Virada para dentro, como sempre tinha sido a minha postura aqui, só o via a ele. E a mim, com ele, sem ele. Ele, na presença e na ausência. E decidi deixar de falar com ele por estas linhas, ou fingir, porque é sempre ele que me sabe ouvir e ler nas entrelinhas, mesmo se não o chamo à acção. Voltei-me para fora, para lhe virar as costas. Vou espreitando por cima do ombro, porque sei que ele lá está, que ainda lá está, que sempre estará. Onde estiver eu, estará a presença dele, e a ausência, maior e mais sentida. E assim vou-me virando para fora, voltando as costas também a mim, a uma parte incontornável de mim. E vou fingindo que não quero saber, vou fingindo que não me pesa, fingindo que não me afecta ele perguntar por mim. E se preciso for virar-me do avesso, eu viro. Se é a fugir que deixo longe a tristeza e um coração inerte, continuarei a fugir, para além do horizonte.
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É bom ter cúmplices, longe da banalidade das palavras e dos rituais cansados, ter quem nos conheça um pouco sem os estereótipos cara-nome-morada, ser quem se é só porque se pode, sem expectativas a corresponder, sem cobranças nem juízos. É muito bom saber que há quem nos compreenda, sem julgar, sem precisar questionar. Devia ser sempre assim.
A realidade devia continuar os sonhos, não castrá-los. É uma pena...
Mas enquanto sonhar for possível, aproveitemos para ir sorrindo os sorrisos que a vida vai roubando.
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Todos precisamos dum momento Calimero every now and then. Tentar ser e tentar parecer sempre invencível, inabalável, forte, solid as a rock, o pilar de tudo e todos, a postura sempre recta e sem fraquezas é uma merda.
As pessoas começam a esperar que nos aguentemos a tudo, que sejamos sempre os bombeiros de serviço nos cataclismos, ainda que sejamos os primeiros a levar com o tecto em cima. Se passamos a imagem de super-homens e super-mulheres, não devemos levar a mal quando os outros se sentem defraudados se só nos apetece ser o banal fraquinho e incapaz.
Porra, não tenho condições de ser super-mulher agora, ok? Não aqui, que é a minha casa, em que ando descalça. Não tenho sempre um sorriso nos lábios, não sou sempre optimista e de momento a atitude positiva está a hibernar. Também sinto, também me vou abaixo, também choro, mesmo que não deixe ninguém ver. Sofro e reservo-me o direito de sofrer aos berros, estou farta de morder a língua e puxar-me pelo cachaço até dar a volta por cima. Estou-me nas tintas para o facto de ser mais ou menos interessante aos olhos de alguém, não preciso nem quero agradar a ninguém, não ando à procura de nada, não quero conhecer pessoas porque não gosto de pessoas, as pessoas fazem-me mal e o que eu quero é esquecer metade das pessoas que já conheci.
Estou de mal com a vida sim, tenho motivos de sobra e estou no meu direito.
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Para que saibas, estou óptima. Mil vezes melhor do que quando estávamos juntos. Olha para mim, reconheces-me?! Olha para a minha pele fantástica, tão bem que me fica esta maquilhagem. Repara no brilho do meu cabelo, e no meu sorriso que nunca foi tão branco e direitinho. Nunca me viste sem aparelho. Os medicamentos estão a resultar e já quase não tenho dores. As drogas que me incharam também já acabaram, dentro de meses vou voltar ao peso com que me conheceste, vais ver. Vais ver-me passar à tua porta de sorriso em riste e vais ficar de queixo caído a pensar "Quem é aquele avião?", vais deixar o cigarro queimar-te os dedos de estupefacção.
Estou óptima. Passei o sábado inteirinho sem derramar uma lágrima, nem uma. Na minha casa está tudo nos seus lugares, como se nunca tivesses passado pela minha vida. A mala de viagem que me emprestaste para a mudança está na arrecadação, à espera que a venhas buscar. O perfume que me ofereceste está escondido e nunca mais o usei.
Estou fantástica. Aposto que de cada vez que bebes para esquecer acabas a chorar e a pensar em mim, nos erros todos que cometeste. Aposto que vais sempre, a vida toda, lembrar-te do que me disseste no último dia: que estás bem ciente de que nunca ninguém te vai amar como eu te amei, e que vais sempre, a vida toda, lembrar-te que nunca vais amar ninguém como me amaste a mim. Espero que te arrependas amargamente cada dia da tua vida do mal que me fizeste, como eu nunca me vou arrepender de nunca ter desistido de ti, de ter dado tudo e feito tudo pela promessa que tínhamos.
Mas não te preocupes, eu estou óptima. Não precisas de andar a verificar o obituário, não vou atirar-me de lado nenhum por não te ter. Não sou do género de fugir às dores, se me conhecesses saberias isso. Como é que pudeste acreditar que eu tinha mesmo encontrado outra pessoa passado um mês?! Um mês... Isso é o que tu fazes, é a tua forma de lidar com a minha ausência, procurar outro colo, que sabes que não vai resultar em mais nada, que sabes que nunca se vai comparar ao nosso amor. Não sou eu. Se me conhecesses, saberias. Se me conhecesses, ou não te terias apaixonado por mim ou nunca terias desistido sem antes tentar de tudo.
Sonhei outra vez contigo, naquela forma de assombração que consigo sentir e cheirar. Abraçaste-me e beijaste-me o pescoço enquanto pedias desculpa, mas eu sabia que era um sonho e só disse "vai-te embora". Apertavas-me com mais força e começaste a chorar, mas desta vez não foi suficiente. Nem sonhos, nem mentiras, por muito que queira acreditar, já não servem. Tornei-me cínica, desprezo o amor, desisti de tudo e a culpa é inteiramente tua. Mas eu estou óptima. Mil vezes melhor do que quando estávamos juntos. No sábado não chorei uma única vez, já te disse?