Não choro, que não quero Manchar de pranto Um sudário de força combativa.
Reteso a dor, e canto
A tua morte viva.
A tua morte morta
Pelo próprio terror em que ficaram
À sua frente
Aqueles que te mataram
Sem poderem matar o combatente.
O combatente eterno que ficaste,
Ressuscitado
Na voluntária crucificação.
Herói a conquistar o inconquistado,
Já sem armas na mão
Quem te abateu, perdeu a guerra santa
Da liberdade.
Fez brilhar na manhã do mundo inteiro
Um sol de redentora claridade:
O teu rosto de Cristo guerrilheiro.
Miguel Torga , 11/Out/1967 in «Diário VIII»
91 anos sobre o seu nascimento. Exemplo maior de revolucionário fiel aos seus ideais, abnegado, verdadeiramente internacionalista. Podia ter tido uma vida confortável, de burguês. Em vez disso, ajudou a mudar o mundo e foi assassinado aos 39 anos. Honra eterna. Hasta la victoria, siempre!
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Talvez o último primeiro beijo seja sempre o mais mágico e, na falta de repetições apetecidas, a memória lhe vá conferindo tons mais cristalinos. Chamei-lhe poema. Passam aviões, livros e discussões, e os olhos dele cravados em mim, ficando. Passam dias, semanas e meses, e os meus olhos cravados no espanto, escorrendo ternura na graça que já não escondo.
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Só poesia não basta, amor, que as palavras são vãs e ficam dobradas em envelopes rotos dentro de gavetas com cheiro a naftalina, ficam os bilhetes esquecidos nos casacos de Inverno, ficam os livros nas prateleiras, que cuidas com zelo mas deixaste de folhear. Não me ocorre maior poesia do que a que os nossos lábios trocaram no escuro, perdidos, sequiosos de encontrar o que lhes faltava. Voltasse atrás e ter-te-ia calado com beijos meigos logo que começaste a falar, teria pegado nas tuas mãos e não as largaria desde aquele momento. Os planos de fugirmos juntos, de mandar tudo ao ar, de só encostar a minha cabeça ao teu peito sabem a sangue na boca. Que amor triste, o nosso, que matámos antes de poder ser. Que amor frio, o nosso, poesias feitas lâminas de papel. Há um frio que me cresce que só no teu interior vazio e negro pode caber. Duas solidões pelos ares, onde pertencem, num paralelo irreal onde o teu corpo sobre o meu canta magias que ninguém pode ler.
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Velozes e gélido, Fantasmas Os traços negros arrombam A quietude das tardes frias Apaga-se o céu como cortina As aves estagnam, Os arbustos chiam. Os olhos dela gritam Exclamam em surdina Como uma cruz Incerta, trémula de susto Cala toda a luz Abafa um choro, um riso, Abismo com sapatinhos de lã
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Conheço pessoas assim, que não têm caixa de mudanças. São exactamente iguais a si próprias em cada momento, cada frase, cada pequeno detalhe, tal como nos momentos decisivos, marcantes, grandes. Estejam numa sala só comigo ou com mais duzentas pessoas. São a verdade, sempre. O que eu admiro e almejo isto não tem explicação. Fico de coração cativo, colado ao espanto. 💙
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[Poema de olhos azuis, começaste-me há um ano.]
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O sorriso que exibes Manchado Formatado de cordiais agrados Não esconde o rasto de sal Nos impolutos olhos inchados Tranca as portas, aumenta o som Põe agasalhos que calem a fome Não fales, não escrevas, não digas Não aceites nada de que possas gostar Deixa sangrar, deixa esquecer Recolhe ao negro sagrado Vazio que sabes ser o teu lugar Deixa escorrer, continua a cantar A solidão é camarada Fiel, rara qualidade Deixa sangrar, deixa morrer
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A rubrica "Ventania convida" tem estado espaçada no tempo, mas não ausente, e regressa com uma autora que já sigo há algum tempo, apesar de a ter descoberto um pouco por acaso e mais por proximidades virtuais políticas do que outra coisa - acasos que acolho com um sorriso de gratidão.
A Maria Jorgete Teixeira tem o coração e a margem do lado certo e isso trespassa fluidamente para a sua poesia resoluta e interventiva. Já tem dois livros publicados, pela editora Alfarroba: “O coração é puta sempre à espera” (2015), prosa poética e "“Mulher à beira de uma largada de pombos” (2017), contos inspirados em canções do Zeca Afonso.
Deixo-vos o poema que a Maria Jorgete escolheu para honrar este blogue, minúsculo à beira do seu talento, e a incumbência de irem visitar a sua página de Facebook, Margem Inquieta.
A menina que há em mim dorme ao relento
Perdida no vento
À espera da asa
do anjo que a rejeitou
À procura
De um desejo largado de uma estrela
De uma pérola de ternura
De uma voz embalada no cabelo
do odor do rosmaninho nas gavetas
A menina que há em mim
Ficou sentada no pial da infância
Onde começou a mágoa
enjeitada de si
Perdida no escuro
no canto dos beijos silenciados
amarrotados em lenços
onde se assoa a tristeza
a menina que há em mim
vive à espera
que lhe estenda
a minha própria mão.
