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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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(Crónica publicada no Repórter Sombra)

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A propósito de uma reflexão acerca das manifestações em França e na Bélgica dos “coletes amarelos” (gilets jaunes), despoletadas por uma crítica massiva ao aumento dos preços dos combustíveis e que fizeram o governo francês recuar na medida que havia proposto, poderia falar do poder da união e da mobilização, um dos temas que na vida particular trago sempre próximos e a postos para desembainhar. Poderia ainda apontar o dedo, em termos demasiado latos, vagos e generalistas, ao analfabetismo político que reina, elege e glorifica líderes, ao mesmo tempo que vai dando continuidade ao descalabro ambiental e social do planeta. Mas mais profundo e gravoso do que o desconhecimento histórico (que é um privilégio mais do que uma obrigação), ou que um pequeno ou nulo repertório de literatura política é o estado generalizado de acrisia, da ausência de pensamento crítico sobre o mundo que nos rodeia e que integramos. Portanto, em vez de optar pelo discurso fácil e permeável a demagogias, prefiro fazer o papel de advogada do Diabo e falar do lado obscuro da coesão consensual em torno de uma causa comum, com dois exemplos muito concretos e próximos da actualidade portuguesa e causas que me são particularmente caras.

A mobilização das massas faz-se facilmente com fórmulas populistas, pouco rebuscadas, de consumo rápido e sem exigências de palatos refinados ou técnicas de mastigação dos factos. Além das já célebres 'fake news' em que meio mundo embarca sem questionar fontes ou validar a veracidade das informações, a outra receita simples e de resultados quase infalíveis é a angariação de apoios em torno de uma causa comum, exacerbada e embandeirada na linha da frente de movimentos políticos, sejam partidarizados ou inorgânicos. Em qualquer dos casos, os aparentes “consensos inquestionáveis” podem ter agendas escondidas à partida, ou podem ser cooptados por grupos com intenções questionáveis.

Vejamos o exemplo das touradas. Recentemente, pouco antes da votação do Orçamento de Estado para 2019, vimos o tema da redução da taxa de IVA para espectáculos culturais (o que inclui espetáculos de canto, dança, música, teatro, cinema, circo e também "espectáculos tauromáquicos") ser deturpado e reduzido a uma bifurcação simplista (a tal “tinderização”) entre ser-se contra ou a favor das touradas. A ministra da cultura afirmou, e bem, que a questão das touradas é uma questão civilizacional. Daqui gerou-se uma onda de "apoio à ministra da cultura" nas redes sociais. Atentemos: não se tratou de uma onda de apoio à manutenção do valor máximo do IVA para "espectáculos tauromáquicos", não se tratou de uma exigência generalizada da diminuição da taxa de IVA para todos os espectáculos e bens de índole cultural, nem tão pouco se ousou exigir a abolição da tauromaquia; o movimento gerado foi de “apoio à ministra” do Partido Socialista. A mesma ministra que defende um orçamento paupérrimo (inferior a 1%) para a cultura. Este apoio é, no mínimo, estranho, porque a cultura é também, incontestavelmente, uma questão civilizacional.

Um povo inculto, árido de lazer e de conhecimento, é um povo embrutecido, mera engrenagem das máquinas de produção de riqueza para outrem. A cultura deve sim, ser acessível a todos, estimulada, disseminada e exultada! O problema das touradas não é a taxa de IVA que se aplica na venda de bilhetes para esse "espectáculo" bárbaro e asqueroso; o problema das touradas é existirem e serem consideradas espectáculo ou património cultural. O problema imediato e flagrante é, de facto, uma questão civilizacional e ética. O problema secundário das touradas é serem parcialmente subsidiadas pelo Estado, serem divulgadas em canais públicos de televisão, ou serem um sumidouro de fundos dos orçamentos do poder local. O sofrimento de animais numa arena para gáudio e diversão de mentes rudimentares e violentas é perfeitamente alheio à taxa de IVA que lhes é cobrada, até porque é uma classe economicamente privilegiada a que se predispõe a assistir a esses eventos de sangue e uma espécie de supremacia de fulanos de collants em cores berrantes e casacos de brilhantes sobre animais torturados. Nada menos do que a abolição de todos os eventos tauromáquicos é aceitável sob o ponto de vista civilizacional. E quem olha para este aspecto só poderia congratular os votos dos deputados que viabilizaram a redução do IVA nos espectáculos culturais, não estivesse distraído e esquecido de pensar um pouco antes de embarcar na capitalização governamental do seu oposto.

A "causa animal" é um filão excepcional para manipular as opiniões das massas e colher o seu apoio (moral e material). Neoliberais, sociais democratas, comunistas e apolíticos conseguem facilmente entrar em acordo na causa comum da defesa do bem-estar animal, contra os maus-tratos e o abandono de animais de estimação. Ainda bem que assim é, de facto, pois só criaturas desprovidas de empatia e humanidade podem conseguir direccionar a sua maldade para quem não se pode defender, sejam humanos ou outros animais.

O potencial mobilizador da causa é de tal ordem que o PAN, um pequeno partido político, relativamente recente, conseguiu ser catapultado para a representação parlamentar, feito que outros partidos mais antigos e com uma base eleitoral bastante sólida parecem longe de alcançar, como o PCTP-MRPP, o MPT, o PPM, etc. O partido de André Silva conseguiu eleger o próprio enquanto deputado precisamente embandeirando a “causa animal” como prioritária, esquivando-se a uma definição política mais concreta em relação às tradicionais questões fracturantes entre quadrantes políticos. O PAN define-se como “nem de esquerda nem de direita”, o que toda a gente com dois dedos de testa sabe significar uma posição à direita (se dúvidas houvesse, bastaria observar o sentido de voto de orçamentos e propostas de lei várias). Mas nem é isso que coloco em causa. O que me cumpre dizer e alertar é que qualquer suposta ‘neutralidade’ deve ser sempre questionada. Os eleitores do PAN são pessoas de esquerda, de direita ou apolíticos, cansados do sistema e da desgovernação do centrão, ou são habituais abstencionistas que (pensam que) fogem da política, e que gostam de animais. Ali encontraram a identificação com algo em que acreditam e isso bastou-lhes para associarem o partido à diferença por que anseiam e para lhes conquistar a confiança, apesar da própria noção de neutralidade política ser absurda.

