Incrivelmente, esta verdade é rejeitada por muita gente que provavelmente perpetua a discriminação racial, intencionalmente ou não.
O racismo está presente transversalmente, em todas as áreas da sociedade: na representatividade política, na acção policial, na comunicação social, no acesso à habitação, à saúde e à educação, nas escolas, nos tribunais, na disputa do espaço público, no acesso ao emprego, na cultura, nas conversas de café e no seio da esmagadora maioria das famílias.
Os exemplos são, tristemente, abundantes e mesmo desnecessários para qualquer pessoa que esteja atenta ao mundo em que vive. Como aparentemente há muita gente desatenta, façamos então um brevíssimo resumo.
O período colonial é retratado nos livros escolares e nas obras de historiadores com um distanciamento aflitivo do que foi a realidade, em que Portugal é apontado como um “bom colonizador” (conceito incompreensível) e em que todas as vítimas dos mais atrozes crimes (assassinatos, estupros, tortura e violência sob todas as formas) são, pura e simplesmente, omitidas.
O direito à cidadania para quem nasce em Portugal ainda não está assegurado, graças a uma Assembleia da República que reproduz as opressões, mesmo nas bancadas que dizem defender a igualdade e os direitos das minorias. Já o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que falou na sua campanha do direito à nacionalidade, manteve-se estranhamente calado sobre o tema quando este chegou à votação na A.R.
Os casos de brutalidade policial serão bem mais do que os que vêm a público (o caso da esquadra de Alfragide será o mais mediático) e é fácil perceber que as vítimas do comportamento abusivo e injustificado por parte dos senhores “agentes da autoridade” que defendem um Estado burguês e racista são, maioritariamente, não-brancos.
No passado dia 15 deu-se a Mobilização Nacional Contra o Racismo. Em Lisboa, o evento estava agendado e devidamente autorizado desde há muito, para o Largo de São Domingos, onde foi montado um palco para receber várias intervenções de entre as 60 associações e organizações que colocaram o protesto de pé, música, poesia e outras expressões culturais unidas para dar visibilidade à luta anti-racista e contra a brutalidade policial racista. O primeiro facto digno de nota foi a ausência das televisões, nomeadamente a pública. O dever de informar acerca da actualidade política e social parece ter feito gazeta neste dia. Depois, deu-se um momento, no mínimo, caricato. A organização informou que os espectáculos previstos e agendados teriam de ser interrompidos pelo período aproximado de uma hora, para que o grupo musical Clã, que mais tarde actuaria na varanda do Teatro Nacional D. Maria II no âmbito de um espectáculo promovido pela EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa), mesmo em frente ao palco do Largo de São Domingos, fizesse um sound-check. O ensaio dos Clã foi, naturalmente, recebido com apupos e careceu de uma mensagem (tardia) da vocalista Manuela Azevedo, bem como de um elemento da organização do protesto para apelar à paciência dos participantes. É óbvio que esta situação podia e devia ter sido evitada com algum planeamento e sobretudo, respeito pela luta contra o racismo. Igualmente flagrante foi a desmobilização em alguma medida de quem foi até ao Largo de São Domingos para engrossar a Mobilização Nacional. Não vi referência a este incidente nas publicações que noticiaram a iniciativa, que bem exemplifica que em coisas tão simples como o usufruto do espaço público, dentro dos trâmites legais e burocráticos, seja para algumas franjas da sociedade tão facilmente secundarizado. Fica a dúvida sobre a intencionalidade desta infeliz interrupção.
O facto é que, desde uma pronunciada ausência de pessoas não brancas nas bancadas parlamentares, nos noticiários, na publicidade, até à perseguição de comunidades inteiras por nenhum outro motivo que a sua etnia ou cor da pele, ou à proliferação impune de grupos de extrema-direita, o racismo existe em todo o lado e toda a gente parece conviver bem com ele.
Olhemos em redor nos locais de trabalho das grandes multinacionais, e atentemos depois em qualquer sítio de construção civil.
