdade que queima o peito como ferros em brasa. Foi saber que o íngreme caminho que é o meu (que não escolhi e que não tenho poder para recusar) não tem atalhos e que terei de percorrê-lo descalça. Sob sol, chuva, neve e granizo e sem garantias de algum dia chegar ao cume da gigante montanha.

 

Tal como aquela tinta azul, de esferográfica que mais parece permanente, que não cede, não desgasta, assim em mim permanece a companhia que deixei de evitar, o sentimento que deixei de negar. Já não fujo ao seu encontro nem ao seu nome. Já não fujo à vontade de cuidar dele e protegê-lo, de encaixar-me no seu corpo doce, de rir-lhe músicas feitas de amor. Enquanto assim for, nada tenho a lamentar. Não recusando que esta verdade venha a mudar, mas também não silenciando a força que tem o seu pulsar.

Já chega de me queixar de tudo nos últimos tempos (não, não é só TPM deslocada). Queixo-me do calor lá dentro, do frio e da chuva lá fora, queixo-me do emprego que ainda não mudou e das ofertas de novos empregos, queixo-me se durmo demais ou se não consigo dormir, queixo-me de ter tanto que fazer e de não conseguir fazer nada, queixo-me se ele não liga e das conversas que tem quando liga, queixo-me de estar aqui e do mau jeito que dá sair agora…


Por favor, mandem-me calar! Já nem eu me posso ouvir! Eu não sou assim… Não sei o que me aconteceu, mas tenho saudades de mim e quero-me de volta!



- em que olhas para o espelho e não reconheces quem vês?


- em que recordas quando pensavas ter tudo e percebes que tudo na vida é efémero?


- em que chegas à conclusão que aquele dia em que te faltou o chão era inevitável e foi um dos mais libertadores de sempre?


- em que recordar aquele primeiro beijo no comboio te leva às lágrimas?


- em que davas quase tudo para voltar 3 meses para trás no tempo?


- em que sentes que a tua saúde mental já teve melhores, mas também piores, dias?


- que devia ter sido o mais feliz da tua vida e sentiste apenas solidão?


- em que tiveste incontroláveis ataques de riso?


- em que percebes que a tua dor é idêntica à dor que criticas?


- em que sabes que a vida não é aqui mas daqui não arredas pé?


- em que as boas notícias foram más e as más notícias foram boas?


- em que olhaste nos olhos dum amigo e a dor da saudade se antecipou?


- em que te apeteceu acender o rastilho antes de sacudir a pólvora das mãos?


- em que o frio que sentes vem de dentro para fora?


 




Eu chamo-lhe ‘qualquer dia desta semana’. Ou TPM deslocada.



 


Dramáticos e roxos, os pés não mexem. Enterrei-os fundo, sob vários centímetros de neve, que me tolhem a sensibilidade das barrigas das pernas. Os joelhos, engelhados, parecem os dum elefante morto, deixado ao abandono das suas perpétuas memórias. Os braços abertos, palmas das mãos viradas para fora como se dum crucificado se tratasse, presas por correias de angústia à pobreza nua duma cruz sem traves nem pregos nem madeira nem cor. Os cabelos, uma bandeira, sem pátria nem conquistas, apenas a dançar revoltos com a geada. Cobre-me desde os seios até meio das coxas uma velha e rota casca de sobreiro, cortiça mortiça, enrugada, carcaça duma vida outrora suculenta e audaz. Oca, lambida por húmidas putrefacções, oculta reflexos de si própria no vazio instalado. No rosto apenas traços muito grossos: dois cerrados no local onde deviam brilhar os olhos, mortos e abandonados faróis enferrujados de mares imensos, salgados e que escorrem para dentro; outro, mero agrafe do sorriso, para sempre toldado, impedido mesmo de dar espaço a cantos chorados, uivos de solidão.

Assim sou eu, hoje, sem vontade de avançar ou de recuar, sustendo-me do ar e da força que me mantém, firme, de pé, contra tudo e todos. Que posso achar-me vazia, oca, num absurdo desespero, sem apoio de nenhum dos pontos cardeais; Posso ter perdido a razão, a emoção, o abraço que me embalou ou o beijo que me amou; Mas não deixarei de Ser, sombra talvez do que fui, mas cá estou, de pé, como os bravos. A rendição é inequacionável. Hoje, sobreviver, com os sangues que ainda correm; Para nunca deixar de Ser e amanhã, talvez, Voar.