Pessoas que são um sumidouro de energia alheia, que sugam a boa vontade, o carinho, a disponibilidade. Que para toda a gente têm sorrisos, palavras doces e simpatias, mas para ti não, mal reconhecem a tua existência. Pessoas que te deixam pendurada à espera de respostas, que não retribuem com um mero aceno de cabeça, para fazer valer o seu silêncio, que mói e machuca. Pessoas que quase parece que fazem um favor em brindar-te com as suas palavras quando não precisam de nada, mas que não se fazem de rogadas em usar e abusar da tua estima para se protegerem das agressões externas (e internas, tantas vezes). Pessoas que colocas num pedestal na tua vida, no teu coração, mas que ignoram se estás bem e nem se dão ao trabalho de perguntar. Pessoas que se esquecem do teu aniversário ou das coisas realmente importantes para ti (porque tu não és assim tão importante). Pessoas que passam por ti e olham para o outro lado. Pessoas que fazem mil planos e promessas contigo, mas que nunca têm tempo ou oportunidade ou vontade de concretizar nada. Pessoas que mostram o quão insignificante és a cada oportunidade que surge. Que não querem saber de ti. As mesmas pessoas que te dizem que és tão importante, que és fenomenal, que não querem nem sabem viver sem ti, que te rasgam elogios que te derretem, mas que jamais dirão um décimo de tudo isso em público e que te mostram exactamente o oposto, dia após dia. Pessoas que fazem de ti suas muletas mas sabem que têm o poder para dispor do teu humor, que abusam da desproporcionalidade para se sentirem lá no topo do buraco de onde as resgatas tantas vezes. Pessoas que viram todos os argumentos para te deixarem o ónus nas mãos, que chegam efectivamente ao ridículo de te dizerem que se gostas delas é problema teu, que dizem que fariam tudo por ti e no momento da verdade nem vê-los. Pessoas que sabem que te querem por perto, mas não sabem porquê. Que dizem que te estimam e que te respeitam e gostam "muito muito" de ti, mas afinal onde cabes tu cabem tantas outras um degrauzinho acima e se um dia ousas exigir retribuição te viram costas porque estás a pressionar e a ser exigente e podes bem morrer que se lhes dá igual. Pessoas que não sabem o que querem, só sabem que é "algo entre o tudo e o nada" e não têm urgência nenhuma em chegar a alguma conclusão porque te têm ali de reserva, na prateleira dos planos B ou C ou Z, com a etiqueta "usar para remendar o ego". Pessoas que usam a tua casa, o teu dinheiro, a tua vida, o teu coração como hotel, instalam-se como se pertencessem ali, aproveitam todos os benefícios incluídos, mas saem de repente sem dar uma explicação, sem entregarem as chaves, deixam tudo revolto e sujo para tu começares de novo e varreres os cacos. Pessoas que te custa a assumir, mas que te usam. Pessoas que te arrumam bem lá no fundo do baú das memórias, juntamente com as partes da vida que querem deixar para trás e que nem se dignam a espreitar quando retornam de visita. Pessoas que nem sabem o teu nome quando te beijam às escuras. Pessoas que só te beijam às escuras ou dentro de quatro paredes e têm vergonha de ser vistas contigo em público.
[Não serei actriz secundária da minha vida. Não me colocarei em segundo lugar nunca mais.]
Pessoas acima identificadas, hoje digo-vos apenas isto: estimo que se fodam!
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Por uma vez, só para ser diferente, gostava que fosses tu a baixar a guarda, a abrir o peito, a dar um primeiro passo, a dar um mimo desinteressado. Um beijinho, um sorriso, um carinho, uma palavra doce ou elogiosa. Qualquer coisa para me certificar que não existe tudo só dentro da minha cabeça, que não é uma ilusão que sonhei ou cujas memórias só transportei de uma outra dimensão em que fizesse mais sentido do que nesta.
Por uma vez, só para ser diferente, gostava que metade da generosidade que mostras a tantos outros ta merecesse eu.
Não faz mal se mudaste de ideias, se já não te faço suspirar de desejo, se nem por um beijo real anseias mais. Não faz mal se te cansaste, se não te apeteço, se conheceste pessoas mais bonitas, mais interessantes, menos difíceis, menos exigentes. Eu sei que sou tudo o que sou e que desafio tudo o que devia ser.
