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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Portugal e, em particular, o Porto e Lisboa, parecem ter sido descobertos nos últimos anos como “O” novo melhor destino de férias citadinas. E o título é seguramente merecido, em qualquer dos casos. São cidades lindíssimas, o custo de vida é baixo quando comparado com outras cidades europeias, há Sol e calor com fartura, a gastronomia é estupenda, os vinhos são ainda melhores. Ele é prémios de melhor destino, são sucessivos destaques em publicações internacionais (especializadas e não especializadas), um sururu global ao que vêm ajudar os preços acessíveis e apetecíveis das companhias aéreas low cost.

Como viajante adicta (não é sinónimo de turista, mas já lá vamos) e pelintra, não posso criticar os estrangeiros que têm vontade de conhecer um pouco de Portugal e aproveitam as condições favoráveis para o fazer. Pelo contrário, acho que fazem lindamente. E acho lindamente que o país invista no turismo e retire dividendos do melhor que temos para vender (clima, paisagem, gastronomia e cultura), e que foi subaproveitado durante muito tempo (marcas da ditadura e da psique de “coitadinhos” com sentimentos de inferioridade). Mas, obviamente, tudo tem a sua conta e medida, e neste momento penso que o limite do razoável já foi, em muito, excedido. Falo sobretudo do que conheço no dia-a-dia, que é Lisboa, mas calculo que no Porto se passe o mesmo ou pior.

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Há uns anos passear na Baixa lisboeta era francamente triste. As ruas vazias, silenciosas, ocas; as lojas outrora cheias de movimento e vida estavam quase todas fechadas, falidas, ou deixadas ao abandono. Passar na Rua Augusta vazia, triste, era uma sombra amarga e melancólica do que Lisboa tinha sido nos anos ‘80 e início dos ‘90. Lembro-me bem do ambiente da Baixa nessa altura, meio hippie e intelectualóide, cheio de lojas da moda e alternativas, cheia de artesãos, caricaturistas e alfarrabistas nas arcadas da Praça do Comércio, que faziam as minhas delícias. (Dizia eu que, se o curso dos meus sonhos corresse mal e não encontrasse trabalho ia fazer pinturas e desenhos para a Rua Augusta para ganhar a vida.)

Hoje em dia, o ambiente é bastante diferente. A língua mais ouvida não é o português (mas ouve-se muito francês, inglês, italiano, alemão, espanhol, chinês...), a Baixa e quase toda a cidade e arredores fervilham de energia, de agitação, há lojas com nomes estrangeiros por todo o lado, há restaurantes da moda, com conceitos alternativos e preços “salgados”, há hotéis e hostels a nascer em tudo quanto é sítio. Há tuc-tucs em azáfama contínua a largar e apanhar grupos de turistas, há músicos de rua, estátuas humanas, filas imensas para subir ao Elevador de Santa Justa, os eléctricos passam apinhados, os comboios para Sintra apinhados vão, logo às oito e picos da manhã, os comboios (e as bilheteiras) para as praias da linha de Cascais não dão vazão aos magotes de “beach droids” altos, loiros e com pele vermelha que fazem fila pelo Cais do Sodré fora.

E os lisboetas? Esses deixaram de ter casas para arrendar (porque os proprietários descobriram que o arrendamento de curta duração aos turistas rende bastante mais), deixaram de ter poder de compra para os preços exorbitantes do m2, deixaram de ter lugar nos transportes públicos disponíveis (a qualidade dos transportes públicos lisboetas, que nunca foi boa, tem conseguido piorar significativamente). Portanto, lisboetas em Lisboa são cada vez mais raros, já que a um trabalhador comum se torna impossível comportar a despesa de uma renda ou prestação de hipoteca no centro da cidade. Estes trabalhadores vêem-se assim, cada vez mais, “empurrados” para os subúrbios, ou para quartos em vez de apartamentos, ou para T0 e T1 em vez de T2 e T3, de acordo com o rendimento ou, em termos politicamente inertes, "classe sócio-económica". A gentrificação é bem real, é mais uma manifestação de que o sistema burguês sacrifica tudo, incluindo a própria identidade, a favor do capital, e está a assumir proporções incomportáveis. 

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O que se prevê que suceda num futuro próximo (sem ser necessária bola de cristal) é óbvio: a oferta irá, eventualmente, começar a superar largamente a procura, os hotéis, restaurantes e lojas vão começar a insolver e fechar portas, os preços irão novamente cair, e se nada mudar entretanto, o ciclo repetir-se-á. Com o novo aeroporto na Margem Certa, o mesmo fenómeno tenderá a alastrar, mas a um ritmo mais brando, também aos subúrbios.

É, obviamente, necessário regular as actividades económicas directamente relacionadas com o turismo de massas. Caso essa regulação não suceda, é muito provável termos um cenário de protestos idêntico (na versão soft, que já se sabe que os portugueses são um povo de “brandos costumes” - infelizmente, digo eu) ao que se vive já em outras cidades hiper-saturadas de turismo, como Barcelona ou Veneza.