Quem permite que o racismo subsista na sociedade é seu cúmplice. Sim, eu e cada um dos que me lê também. Por muito que não nos consideremos racistas e sejamos até parte activa da luta anti-racista, quantas vezes não ignoramos uma ou outra piadola sobre “pretos” ou “ciganos” porque achamos que é inócua, que não foi dita com má intenção, porque é mais fácil não dar importância e não entrar em discussões e quezílias? A responsabilidade é de todos: os que atacam, os que perpetuam, os que não educam e os que permitem.
Fingir que Portugal não é um país racista é mais do que tapar o Sol com a peneira, é desvalorizar todas as situações de racismo que presenciamos, é calar as vítimas, é continuar a permitir que seja normal que uma pessoa seja agredida em plena via pública por um segurança ao serviço da STCP e que, mesmo chamando as autoridades policiais, o assunto seja esquecido até a indignação rebentar e escalar nas redes sociais.
O racismo tem de ser erradicado, ponto! Não basta ser criminalizado, se a denúncia é escassa e difícil, se as condenações nos raríssimos casos que chegam aos tribunais não vão além de coimas. O racismo tem de ser punido como o ataque vil aos direitos humanos que é, tem de ser apontado, evidenciado, enxovalhado e derrotado. Nada menos é aceitável.
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Pouco há a dizer sobre o nacionalismo do "dia da raça", ou seja, a celebração do colonialismo racista e fascista:
1 - Alcindo Monteiro teria hoje 50 anos. Foi brutalmente assassinado num hediondo crime de ódio há 23, devido à cor da sua pele.
2 - Há 40 anos, era assassinado José Jorge Morais e Jorge Falcato ficava paraplégico, numa contra-manifestação anti-fascista, quando a polícia defendia os neo-nazis.
Amor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se e contente; É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"
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Só quem vir estas três imagens (a primeira é a genuína que despoletou o "escândalo", as outras duas são criações que pretendem gozar com o facto, caricaturando-o) e não perceber onde está patente o racismo (só sendo imbecil, adianto eu) é que poderá defender a marca.
Que tal tirar a cabeça de dentro do orifício escuro e bafiento em que se encontra, ousar sair da posição de privilegiado e ganhar vergonha na cara?
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O Francisco Rodrigues dos Santos, líder da Juventude Popular e deputado na Assembleia Municipal de Lisboa, autor desta piadinha nada racista, queixou-se do racismo político contra quem é de direita. Eu não sou de intrigas, mas parece-me que ele andou a ler este blogue.
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No sorteio do amigo secreto lá do trabalho sair-te uma pessoa burra, racista, com a mania que tem piada quando imita os colegas africanos e que provavelmente votou no André Ventura, e acrescentas mais um exemplar à encomenda de Agendas SOS Racismo 2018 para lhe ofereceres.
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Admito, sem espinhas. Acredito que há uma espécie de gente que não tem o mesmo valor dos restantes. Não me merecem respeito, nem solidariedade, e não me comovem mesmo que estejam caídos no chão a sangrar e a implorar perdão. São um desperdício do ar que respiram e, se dependesse de mim, provavelmente deixariam de respirar.
São os fascistas.
Desengane-se quem pensa que o fascismo está morto e enterrado. Pelo contrário, está a despontar em qualquer brecha que encontre e propagar-se como a erva daninha que é. Um pouco por todo o mundo os movimentos de extrema-direita começam a sair da toca, de cara destapada, sem pudor de manifestar a abjecção de que são feitos. E para quem possa achar, por distracção ou estado comatoso, que o perigo do fascismo regressar é uma hipótese remota, ou que só acontece lá para a terra do Trampas, peço que abram os olhos para ver o que se tem passado mesmo aqui ao lado, nesta progressista "democracia" a que chamam Espanha, a pretexto da defesa da "unidade" dos territórios, não obstante a história e, mais importante, a vontade popular, ser no sentido da independência da Catalunha (e também do País Basco e da Galiza). Como se a repressão do governo central, através da brutalidade policial e as prisões de membros da Generalitat para tentar evitar o referendo de 1-O ou o envio de tropas para a Catalunha antevendo uma possível declaração unilateral de independência não fossem suficientes, nas manifestações nacionalistas faz-se a saudação nazi.