Quem também já percebeu há muito o potencial do cavalo de Tróia da defesa dos animais (em particular, os domésticos) parecem ter sido grupos com ligações conhecidas a membros de grupos nacionalistas e neo-nazis. A mera suspeita destas ligações perigosas torna evidente até que ponto os defensores das causas estão dispostos a fechar os olhos a comportamentos duvidosos e incoerências como hipotéticas utilizações indevidas de fundos doados, por exemplo. Estes apoiantes acérrimos, quase fanáticos militantes (alguns não se inibem de fazer ameaças explícitas à integridade física de pessoas que apresentam indícios suspeitos ou opiniões que lhes são contrárias), podem efectivamente estar a defender grupos fascistas, nacionalistas, racistas e xenófobos. Mas isso não significa necessariamente que sejam fascistas, nacionalistas, racistas e xenófobos. São só uma massa popular que se deixa manusear e empodera os alegados benfeitores dos animais, ainda que isso possa implicar apoiar o populismo ou o fascismo.

A luta pela defesa e pelos direitos dos animais é muitíssimo válida e meritória, mas não nos podemos deixar iludir pela nobreza da causa quando esta é usada para escamotear agendas políticas potencialmente perigosas. Não pode valer tudo para fortalecer um único propósito. Não basta a bandeira da causa comum para justificar tudo o resto. O argumento do desinteresse pela actividade política não isenta o cariz político das acções individuais e colectivas. Um voto é um acto político, um donativo a uma associação é também um acto político, os apoios materiais e morais a algumas organizações e não a outras são acções políticas. E sim, a tomada de posições políticas requer análise crítica ou carrega consigo uma irresponsabilidade com consequências potencialmente devastadoras.

Encontrada que seja uma causa comum que sirva de mote, de preferência com forte carga emocional, de forma a possibilitar uma mobilização acrítica, capaz de reunir simpatia e apoios concretos, com poder de gerar choque mediático, basta agitar as massas com alguns slogans e aguardar para capitalizar este poder. Na eleição de Trump, o mote foi o nacionalismo concentrado na imigração e a construção de um muro na fronteira dos EUA com o México. A eleição vincadamente anti-petista de Bolsonaro fundamentou-se no ataque à corrupção (com um empurrãozinho de vitimização pessoal para justificar a absurda ausência de debate). E o mundo vai mudando, vai cedendo, vai-se tornando mais violento, inseguro e injusto.

Assim se faz política no século XXI. A informação é uma arma e está ao nosso alcance fazer uso dela. Que tal começar hoje?

Pouco há a dizer sobre o nacionalismo do "dia da raça", ou seja, a celebração do colonialismo racista e fascista:
1 - Alcindo Monteiro teria hoje 50 anos. Foi brutalmente assassinado num hediondo crime de ódio há 23, devido à cor da sua pele.
2 - Há 40 anos, era assassinado José Jorge Morais e Jorge Falcato ficava paraplégico, numa contra-manifestação anti-fascista, quando a polícia defendia os neo-nazis.
 
 
 
 
 
Safa-se, apenas e só, o Camões.

 

Amor é um Fogo que Arde sem se Ver

Amor é um fogo que arde sem se ver; 
É ferida que dói, e não se sente; 
É um contentamento descontente; 
É dor que desatina sem doer. 

É um não querer mais que bem querer; 
É um andar solitário entre a gente; 
É nunca contentar-se e contente; 
É um cuidar que ganha em se perder; 

É querer estar preso por vontade; 
É servir a quem vence, o vencedor; 
É ter com quem nos mata, lealdade. 

Mas como causar pode seu favor 
Nos corações humanos amizade, 
Se tão contrário a si é o mesmo Amor? 

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos" 

Assunto polémico e propenso a clivagens, por norma a opinião acerca de touradas não reconhece posições intermédias. Ética e humanamente, ou existe a constatação óbvia de que um "espectáculo" que se centra na tortura animal não pode ser outra coisa que não uma barbárie e a única coisa de espectacular que pode ter é a exibição de toda a ignorância, vaidade e falta de compaixão dos humanos que participam e colaboram nesta exibição abjecta pelos restantes seres vivos ou se faz activamente a apologia desta mesma ignorância - porque a passividade em situações de agressão só fortalece o agressor -, apoiando, assistindo ao vivo ou na televisão, lucrando com ela ou permitindo que continue a existir.