Toda a gente tem direito a mudar, a largar, e convence-te por uma vez que não és menos do que ninguém. Se for o caso, diz-me, que já esgotei todos os créditos de horas, semanas e meses para fazer figuras estúpidas há muitos anos e a força para sustentar castelos nas nuvens já vai fraquejando.
Não gosto de sentir que forço alguma coisa, tens todo o direito a ser uma ostra teimosa. Não procuro pérolas, nem perfeição ou brilho, não me interessa o valor de troca. Não me dizem nada sorrisos ocos, harmonias sem conteúdo. Gosto mesmo é dos bichos fechados nas conchas rugosas, disformes e ásperas, cortantes como defesa e nunca como ofensa. Ostras não são para todos, mas agradam-me a mim. É nos bichos que não oscilam com cada maré, que se agarram para crescer e não cedem às aparências que encontro o que é mais belo e mais puro. Não tenho medo e não troco os meus por riqueza nenhuma.
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As emoções e a racionalidade são dois braços muitas vezes assíncronos e a fronteira entre ambos é ténue, permeável e de contornos espinhosos para todos.
Posto isto, quando as opiniões sobre ideias se deixam inquinar pela emoção perante quem expressa as mesmas não sei o que me desaponta mais: se o facto de não poder dar crédito e analisar seriamente a opinião, ou a fragilidade de uma relação emocional que é aparentemente susceptível de sucumbir a uma condicionante de importância tão relativa. Não me faz sentido colocar em causa relações pessoais por meras divergências de opiniões. As diferenças podem e devem ser debatidas, com argumentos e com respeito (esse sim, imprescindível às relações saudáveis).
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Estar no cinema e começarmos os dois a cantar alto esta canção, alinhados com o filme, e os adolescentes ao nosso lado fazerem uma cara de ligeiro pânico. É o amor, estúpidos!
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A simplicidade do som da chuva a cair ritmada no quintal para dizer "bom dia" diz mais do que mil textos, promessas, planos idílicos para que nunca se mexeu uma palha que os fizesse concretizar. Só um sorriso e um cão. Assim, simples, honesto, como quem abre escancarada a janela de casa para que possas espreitar, entrar pela porta se quiseres. Sem mentiras, subterfúgios, juras ou desvios.
É, as relações humanas deviam ser menos idealizadas e mais analisadas sob a luz do materialismo. Sobretudo, simplificadas. Triadas sob o jugo fácil de quem nos faz bem, ou não.
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Alguém a quem dar um beijo de bom dia quando se acorda.
Alguém em quem aquecer os pés no Inverno e aninhar a cabeça no peito em qualquer dia.
A quem dar um beijo urgente só porque sim.
Alguém com quem partilhar o duche, as contas da casa, todos os poemas e abraços.
Alguém com quem construir as ideias, partilhar ansiedades e episódios ridículos.
A quem confiar os medos e os desejos mais absurdos.
Alguém com quem chegar a casa e adormecer de mãos dadas.
Com quem fazer planos de viagens, de remodelações, de projectos, dos nomes dos hipotéticos filhos.
Alguém a quem conhecer de olhos fechados, perceber pelo ritmo da respiração se está a dormir, a ler ou a ter uma tontura.
Alguém a quem pentear a barba e ajeitar o casaco e gritar quando está a ser idiota.
Com quem ter olhares cúmplices que inflamam ataques de riso.
A quem quase tudo perdoar e com quem errar sem medo de perder.
Alguém a quem pedir mimos, fazer surpresas e morder as orelhas.
Alguém em cujos olhos perder noção do tempo ou da inconveniência do sorriso.
Com quem dar guinadas bruscas na vida, mudar tudo, virar do avesso e tornar a repor tudo no seu lugar.
Alguém a quem amar de volta.
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Cansada de pedir mais poesia por onde passo, reconhecendo as fugas injustificadas, decidi cortar amarras e navegar sem rumo, de encontro ao que por mim esperasse na outra margem. A imagem antagónica do outro lado do espelho rachado roça a perfeição. O tinto escorregava pelas canecas infantis, soltava línguas tímidas demais para se cruzarem nos silêncios em que os dedos apartados queriam chamar os outros, mas esperavam por algum momento certo que parecia não chegar. Os livros mais que correctos, a música certeira. Tudo o que importa a corresponder a cada expectativa mais ousada. Espanto por todo o lado, como só podia ser neste filme, como em todos os filmes com registo especial. Conheci um poema de olhos azuis, frugal, feito de suavidade, de sorriso puro e persistente. E quando um poema te olha nos olhos e não desarma o sorriso, como se visse um arco-íris materializado em gente, abraças a poesia ou foges feita vadia...