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O turismo de massas é um verdadeiro factor dissuasor para o verdadeiro viajante, garanto eu, apesar de serem as massas a trazer consigo a promessa do lucro fácil. O viajante quer realmente conhecer o sítio e o povo que visita, quer misturar-se com os locais, quer comer o que comem os locais, andar de transportes públicos, sem grandes planos, à aventura. O turista (o tal das massa$) usa o táxi para ir do aeroporto ao hotel porque vem carregado com 2 trolleys para os 4 dias de férias, quer ir aos monumentos todos, bater uma selfie e passar ao próximo, para poder correr toda a lista de pontos de interesse que os guias lhe apresentam. Quer comer hambúrgueres ou o que seja para ele “normal” sem se aventurar em sabores muito exóticos. O viajante prefere alojamentos locais, o turista usa hotéis de quatro estrelas. O turista não se importa nada de pagar 4€ por uma imperial ou 30€ por meia hora de cruzeiro no Tejo, porque até está de férias e não lhe faz grande diferença. O viajante paga 1€ pela imperial, porque é o preço nas tascas sem pretensiosismos e apanha o barco para Cacilhas (1,25€ por trajecto) para explorar o Ginjal.

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Em suma, o turista papa o que lhe puserem à frente, não questiona muito e sai sem perceber muito bem se esteve em Espanha, Portugal ou lá como se chama o sítio que tem paellas e tapas por todo o lado. Já o viajante, quando percebe que o tal sítio se transformou numa espécie de Disneylândia feita de cenários de cartão (“para inglês ver”) e filas para as “atracções”, sem vislumbre da autenticidade que tornava o sítio especial e sem habitantes, só turistas… Foge para outras paragens.

Uma reflexão colectiva impõe-se, e em boa hora (eleições autárquicas a 1 de Outubro, caso não tenham reparado). O que é que queremos? O que é mais importante para o país, que os seus habitantes e trabalhadores tenham condições para cá viverem e trabalharem, ou transformar os locais icónicos em grandes negócios de hotelaria, com muitas camas e poucas casas? Vamos permitir que nos expulsem progressivamente de nossas casas?

O “Espesso” adiantou ontem que o PSD vai propor a eliminação do agravamento de IMI para imóveis com valor patrimonial superior a 600 mil euros (0,7% para estes e 1% para os imóveis com valor superior a um milhão de euros), por considerar que “o país já está sobrecarregado de impostos” e ainda que este agravamento constitui um “ataque à classe média”.

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Quando li isto olhei em volta, para o meu T2 nos subúrbios, que comprei há quase 10 anos, usado, com um enorme esforço que implicou a aplicação de todas as minhas poupanças até à data, uma ajuda extra dos meus pais e um empréstimo bancário por 40 anos. O valor patrimonial do meu imóvel é bem, mas beeeem inferior aos 600 mil euros limite para o agravamento de IMI. E até tenho a “sorte” (?) de nunca ter estado desempregada por mais de uma semana, de receber todos os meses, sem atrasos até ao momento, um salário mil-eurista (como os outros “afortunados” da minha geração). Olhando para o escalão de IRS em que me encontro, constato que segundo os parâmetros deste e dos anteriores governos (nomeadamente e sobretudo os governos com participação do PSD), só poderei pertencer à tal “classe média”. Fico confusa. Faço contas. Observo o saldo da minha conta bancária, que me dá vontade de chorar, e começo a questionar os meus dotes aritméticos, que sempre me disseram ser bastante bons.

Ora pensemos juntos. A continuar a depender exclusivamente do meu trabalho (abusivo e mal-pago) para sobreviver e pagar contas, se conseguir poupar qualquer coisa como 250 euros, em média, por mês, e ainda se contar com igual “sorte” e esforço por parte do meu companheiro (o que não é fácil para nós actualmente e seria completamente impossível se porventura as despesas crescessem, como num acesso de loucura de aquisição de um automóvel, ou num acesso de loucura ainda mais extrema, a procriação), teríamos uma poupança conjunta anual de 6 mil euros. Ou seja – três vezes seis dezoito, é uma questão de fazer as contas, como dizia o Guterres – teríamos de trabalhar ainda, pelo menos, mais cem anos para podermos comprar, em conjunto, um imóvel de 600 mil euros, já não contando com a oscilação do mercado imobiliário nem com a inflacção.

Concluo enfim que...

Classe média o caraças!

Não sei quanto ao resto do mundo, mas para mim declarações desta índole são profundamente ofensivas, são um gozo descarado com a cara dos trabalhadores. Mas devo ser eu que estou errada, porque afinal são os partidos do centrão que têm há décadas o apoio popular e suspeito que continuarão a ter até que o povo desperte da letargia.

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Alguém explique às criaturas ignorantes do código do trabalho, da constituição portuguesa, e do bom senso em geral que quem paga as baixas médicas e subsídios e licença de maternidade é, por ora, a segurança social e não a pobre entidade empregadora sem orçamento para contratar mais do que uma pessoa e, por isso, se acha no direito de questionar as mulheres se planeiam engravidar numa entrevista de recrutamento (ou em qualquer outra situação, by the way). E que a lei do trabalho permite a contratação de trabalhadores temporários para suprir as ausências de trabalhadores em licença de parentalidade. Duh! E também me podiam explicar onde estão esses médicos porreiraços que passam baixas só por lhes pedirmos. Deve ser no mesmo sítio onde as mães portuguesas preferem ficar tanto tempo quanto possível a receber só uma %do salário, porque a malta trabalha mesmo é para aquecer, o salário é irrelevante. Yeah. Num mundo imaginário habitado em exclusivo por patrões e jotinhas.