Os supostos argumentos que se filiam a favor da perpetuação desta prática são, todos eles, coxos e alheios a qualquer vestígio de validade científica ou cultural. É por isso mesmo interessante reflectir no aproveitamento político (ou ausência dele) do tema. Se à direita não espanta que os valores obtusos de que não se espera algum tipo de racionalidade se alinhem com o tradicionalismo, com os interesses económicos dos latifundiários, com a perpetuação do culto classista das elites e do acesso parcimonioso a certos eventos, à esquerda pedem-se responsabilidades sobre a colagem ao argumento da "tradição"*, que não tem outra finalidade que não a tentativa desesperada de manter eleitorado nas regiões em que a tourada tem forte implantação. O financiamento público desta "actividade cultural" é ultrajante e inaceitável e o assunto é fracturante o suficiente para determinar a perda ou o ganho de votos, quer em eleições legislativas quer autárquicas. A "esquerda" que tenta salvar o capitalismo não faz grande alarido porque sabe que os atentos recordarão a sua actuação no único município que geriram. A esquerda mais séria já não é levada a sério há bastante tempo quando o tema é a tourada. Atravancando os discursos até dos seus mais lúcidos representantes na defesa do indefensável, tentando segurar os cada vez mais escassos votos de barranquenhos e ribatejanos, ainda não percebeu que se neste tema vocalizar a razão e colocar a abolição das touradas nos seus programas (ou pelo menos, para não ter de se justificar uma clivagem tão brusca com a assumpção de um erro antigo, da abolição do financiamento público das touradas ou devoção de parte dos orçamento municipais para obras de conservação de praças de touros, que seria o mínimo aceitável), a fidelidade do seu eleitorado não só não abalará, como o balanço entre os votos que perdem e os que deixam de perder (como o desta que vos escreve) poderá ser positivo. [Esta é uma crítica antiga que faço ao PCP, uma das que motivou a minha demora na filiação, das que motivou o meu voto avesso ao partido muitas vezes e uma das que permaneceram o suficiente para engrossar os motivos de afastamento.] Claro que a abordagem tão claramente eleitoralista de uma esquerda que, se cumprisse com o seu papel, seria revolucionária, interventiva e resistente, independentemente dos assentos parlamentares, já é por si só motivo de desgaste e falta de confiança (não quero falar de vergonha para os ideais marxistas neste texto, mas a bem da clareza também não posso deixar de parte este apontamento). De referir ainda que, onde o PCP se encolhe e tenta passar pelos intervalos da chuva, os Verdes não se impõem como uma força política distinta que não são.

Não é preciso "pensar muito, muito, muito" para se sentir empatia com animais, mamíferos como nós, que sentem dor como nós, que são mutilados e espancados entes de entrarem numa arena para, ao som da ignorância e crueldade dos bichos cientes que deveríamos ser nós, serem espetados com ferros aguçados no lombo, desorientados, sangrados, quebrados, atacados. Contudo, não me peçam empatia para com os toureiros e forcados que ficam feridos, que ela não existe. Pelo contrário, assumo a vertente violenta presente em mim e confesso que sinto, sempre que ocorrem feridos na arena, uma pequena satisfação nessa espécie de vingança simbólica de todos os touros trucidados às mãos daqueles bandalhos. É que estes foram de livre vontade para a arena, foram fazer parte do que apelidam de espectáculo, foram representar o papel para que são pagos, de heróis cobertos de brilhantes e lantejoulas a afrontar pobres animais derrotados e indefesos. Onde os olhos de extrema direita de Assunção Cristas vêem "bailado", pessoas com um pouco mais de profundidade de raciocínio lógico (não falo sequer dos mínimos olímpicos para se ser humano) veêm desperdiçada uma excelente oportunidade política e humana de deixar o silêncio não envergonhar a espécie.

À esquerda parlamentar que defende as touradas como forma de expressão cultural e de identidade 'nacional' (termo que por si só me causa alguma urticária, como deveria causar a todos os comunistas) tenho a relembrar que outrora (ou em outros lugares) também eram ou são tradições aparentemente apreciadas por algumas fracções do povo os autos de fé, a queima de bruxas na fogueira, a queima de gatos na fogueira, o enforcamento de 'criminosos', as lutas de gladiadores, de cães e de galos, o apedrejamento de mulheres suspeitas de adultério, ou o lançamento de anões. Que hipocrisia, não?

Para não te desfalcar o imaginário poético, nunca te disse que no "Porto Sentido", quando ouves "esse teu jeito de chapa" o Rui Veloso na verdade canta "esse teu jeito fechado".

Nunca te disse que o que mais magoou foi ter tido razão em tudo quando (alegadamente) te magoei, saber disso e ainda assim pedir desculpas, repetidamente. 

Que comprei um livro do FMR que te faria sorrir, talvez.

O que queria de prenda de aniversário.

Que te adoro - porque também te odeio.

Que podia amar-te, se o merecesses.

Que consegues ser patético com tanta insegurança mascarada de super-ego.

Que vais sentir muito mais a minha falta do que eu a tua.

Que sou tão mais forte do que me julgas.

Que foram todas, todas, as vezes. 

 

Escrevi uma vez, ironizando, que “as mulheres são todas putas, e o pior que os homens podem ser é filhos da puta”. Contudo, pondo a ironia de parte, é uma frase que reflecte bem a dualidade de critérios em vigor na sociedade portuguesa (e obviamente não só, mas fiquemos por aqui, para já). Quem diz dualidade de critérios diz também diferenças sociais, diferenças no salário, no acesso a oportunidades de trabalho e de liderança, na carga de responsabilidades sociais e domésticas e até no compasso moral da sociedade. Já alguma coisa mudou nas últimas décadas, mas muito mais falta mudar. As mulheres têm de parar de vir em segundo lugar. E têm de parar de ter medo de serem feministas como se isso fosse uma coisa má. Tem de haver responsabilização e a paridade tem de estar na agenda de todos os partidos políticos democráticos. Os tabus e os preconceitos têm de ser derrubados, a bem ou a mal. O Estado tem de ser o primeiro a dar o exemplo, mas como se vê, não é o que acontece.

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A imagem acima é retirada de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Pode parecer uma piada, ou algo do tempo do Estado Novo, mas é tristemente real e actual.

Uma mulher, perseguida e agredida pelo seu ex-amante e pelo seu ex-marido, viu a sentença dos dois ser resumida a multas e pena suspensa, com as seguintes patéticas “justificações”:

“O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte."

Ficamos, portanto, a saber que:

  • a honra e a dignidade do homem são mais valiosas do que a honra e a dignidade (e a integridade física) da mulher;
  • o adultério é um crime mais grave do que perseguição, rapto, ameaças e agressões violentas (só que não está escrito na Lei);
  • foi a "deslealdade e imoralidade sexual" da vítima, e o facto da sociedade condenar fortemente o adultério da mulher que levam à compreensão da violência exercida pelo "homem traído, vexado e humilhado pela mulher";
  • os crimes passionais, quando cometidos por homens contra as mulheres, ainda têm uma margem de tolerância extra;
  • que ter sido perseguida, ameaçada e levado com uma moca com pregos não foi assim tão mau, porque noutro sítio podia ter sido apedrejada até à morte;
  • a Bíblia é uma fonte de jurisprudência;
  • há juízes bem conservados, que saíram do século XV e ainda estão em exercício de funções.