Não é só uma vergonha mundial que se tenham reerguido os franquistas. A luta anti-fascista é uma obrigação de cada um de nós, que acredita nos princípios opostos aos dos fascistas. Temos, todos e em cada momento, a obrigação de denunciar, corrigir e calar as pequenas manifestações fascizóides a que vamos fazendo ouvidos moucos ou relevando, a bem da liberdade de expressão e da tolerância. Esta gente não tem tolerância alguma à diferença (nem de opinião), não reconhece o direito democrático dos povos, só conhecem a lógica da força bruta da repressão, sem qualquer respeito pelos direitos humanos. Até quando vamos permitir que o fascismo passe impune? Esperaremos de braços cruzados a olhar as notícias pela reactivação dos campos de concentração nazis? O tempo de agir é agora, sem tolerância.
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O ano passado escrevi este texto para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Passados 364 dias, a minha visão de mulher adulta num país europeu no século XXI não se alterou um milímetro, o que me entristece profundamente.
Tudo isto não é "só" absolutamente execrável e ofensivo para todas as pessoas dignas desse nome, como é uma absoluta falta de vergonha na cara destes anormais e de todos quantos não se insurgem contra a propagação do ódio. É a glorificação da estupidez. É a João-Braguização do mundo (este nem link merece, toda a gente sabe do que estou a falar).
É, no fundo, um terrorismo tacitamente aceite, institucionalizado, quase um dado adquirido, de tão presente que está em todo o lado, nas nossas casas, nas nossas empresas, na Assembleia da República, nos jornais e televisões, nos Tribunais, nas Forças Armadas...
Nada do que digo é novidade, certo? Então, o que faz falta para mudar o mundo, para começar a equilibrar as diferenças e desafiar o status quo?
Faz falta perder o medo!Faz falta fazer voz grossa para nos fazermos ouvir e não termos pudor de exigir o que merecemos. Faz falta mudar as regras, a começar por cada uma de nós. Se o colega homem faz o mesmo trabalho que tu e recebe mais, é teu direito e tua obrigação lutar por um vencimento igual. Se o teu marido se senta no sofá e espera que o jantar apareça na mesa é teu dever mostrar-lhe que está em falta e gritar se for necessário para que ele faça a parte dele das tarefas domésticas. Se és mais qualificada para falar dum tema mas o jornal contactou o teu chefe para participar do debate, chega-te à frente e diz-lhes isso mesmo! Faz falta desafiar o mundo a ser melhor! Faz falta educar para ser justo e correcto. Faz falta varrer o preconceito! Faz falta boicotar todas as representações falocêntricas do mundo actual! Faz muita falta deixar de encolher os ombros perante as desigualdades.
Vamos lá quebrar as amarras, sem medo. Todos os dias!
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Ontem decidimos aproveitar a tarde depois de irmos almoçar fora (no âmbito da Restaurant Week) para irmos ao cinema. Não nos lembrámos sequer que era a noite dos Óscares e quando chegámos ao Corte Inglès a fila para comprar bilhetes era gigante. Tínhamos decidido ver o Moonlight, mas como já estávamos em cima da hora começámos a ver as alternativas. Não foi preciso, o serviço nas bilheteiras foi bastante rápido (e muito simpático, o que é de louvar sobretudo numa tarde de confusão e enorme afluência, já que o rapaz que nos atendeu não só forneceu informação extra, nos deu um trato exemplar e sempre com um tom de voz calmíssimo e caloroso, que é coisa que aprecio em pessoas no atendimento público).
Sala cheia mas não lotada, um caramelo sentado a meu lado não parou de falar durante todas as apresentações, fartou-se de usar o telemóvel (e iluminar o meu campo de visão) durante o filme e chegou mesmo a sair durante um longo período, dando-me a vã esperança de um resto de filme tranquilo, mas depois voltou.