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Afinal a ultra resistência ao álcool pode ser colocada em causa com uma forte dose de sono e pouca cachupa no bucho (e talvez uma virose esquisita).
Afinal quando se sai à rua sem o cabelo acabado de lavar não acontece nenhuma desgraça, nem as pessoas ficam a olhar em espanto horrorizado para a absurda quantidade de oleosidade natural.
Afinal a concretização de relações não monógamas não traz forçosamente mágoas, ciúmes, desconfianças, sentimentos de culpa, não abala as estruturas do que se tem em casa, quando o que se tem é sólido, transparente e verdadeiro.
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(*romantização)
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Aguarda pacientemente no escuro, observa com cuidados cada detalhe, ao longe, em silêncio, sem se fazer notar, de mãos nos bolsos a forçar uma atitude blasé. Com vontade de aventura, sim, mas sem grande certeza de querer arriscar. Hesita e calcula, calcula e hesita. Gosta de partilhar a melancolia mas odeia ter de a explicar. Tem uma voz possante que ocupa todos os espaços, tem uma presença vincada que quase o mascara. O discurso tem falhas, sobretudo nas costuras, frouxas por serem impermeáveis às razões alheias. A postura de macho alfa leva ao engano, ele aprecia a protecção que lhe dá de quem o julga capaz de tudo. Preso numa vida que o esmaga e sufoca, cheia de horários, frustrações, contas e obrigações, tudo o que queria era algum silêncio, paz, tempo para se esquecer e leveza para encontrar a alegria do seu sorriso espelhado no de um filho. Não cede nunca, resiste a tudo, e pensa que é isso que o faz parecer invencível. Atrás de cada porta que fecha, por força do orgulho desmedido em continuar só, deixa um amigo vazio, sem mais nada para dar. Isolado no alto do seu castelo de distâncias caladas, grita e esperneia Baltasar. Se é som ou silêncio que fala, não importa, que as muralhas em volta são blindadas e dentro delas só circula o ar. É um gigante pateta, recto e honesto, triste por estar só, mas não deixa vivalma se aproximar. Quer que lhe leiam nos olhos as histórias difíceis e a solidão, que se confirme que é raro e especial, mas é profissional das fugas, não pára quieto no mesmo lugar. É um menino pequeno, carente de colo e de cumplicidades, brinca com frases e corações, morde e pisca o olho, mas sempre sem se dar. Gostava de encostar a cara a alguém que não o julgue e só descansar. Gostava de receber beijos molhados, não antecipados, abraços apertados. Gostava de não ser um maneta emocional, de se deixar erguer quando outros braços o tentam puxar. Queria ser outro, noutro lugar.
[Podia ensinar-te a sorrir, se desaprendesses a calar.]
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Sempre a melhor amiga, a companheira, amiga, camarada, o ombro amigo, confidente... mas nunca a mulher desejada. São décadas disto, e cansa. São décadas disto, e dói. Por uma vez que fosse, gostava de saber qual é a sensação de se ser o objecto de desejo e atenção de alguém. Gostava de saber que suscitava a lascívia pura de alguém, sem se deter com as intelectualidades, que me dizem intimidar os outros, sem haver egos gigantes carentes de atenção, sem dramas nem complicações, sem solidões a pedinchar um mimo para aplacar uma dor causada por outra. Por um momento, gostava de poder ser só uma mulher interessante que deixasse um homem com suores frios, com borboletas no estômago, doente de desejo, louco de tesão. Por um momento, gostava que o meu ego fosse mais importante. Gostava de deixar de me preocupar, gostava de conseguir largar, gostava de ser capaz de não gostar. Décadas disto, e cansa, e dói.
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É no teu peito que me aninho para voltar a casa. É contigo que partilho mais do que alguma vez ousei pensar que poderia partilhar. É por ti que me viro do avesso e respiro quando antes podia gritar e latejar todas as raivas. Sabes quais os pontos das minhas costas que me fazem gemer e qual o ritmo em que gosto de te sentir.