É inaceitável que o poder judicial perpetue as injustiças e violência contra as mulheres. Este juíz do Tribunal da Relação do Porto conseguiu não só colocar a culpa do lado da vítima, ou encontrar num caso extraconjugal a justificação para atenuar a pena criminal de dois agressores, como ainda colocou muita gente a beliscar-se para ter a certeza de que acordou em 2017. Além da urticária e asco profundo, isto causa-me uma série de dúvidas que gostaria mesmo de ver respondidas.

Com que direito se arrastam textos religiosos para ilustrar ou justificar um acórdão da justiça num estado supostamente laico? Como é que um juiz pode exibir, sem pingo de vergonha na cara, o seu fétido machismo e trazê-lo para a justiça, afectando directamente a vida de outras pessoas?

Pergunta ainda mais premente: quando é que este anormal vai ser demitido?

 

Texto integral do acórdão.

Falando de "um cidadão na rua, de corpo presente e voz activa" que mencionava ontem, foram convocadas várias manifestações em Portugal, nomeadamente uma "manifestação silenciosa", conceito em que não consigo rever-me.

De que serve uma manifestação silenciosa? Que propósito almeja alcançar? Além da sugestão de utilização de velas na manifestação agendada para o próximo dia 21 ser, no limite, de gosto duvidoso (chamas, incêndios...)... Quem se manifesta calado não tem nada a dizer?

Vou assistindo nas redes sociais a discussões perfeitamente estapafúrdias entre pessoas que considero inteligentes e íntegras, altamente politizadas e maduras, em que todo um tema tão fracturante, complexo, diluído em mil causas e consequências, parece ser simplificado ao ponto de se estar contra ou a favor do Governo. Esquerda ou direita? Quem não está contra está a favor?! Como é possível ser tão "clubista" que o raciocínio e espírito crítico sejam completamente cilindrados para dar lugar a uma posição extremada sem sustentação coerente?

Triste democracia esta, em que o eleitorado "pró-governo" se abstém de sair à rua em protesto ou revolta pelas 105 vítimas mortais dos incêndios em 2017, suas causas e exigência de soluções, para proteger uma solução governativa já de si bastante dúbia, para usar um eufemismo.

Triste democracia esta, em que a fatalidade das 105 vidas perdidas e tantas outras destroçadas são o impulso do vil aproveitamento político da base da oposição ao governo, como se os governos anteriores tivessem um pingo menos de culpabilidade pelas políticas ambientais e económicas desastrosas que levaram a cabo.

Triste sociedade civil que fica sem palavras de ordem para se manifestar, se confunde e digladia com pormenores tão pouco produtivos e simplistas como demitir ou não uma ministra.

Triste sociedade acrítica que consegue reduzir à bipolaridade um tema tão complexo e intricado, que arrasta tantos e tão profundos interesses, tantos e tão devastadores prejuízos..

A ingerência contínua do solo, da floresta, do ordenamento do território, dos meios de combate e de quantas mais causas houver para a devastação a que assistimos com os incêndios de 2017 não são temas bipolares!

Manifestemo-nos sim, todos (!), pelas nossas ideias e ideais, esteja quem estiver no governo ou na sua viabilização. Exijamos soluções e responsabilidades políticas a todos os que a têm (que por acaso são sempre os mesmos, rosas ou laranjas ou azuis, é difícil destrinçar) e a nós próprios, que temos os governos que fomos elegendo. Com voz ao rubro e corpo presente, sempre que os funcionários públicos eleitos permitam que o valor do lucro e do capital se sobreponha ao valor de vidas humanas. Porque é disso que tratamos. Se quiserem simplificar a culpa, apontemos então o dedo ao capitalismo! E já agora, aprendamos a ser parte activa da política, enquanto eleitores, enquanto cidadãos, enquanto mandantes dos nossos representantes!

Há menos de quatro meses escrevi este texto, imediatamente após a trágica (e evitável) noite dos incêndios em Pedrógão Grande que vitimaram 64 pessoas.

Lamentavelmente, hoje e após mais 36 vidas perdidas poderia escrever as mesmas palavras, não fossem as agravantes que são agora ainda mais visíveis e impossíveis de ignorar.

O secretário de Estado da Admninistração Interna, Jorge Gomes, diz que as populações têm de ser proactivas e não depender dos bombeiros e aviões para se protegerem. Houve, na noite de dia 15, populações isoladas sem conseguirem contactar o 112, o 117 ou os bombeiros locais. Houve pessoas (PESSOAS, não eucaliptos ou pinheiros) que morreram a tentar, proactivamente, proteger vidas, casas e bens. 80% do Pinhal de Leiria ardeu. 523 ignições num só dia.

A Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, não se demite e o Primeiro-Ministro António Costa reforça que estamos em tempo de soluções e não de demissões.

É certo que a mera demissão de governantes é manifestamente insuficiente para resolver o que quer que seja. Seria, contudo, o mínimo expectável como acto de decência perante mais uma calamidade. Como acto de humildade, de reconhecimento da incapacidade de ter feito melhor para evitar nova tragédia idêntica à de Pedrógão Grande em menos de quatro meses. As vítimas não serão ressuscitadas com demissões, mas merecem pelo menos esse respeito. Decretar dias de luto e estado de calamidade não chega. O aproveitamento político das tragédias é imoral em todos os casos, mas é igualmente inadmissível que se tratem estas situações dramáticas e completamente atípicas apenas como infelicidades inevitáveis e impossíveis de prever, fruto de condições climáticas da responsabilidade exclusiva da "mãe natureza". Mais do que (mas também) demissões, fazem falta explicações, responsabilização, planos de acção imediatos e planos de prevenção a curto e médio prazo, comunicação imparcial e transparente. 