Bom, o que interessa: o filme.
Não tendo visto vários dos restantes candidatos aos Óscares, arrisco-me a assegurar que a vitória de Óscar de Melhor Filme foi muitíssimo justa.
A fotografia belíssima, a banda sonora excelente, os actores fenomenais. Mesmo. A realização muito envolvente e inteligente, cheia de simbolismos não óbvios. E possivelmente o melhor de todo o conjunto: o argumento. Sem haver nenhuma história rebuscada, "só" a vida comum de um rapaz comum que cresce no seio de uma comunidade comum. Por comum aqui entende-se cheia de violência, dificuldades, pai ausente ou desconhecido, mãe abusiva, em que a droga é a forma de vida de todos à sua volta, sem surpresas, sem saída esperada do círculo vicioso. Não há grandes picos dramáticos, não há epifanias que mudem a vida de ninguém, há apenas clichés atrás de clichés, e talvez por isso o filme seja tão tocante, tão fácil de ver na realidade de todos os dias. Moonlight toca-nos profundamente por ser tão crú e real. Os diálogos não são poéticos, são cheios de vernáculo e dos desvios de todos os dias. São sinceros.
Inesperadamente - quase, trata-se de uma história de amor, tratada com delicadeza, sem alarido, com elegância. E, de uma assentada, confronta-nos com todos os estigmas, todas as dores, as causas e consequências de percursos de vida que tantas vezes são julgados sem pudor, sem conhecimento.
A narrativa surge-nos em três janelas de tempo, em que o personagem principal é interpretado por 3 pessoas, de idades distintas, e que até têm nomes distintos. Entre os três períodos retratados, o vazio, porque na realidade não é preciso mostrar mais nada, de tão inevitável que o curso da história é. Isto, dito assim, parece curto, parece escasso, incompleto, mas o que é, é arte.
A minha primeira reacção quando o filme terminou foi dizer: "gostei, muito, mas faltava-me mais um bocadinho de narrativa." Isto porque os finais abertos me deixam sempre uma ansiedadezinha a latejar. Mas só podia ser assim, não faria sentido ser de outra maneira. A ansiedade, o facto do filme continuar a martelar dentro da minha cabeça, de inquietar, é a evidência de que se trata de um grande, grande filme.
O actor de Chiron adolescente, Ashton Sanders, quanto a mim, mereceria uma nomeação para melhor actor. Achei o desempenho abolutamente arrebatador. O melhor actor secundário, Mahershala Ali, que já conhecia de outro desempenho exímio em House of Cards, merece ter sido premiado. Uma surpresa que só se me revelou aquando do genérico, foi o facto de Teresa ter ser interpretada por Janelle Monáe (que não reconheci durante o filme), que conhecia apenas enquanto cantora extraordinária que tive a sorte de ver há uns anos num Vodafone Mexefest a, quase literalmente, mandar o Tivoli abaixo.
Muito mais poderia comentar sobre Moonlight, mas não querendo fazer spoilers a quem ainda não viu, deixem-me só apontar a curiosidade de, no ano seguinte a protestos e polémicas intensas sobre o facto de não existirem negros nomeados para os Óscares 2016, o grande vencedor ser um filme em que não surge um único personagem branco, o que poderá (e será que deve?) ter um acrescido significado político. Se ainda não viram, corram a ver.
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Pequenino no pior sentido, e mesquinho. E, infelizmente, racista, de um racismo passivo tolerado e aceite e legitimado pela comunicação social.
Permitam-me que considere ofensivo e primariamente nojento. Alguém lá no Público devia olhar para o relógio e ver que estamos no século XXI, e ver além do daltonismo tendencioso e ignóbil.
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não tem noção... Quando um colega africano, negro, foi à empresa e lhe foi apresentado, ela disse-lhe "eu também nasci em África. Mas eu sou branca!"