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JOELHO
Ponho um beijo demorado no topo do teu joelho
Desço-te a perna arrastando a saliva pelo meio
Onde a língua segue o trilho até onde vai o beijo
Não há nada que disfarce de ti aquilo que vejo
Em torno um mar tão revolto no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados como se fosse de vento
Volto então ao teu joelho entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca faminta seguir o desejo nelas.
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Hoje visto-me de Rosa 🌹 Sem folhas nem folhos Nem filhos, só sonhos A liberdade é o meu perfume Que inunda os teus olhos Toque de seda, flor de jasmim Meu cravo ao peito E o teu, junto a mim Omoplatas nuas Vestidas de tinta Tulipa negra a tapar o céu Não me esqueço de ser lua Se a noite é de breu Mas hoje sou quase só Rosa 🌹 E o meu peito sem espinhos, teu
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Hoje é de um beijo que preciso
Sem discursos, sem porquês
Só um beijo com paixão
Só um abraço sem senso
Hoje só te quero a ti
Sem desculpas, hesitações
Só o teu colo, sem lições
Até a tua alma, que amo, dispenso
Hoje preciso de um beijo teu
Colado ao meu, o teu sorriso
A recolher verbos tolhidos
A florir de risos os sentidos
Hoje preciso de um momento
Sem tempo, em suspenso,
P'ra nos teus lábios naufragar,
Anoitecer, pernoitar.
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Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte, e, ânimo firme, sobranceiro e forte, tudo farei por ti para exaltar-te, serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te dominadora, em férvido transporte, direi que és bela e pura em toda parte, por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma, que não exista força humana alguma que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer. Há os que têm vocação para escravo, mas há os escravos que revoltam contra a escravidão. Não ficar de joelhos, que não é racional renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas. É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer. O homem deve ser livre… O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo, e pode mesmo existir até quando não se é livre. E no entanto ele é em si mesmo a expressão mais elevada do que houver de mais livre em todas as gamas do humano sentimento. É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer.
Com uma vénia e um abraço aos homens que não têm vergonha ou medo de chorar.
empresta-me os teus
olhos uma vez que os meus não são de gente, apenas rapaz. é só o tempo de me aperceber da visão que se turva para ser de mulher.
empresta-me uma chávena de sal e mostra-me a receita do caldo lacrimal. é só o tempo de te convencer que nem precipitado consigo chover.
não é um adágio que nos persegue, que um homem só não chora porque não consegue.
empresta-me esse efeminado luto; ser masculino é ter-se o lenço enxuto. é só o tempo de me maquilhar de pranto transparente (a cor de mulher).
não nasci pedra, nasci rapaz que um homem só não chora por não ser capaz.
os homens fazem fogo, com dois paus eles fazem fogo. por troca ensino-te a queimar.
tu és corrente e eu finjo mar que um homem, para que chore, não pode chorar.
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Lês as letras que debito E não te atreves a escutar O que as sílabas gritam Nas crípticas entrelinhas Devoras frases de um trago Talvez demores a mastigar O teu nome pendurado Em cada verbo exclamado Finges nem entender Que foste tu que semeaste A poesia a brotar
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No teu poema Existe um verso em branco e sem medida Um corpo que respira, um céu aberto Janela debruçada para a vida. No teu poema Existe a dor calada lá no fundo O passo da coragem em casa escura E aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite O riso e a voz refeita à luz do dia A festa da senhora da agonia E o cansaço do corpo que adormece em cama fria. Existe um rio A sina de quem nasce fraco ou forte O risco, a raiva, a luta de quem cai ou que resiste Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema Existe o grito e o eco da metralha A dor que sei de cor mas não recito E os sonos inquietos de quem falha. No teu poema Existe um cantochão alentejano A rua e o pregão de uma varina E um barco assoprado a todo o pano.
Existe a noite O canto em vozes juntas, vozes certas Canção de uma só letra e um só destino a embarcar O cais da nova nau das descobertas. Existe um rio A sina de quem nasce fraco, ou forte O risco, a raiva e a luta de quem cai ou que resiste Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema Existe a esperança acesa atrás do muro Existe tudo mais que ainda me escapa E um verso em branco à espera... do futuro.
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O azul em braçadas
Acolhe os vôos ovais
Prevaricadores
Habitantes das marés
Pensativas rotas altivas
Dos que permanecem
Insistem nos verões certos
De areia pelas mãos vazias
Do Sol a lamber a pele com força
Das fugazes paixões estivais
Recolhem as manhãs frias
Nos bolsos vestígios cansados
De conchas, fogueiras, cervejas
Ébrios beijos ao luar
Sombras de risos espaçados
Pendurados
No lugar da cacimba
A ocasional estrela-do-mar
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Não posso adiar o amor para outro século não posso ainda que o grito sufoque na garganta ainda que o ódio estale e crepite e arda sob as montanhas cinzentas e montanhas cinzentas
Não posso adiar este braço que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar ainda que a noite pese séculos sobre as costas e a aurora indecisa demore não posso adiar para outro século a minha vida nem o meu amor nem o meu grito de libertação