A reacção da sociedade civil, que raramente vai além das conversas de café e das partilhas de fotografias e frases feitas nas redes sociais, também está muito longe de chegar ou sequer fazer alguma diferença. Na Galiza morreram 4 pessoas e foram paradas universidades e convocadas manifestações em várias cidades. Há toda uma poética diferença entre ver 40.000 likes ou 40.000 pessoas nas ruas a exigir respostas e responsabilidades. Um like não é um voto ou um cidadão, é um mero clique. Um cidadão na rua, de corpo presente e voz activa, não deixa dúvidas de que é também um voto e de que é também uma pessoa, a exigir contas pelos seus e capaz de fazer frente ao poder instituído.

E nós, Portugal? Até quando vamos continuar a ser indignados nas redes sociais e abstencionistas nas urnas?

 

Portugal e, em particular, o Porto e Lisboa, parecem ter sido descobertos nos últimos anos como “O” novo melhor destino de férias citadinas. E o título é seguramente merecido, em qualquer dos casos. São cidades lindíssimas, o custo de vida é baixo quando comparado com outras cidades europeias, há Sol e calor com fartura, a gastronomia é estupenda, os vinhos são ainda melhores. Ele é prémios de melhor destino, são sucessivos destaques em publicações internacionais (especializadas e não especializadas), um sururu global ao que vêm ajudar os preços acessíveis e apetecíveis das companhias aéreas low cost.

Como viajante adicta (não é sinónimo de turista, mas já lá vamos) e pelintra, não posso criticar os estrangeiros que têm vontade de conhecer um pouco de Portugal e aproveitam as condições favoráveis para o fazer. Pelo contrário, acho que fazem lindamente. E acho lindamente que o país invista no turismo e retire dividendos do melhor que temos para vender (clima, paisagem, gastronomia e cultura), e que foi subaproveitado durante muito tempo (marcas da ditadura e da psique de “coitadinhos” com sentimentos de inferioridade). Mas, obviamente, tudo tem a sua conta e medida, e neste momento penso que o limite do razoável já foi, em muito, excedido. Falo sobretudo do que conheço no dia-a-dia, que é Lisboa, mas calculo que no Porto se passe o mesmo ou pior.

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Há uns anos passear na Baixa lisboeta era francamente triste. As ruas vazias, silenciosas, ocas; as lojas outrora cheias de movimento e vida estavam quase todas fechadas, falidas, ou deixadas ao abandono. Passar na Rua Augusta vazia, triste, era uma sombra amarga e melancólica do que Lisboa tinha sido nos anos ‘80 e início dos ‘90. Lembro-me bem do ambiente da Baixa nessa altura, meio hippie e intelectualóide, cheio de lojas da moda e alternativas, cheia de artesãos, caricaturistas e alfarrabistas nas arcadas da Praça do Comércio, que faziam as minhas delícias. (Dizia eu que, se o curso dos meus sonhos corresse mal e não encontrasse trabalho ia fazer pinturas e desenhos para a Rua Augusta para ganhar a vida.)

Hoje em dia, o ambiente é bastante diferente. A língua mais ouvida não é o português (mas ouve-se muito francês, inglês, italiano, alemão, espanhol, chinês...), a Baixa e quase toda a cidade e arredores fervilham de energia, de agitação, há lojas com nomes estrangeiros por todo o lado, há restaurantes da moda, com conceitos alternativos e preços “salgados”, há hotéis e hostels a nascer em tudo quanto é sítio. Há tuc-tucs em azáfama contínua a largar e apanhar grupos de turistas, há músicos de rua, estátuas humanas, filas imensas para subir ao Elevador de Santa Justa, os eléctricos passam apinhados, os comboios para Sintra apinhados vão, logo às oito e picos da manhã, os comboios (e as bilheteiras) para as praias da linha de Cascais não dão vazão aos magotes de “beach droids” altos, loiros e com pele vermelha que fazem fila pelo Cais do Sodré fora.

E os lisboetas? Esses deixaram de ter casas para arrendar (porque os proprietários descobriram que o arrendamento de curta duração aos turistas rende bastante mais), deixaram de ter poder de compra para os preços exorbitantes do m2, deixaram de ter lugar nos transportes públicos disponíveis (a qualidade dos transportes públicos lisboetas, que nunca foi boa, tem conseguido piorar significativamente). Portanto, lisboetas em Lisboa são cada vez mais raros, já que a um trabalhador comum se torna impossível comportar a despesa de uma renda ou prestação de hipoteca no centro da cidade. Estes trabalhadores vêem-se assim, cada vez mais, “empurrados” para os subúrbios, ou para quartos em vez de apartamentos, ou para T0 e T1 em vez de T2 e T3, de acordo com o rendimento ou, em termos politicamente inertes, "classe sócio-económica". A gentrificação é bem real, é mais uma manifestação de que o sistema burguês sacrifica tudo, incluindo a própria identidade, a favor do capital, e está a assumir proporções incomportáveis. 

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O que se prevê que suceda num futuro próximo (sem ser necessária bola de cristal) é óbvio: a oferta irá, eventualmente, começar a superar largamente a procura, os hotéis, restaurantes e lojas vão começar a insolver e fechar portas, os preços irão novamente cair, e se nada mudar entretanto, o ciclo repetir-se-á. Com o novo aeroporto na Margem Certa, o mesmo fenómeno tenderá a alastrar, mas a um ritmo mais brando, também aos subúrbios.

É, obviamente, necessário regular as actividades económicas directamente relacionadas com o turismo de massas. Caso essa regulação não suceda, é muito provável termos um cenário de protestos idêntico (na versão soft, que já se sabe que os portugueses são um povo de “brandos costumes” - infelizmente, digo eu) ao que se vive já em outras cidades hiper-saturadas de turismo, como Barcelona ou Veneza.

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O turismo de massas é um verdadeiro factor dissuasor para o verdadeiro viajante, garanto eu, apesar de serem as massas a trazer consigo a promessa do lucro fácil. O viajante quer realmente conhecer o sítio e o povo que visita, quer misturar-se com os locais, quer comer o que comem os locais, andar de transportes públicos, sem grandes planos, à aventura. O turista (o tal das massa$) usa o táxi para ir do aeroporto ao hotel porque vem carregado com 2 trolleys para os 4 dias de férias, quer ir aos monumentos todos, bater uma selfie e passar ao próximo, para poder correr toda a lista de pontos de interesse que os guias lhe apresentam. Quer comer hambúrgueres ou o que seja para ele “normal” sem se aventurar em sabores muito exóticos. O viajante prefere alojamentos locais, o turista usa hotéis de quatro estrelas. O turista não se importa nada de pagar 4€ por uma imperial ou 30€ por meia hora de cruzeiro no Tejo, porque até está de férias e não lhe faz grande diferença. O viajante paga 1€ pela imperial, porque é o preço nas tascas sem pretensiosismos e apanha o barco para Cacilhas (1,25€ por trajecto) para explorar o Ginjal.

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Em suma, o turista papa o que lhe puserem à frente, não questiona muito e sai sem perceber muito bem se esteve em Espanha, Portugal ou lá como se chama o sítio que tem paellas e tapas por todo o lado. Já o viajante, quando percebe que o tal sítio se transformou numa espécie de Disneylândia feita de cenários de cartão (“para inglês ver”) e filas para as “atracções”, sem vislumbre da autenticidade que tornava o sítio especial e sem habitantes, só turistas… Foge para outras paragens.

Uma reflexão colectiva impõe-se, e em boa hora (eleições autárquicas a 1 de Outubro, caso não tenham reparado). O que é que queremos? O que é mais importante para o país, que os seus habitantes e trabalhadores tenham condições para cá viverem e trabalharem, ou transformar os locais icónicos em grandes negócios de hotelaria, com muitas camas e poucas casas? Vamos permitir que nos expulsem progressivamente de nossas casas?

A Maria Vieira e suas opiniões inusitadas e não menos inflamadas faz-me lembrar certos bloggers. Creio que o problema que os move é o mesmo e um único: carência. Há pessoas que precisam de atenção como de água, têm de ser faladas, notadas, ou no caso de bloggers, visitadas.

Se o seu trabalho não é notório e os conteúdos não têm um interesse avassalador para as massas, então a receita certa é simples: disparatar. Dizer coisas incendiárias, que polarizem opiniões, para logo se gerar celeuma em torno do tema. Os temas, normalmente, são tão fracturantes e absolutamente fulcrais para o planeta como as opiniões pessoais em relação a… sei lá... como exemplos avulso: a amamentação, dietas, alianças políticas, o busto ou os gémeos do Ronaldo. Ou seja, nada que interesse.

Em suma: o discurso do ódio rende. Move apoiantes e opositores prontos a digladiarem-se em praça pública (que é como quem diz, na internet), e entretanto o autor do disparate (ou opinião pessoal) colhe os seus dividendos: protagonismo, visitas, popularidade.

A Maria Vieira (ou lá quem actualiza o seu Facebook) prima por disparar em todas as direcções. O meu remédio para estas febres é, normalmente, aquilo que mais enerva quem busca protagonismo: ignoro em absoluto. Não partilho links, não entro em discussões com trolls cibernéticos (já me bastam os trolls que sou obrigada a aturar ao vivo). É a melhor forma de antagonizar o disparate.

Quanto ao aquecimento global, por ser efectivamente um tema por demais prioritário e que, creiam ou não os trolls, interessa a cada um de nós, deixo este *,.gif que não podia ser mais claro.

Isto é o que acontece quando se acredita na música, na poesia, na arte.
Isto é o que acontece quando se põe de parte o complexo de inferioridade que nos leva a imitar os demais, com a mesma fórmula já batida e enorme disparidade de meios.
Isto é o que acontece quando se tem orgulho no que se é, sem tentar ser outra coisa qualquer. É também o que acontece quando se vai a um festival de canções com uma canção, não com apenas uma imagem, ou com apenas uma exibição vocal, ou apenas efeitos especiais ou apenas uma boa voz com uma canção colada com cuspo.


E isto é também o que acontece quando se assume um discurso real, coerente, genuíno, sem embaraço ou pudor de dizer o que deve ser dito.
Isto é apenas o que temos de melhor.


"Music is not fireworks, music is feeling!"


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Todo ele coração. Todo ele música.


Um animal musical.


Extraordinário. Fora de série!


Salvador Sobral é um portento. É muito mais que a lindíssima "Amar pelos Dois" que venceu o Festival Eurovisão da Canção 2017. Escutem aquela que é a minha canção favorita do primeiro álbum do Salvador, Excuse Me - Change.



 


Obrigada, Salvadorzinho. Além de se ter agravado a vontade que tenho de te dar beijinhos e fazer festinhas, tenho agora dois novos sonhos na vida:


1 - Ouvir-te no palco 1º de Maio, ou mesmo no palco 25 de Abril, na Festa do Avante.


2 - Ouvir-te em dueto com o Jorge Palma.


Seria a felicidade suprema, o êxtase total.


Ah, e ainda me fizeste ganhar uma aposta, um almoço num sítio muito catita - se quiseres podes vir também, não sou eu que pago!

É verdade. Continuo a odiar a Fertagus. Às normais horas de ponta a coisa já é difícil, irritante, incómoda, cheia de gente, muito cheia de gente, com pouco espaço, cara. Mas pensava (pensava mesmo, sou tão ingénua!) que antes e depois a coisa marchava com mais facilidade. Mas consegue ser pior.

 

Chegar à estação antes das 7, com alguma pressa. Não ter bilhete. A bilheteira está fechada. Vou às máquinas, no outro extremo da estação. Mete cartão, escolhe bilhete, escolhe trajecto, escolhe quantidade, escolhe com NIF, o teclado está perro, repete o NIF. Paga. Não tenho moedas, não faz mal, a máquina aceita notas de 5, 10 e 20. Tenho uma nota de 20. Afinal a máquina não gosta das notas de 20, só tem troco se for nota de 10. Não tenho mais nenhuma nota, experimento a máquina do lado. Mete cartão, escolhe bilhete, escolhe trajecto, escolhe quantidade, escolhe com NIF, o teclado está perro, repete o NIF. Paga. A máquina também não gosta da nota de 20. A pessoa atrás de mim na fila confirma que as máquinas nunca deram para as notas de 20, não se percebe porque é que têm indicação das notas de 20 como aceites... Volta para trás, vai ao Multibanco, espera na fila, procura cartão, continua a esperar. Mete cartão, mete pin, escolhe operação, escolhe levantamento, escolhe valor: 10€. Volta para trás, mete cartão na máquina da Fertagus, escolhe bilhete, escolhe trajecto, escolhe quantidade, escolhe com NIF, o teclado está perro, repete o NIF. Paga com os 10 euros, sai o jackpot, moedas por todo o lado, agarra o talão, agarra as moedas, agarra o cartão. Comboio quase a chegar. Cartão dá erro de leitura. Outra vez. Parece que a culpa é da bagagem que está em frente ao sensor. Passa finalmente. Desce as escadas, o comboio chegou, já vem cheio, porra. Entra no comboio, encontra um lugar, tira a mochila, mete mala ao colo, mochila de lado. Encolhe joelhos para outra pessoa passar. Joelhos da frente a roçar nos meus joelhos. Pessoas por todo o lado, nos corredores, nos degraus. Entram mais e mais pessoas na estação seguinte e a minha mente divaga sobre a dinâmica de fluidos e a arrumação de passageiros nas carruagens. Chego ao destino. O intervalo entre o comboio e a plataforma é enorme, não sei como não há gente a esbardalhar-se ali a toda a hora. Escadas rolantes paradas. Odeio a Fertagus!

No planeta em que eu vivo, milhões de mulheres (cerca de seis mil por dia!) são mutiladas enquanto adolescentes, cortam-lhes o clitóris, com uma faca, ou uma navalha, ou um pedaço de vidro, em nome da tradição, que em pelo menos 28 países pode ser sinónimo de castigo pelo azar de se nascer fêmea.

 

No planeta em que eu vivo, há raparigas que são ameaçadas, intimidadas e impedidas pela força, com tiros, se querem ir à escola, porque a educação é um direito que lhes é vedado.

 

No planeta em que eu vivo, são as mulheres que andam dezenas de quilómetros todos os dias para trazerem água e lenha para as suas aldeias (em África, 90% deste esforço é feito por mulheres, e a tarefa pode demorar até 8 horas diárias).

 

 

No planeta em que eu vivo, há crianças, meninas, que são vendidas aos seus futuros maridos por tostões, enquanto o horripilante mercado de tráfico humano movimenta pelo menos 800.000 mulheres e crianças por fronteiras internacionais para servirem enquanto escravas sexuais.

 

Neste planeta, o poder está, maioritariamente, nas mãos dos homens, tal como o acesso ao trabalho, à riqueza, aos direitos, à saúde, à educação. Em Portugal, para não variar, a situação é bem pior do que a média europeia.

 

No planeta em que eu vivo, é tristemente comum, no século XXI, milhares de mulheres nos ditos países desenvolvidos morrerem devido a maus tratos às mãos dos seus maridos e companheiros. Só em Portugal, em 2015, foram trinta e cinco, deixando órfãs quarenta e seis crianças. Neste mesmo planeta, muitas mulheres têm medo, têm vergonha, de fazer queixa e de pedir ajuda em casos de violência doméstica e de violação. O que se torna, em certa medida, compreensível, dados os casos de impunidade descarada, como aquele em que o violador de uma mulher grávida, sua paciente, sai impune porque não ficou provado que tivesse usado "demasiada violência"...

 

Pois, neste planeta onde eu tenho de viver, as violações são assunto corriqueiro e impune em algumas partes do mundo; perdão, em todo o mundo.

 

 

 

Eu vivo num planeta onde os empregadores, nomeadamente os meus, acham que no dia da mulher fica bem oferecer uma flor a cada funcionária, mas onde as condições de trabalho são distintas, tal como os salários e o acesso a certos cargos, para pessoas de um e de outro género. Na Europa, os salários médios das mulheres são 16% mais baixos do que os dos homens, e a diferença foi agravada com a crise económica. Aparentemente, vamos precisar de, pelo menos, mais 118 anos para as desigualdades económicas entre géneros se dissiparem. Legal ou ilegalmente, muitas mulheres perdem o emprego ou oportunidades na carreira pelo simples facto de engravidarem.

 

 

 

 



Infelizmente, este é o meu planeta. Por isso, às pessoas que dizem que o Dia da Mulher é uma tolice, que não faz sentido, que é um dia feito para as floristas venderem rosas e que "não há igualdade porque não há dia do homem", eu pergunto em que planeta vivem. É que gostava muito, mesmo muito, de viver num planeta em que não fizesse falta haver um dia da mulher.

Portugal tem um dos novos hotspots da Europa, e muito graças às companhias aéreas lowcost, que tornaram o que era, há uns anos, uma viagem de meia semana por 500€ ou mais, numa escapadinha acessível a quase todas as bolsas. Viagens de ida e volta por 50€ ou menos (ou mais, tudo depende das datas e da antecedência com que se faz a reserva) é um factor essencial que faz todos os portugueses (ou próximo disso) conhecerem ou revisitarem aquele que é, provavelmente, o arquipélago mais belo do mundo.


Como só posso falar do que conheço, e só conheço São Miguel (por enquanto), cá ficam as minhas dicas para quem ainda não conhece, e para os que hão-de regressar.


 


Como ir:
- Easy jet
- Ryanair
- SATA
- TAP

Como visitar:
Carro alugado (essencial para chegar a todo o lado e não perder pitada do tanto que esta ilha tem para oferecer)
- A pé pelo centro
- Trilhos nas serras



O que visitar:
Lagoa das sete cidades


Lagoa do Fogo


- Lagoa das Furnas


- Ponta Delgada, centro e não só (ver mais aqui)


- Mercado da Graça, Ponta Delgada


Teatro Micaelense


Furnas


Poça da D. Beija (3€, todos os dias das 07:00 às 23:00 - saída das piscinas às 22h45)


Ermida de Nossa Senhora da Paz


- Vila Franca do Campo


- Povoação


Fábrica de Chá Gorreana (visita gratuita, com oferta de um chá no final)


Mosteiros


Parque Terra Nostra (5€)


- Lagoa


- Santana


- Rabo de Peixe e as obras de Vhils em homenagem aos seus habitantes


- Ribeira Grande


Nordeste


Estufas de ananases

O que fazer:


- Observação de cetáceos: várias companhias actuam nesta área, com embarcações que saem de Ponta Delgada. A actividade está sempre dependente das condições meteorológicas, por isso convém informar-se antecipadamente sobre os dias de saída e conjugar com os seus planos. Não é uma actividade barata, mas é inesquecível.


- Trilhos na serra


- Ir à praia (eu não sou fã de praia, mas recomendo a Praia do Pópulo, bandeira azul)


 


Onde comer:
Associação Agrícola de São Miguel, Santana (o queijo com pimenta da terra ou doce de ananás para entrada e depois, a extraordinária carne dos Açores)


Cais 20, Ponta Delgada (o pão de alho, os cubos de tamboril, peixe, petiscos, as gambas, as lapas... o restaurante também fornece transporte grátis de e para os hotéis, e tem um bar)


- Mariserra, Ponta Delgada


- Borda d'água, Lagoa (lapas, peixe assado fresquíssimo e o cheirinho a maresia à porta)


- O Jaime, Vila Franca do Campo (matança com todos, peixe assado)


Gáscidla, Mosteiros (polvo, bacalhau, lapas, e a única opção em Mosteiros)



Onde ficar:


Hotel do Colégio: no centro de Ponta Delgada, pequeno e perfeito para quem quer explorar a cidade a pé, com um serviço de qualidade.


Quinta de Santana, do outro lado da estrada em relação à Associação Agrícola, económico, tem apartamentos bem equipados (alguns mais modernos e alguns mais tradicionais), de 2 pisos, com jardins muito bem cuidados, uma piscina simpática, muitos gatos!, a opção ideal para quem prefere self-catering de algumas refeições (nomeadamente o pequeno-almoço, que não está incluído na tarifa normal).


Hotel Vip Executive: longe do centro, mas tem a vantagem de, se estiver com um carro alugado, ter estacionamento. É um hotel grande, talvez grande demais, normal para o standard das 4 estrelas, com um bom pequeno-almoço.


 


Compras:


- Queijo da Ilha (no Rei dos Queijos, à entrada do mercado da Graça, ou supermercados - essencialmente aos mesmos preços que encontra no continente)


- Queijadas de Vila Franca (na fábrica, em Vila Franca do Campo, ou nos supermercados)


Queijadas da Graciosa


Bolo lêvedo (receita no link)


- Doce de Ananás (nos supermercados Sol Mar, entre outros), perfeito para conjugar com queijo fresco ou queijo da ilha


Licor de Maracujá do Ezequiel ou Mulher de Capote (nos supermercados ou, se viajar sem bagagem de porão, no aeroporto, em que os preços não são muito diferentes do resto da ilha)


- Chá Gorreana (na fábrica ou nos supermercados, na variedade que preferir)


 







 Boas viagens!

O grande chefão lá do sítio que me paga o ordenado acha (e di-lo publicamente, com todas as letras e zero pudores) que a percentagem elevada (elevadíssima, mesmo, a roçar os 3 dígitos percentuais) de pessoas que vai trabalhar quando está doente é um sinal positivo. E também acha que isto é apenas uma manifestação da dedicação dos trabalhadores à empresa. Nem sequer se questiona sobre a relação entre estes e os valores homólogos dos outros países, os salários, o custo de vida, a produtividade, as condições de trabalho... Digam lá que não queriam ter um destes génios optimistas ao leme da vossa empresa!

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Eu era (e sou) de esquerda (esquerda a sério), e a favor de uma PGA no acesso ao ensino superior. Não nos moldes da famigerada PGA tal como existia, limitada a questões de Português e História, mas uma PGA com questões essenciais de Português, Matemática, Ciências da Vida, História e actualidade. Considerei uma PGA útil e necessária enquanto aluna do Ensino Secundário, enquanto aluna do ensino superior e enquanto professora do ensino superior. Não acho (sem grandes certezas, porque estou distante da realidade do ensino básico) que os exames nacionais do 4º ano sejam úteis e muito menos necessários, mas acho que a avaliação é necessária e tem de ser encarada com toda a naturalidade.

 

A propóstito deste post do sempre acutilante País do Burro.

Pequenino no pior sentido, e mesquinho. E, infelizmente, racista, de um racismo passivo tolerado e aceite e legitimado pela comunicação social.

 

Como é possível este título do Público? A notícia é a senhora ser negra?! Ou melhor, ser uma senhora e ainda por cima negra?!

 

Permitam-me que considere ofensivo e primariamente nojento. Alguém lá no Público devia olhar para o relógio e ver que estamos no século XXI, e ver além do daltonismo tendencioso e ignóbil.

 

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