Apoias-me as ideias mais loucas, não me cortas nunca as asas, por mais disparatado ou picado que seja o vôo. Vens comigo para as aventuras longínquas que invento, aturas-me as birras, as dores, os delírios e os sonhos inalcançáveis. Tiras-me do sério e excedes todos os meus limites. Sobretudo o do amor.
Amo-te.
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Há coisas que também eu não te digo, para não te assustar, pensamentos e vontades, carinhos que brotam de surpresa. Sempre que falas de ter filhos, faço um esforço por enxotar a imagem sorrateira em pastel esbatido de ti a falares com a minha barriga, a acariciares com o nariz o meu umbigo, a inundares de beijos seguros cada estria, enquanto uma mão distraída se entretém com um mamilo pronto a ser partilhado com a tua boca. Penso nestas coisas tolas quando pensas que estás só a debitar banalidades e eu te vejo inteiro, nu, exactamente como és quando te esqueces da armadura. Imagino que tentes esconder de mim, a princípio, quando encontrares poiso que te queira bem e não te faça fugir. Saberei como sei sempre tudo sem que o digas, sem que haja indícios visíveis, sem que me contem. Não to direi com palavras honestas, mas secretamente vou rebentar de orgulho como sempre fico, cheia e vaidosa, com qualquer pequena vitória tua. És um pouco meu, passei por ti e fiquei um pouco em ti, como ficaste tu em mim. Posso vir a odiar a cara sardenta que te leve, mas a ti não. Digo-te tantas vezes, nunca percebes, nunca respondes: gosto de ti.
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Quando me puxas pela mão fazes sentir-me lenta, pequena, gorda, um empecilho. Dizes sem pensar todo o género de barbáries e ofensas, que as minhas unhas estão um nojo, que as pestanas estão um nojo, que o meu perfume é um nojo... Dizes que nunca me visto bem e chamaste-me coisas piores. Mesmo sabendo que eu não esqueço, nunca. Nem sequer consideras a hipótese de me estares a magoar com essas palavras. De cada vez que tenho de te pedir um beijo ou lembrar que hoje ainda não me beijaste, magoa. De cada vez que te peço um abraço, um carinho, magoa. Porque é a tua função perceber quando é preciso e antecipar quando não é. Porque sempre que não é necessário um beijo ou um abraço para me colar qualquer coisa que se tenha partido ainda é melhor, porque é assim que é o amor, espontâneo e inevitável. De cada vez que estás a meu lado sem me ver, sem me dares a mão, e tenho de mendigar um carinho, perde-se qualquer coisa. Não devia ser necessário pedir. Estou farta de pedir e ter de me contentar com migalhas. Inundo-te de beijos, de carícias, de elogios. Digo-te que és lindo, doce, o melhor do mundo, e sempre sem retorno, muitas vezes sem qualquer resposta. E tudo o que digo é o que penso e sinto, sempre! Nunca o disse só para te confortar ou aconchegar a auto-estima, como uma obrigação. E muitas vezes sinto que quando me dizes a mim é só essa a razão. Se não for, é porque estás a falhar em demonstrar. Estou cansada de ser tua mãe, de te ter em casa como uma criança a quem é preciso dar orientações do que se deve e não deve fazer, a quem é preciso lembrar das obrigações, a quem tem de se ensinar, vezes e vezes sem conta, para não estragar isto e aquilo, para arrumar o que se desarruma, para terminar o que se começa. A quem é preciso dizer para lavar os dentes, para apagar a luz, para arrumar os brinquedos. Tantas vezes já te disse que preciso dum homem adulto a meu lado. Adoro os nossos momentos de infantilidade conjunta, mas é insustentável viver com uma criança a tempo inteiro, se esta criança de 40 anos for a pessoa com quem queres envelhecer. E envelhecer em conjunto, ter uma vida em conjunto, significa partilhar o que é bom, o que é mau, o que é chato, doloroso ou precioso. É dar espaço e estar sempre presente, é ser um porto seguro mas também força motriz. Eu quero poder partilhar responsabilidades contigo, rir contigo, estrafegar-te de amor até magoar, correr mundo contigo, se calhar até criar uma família contigo. E também lavar a loiça enquanto apanhas a roupa e levar-te ao médico quando precisas. Mas espero o mesmo de ti. Espero que estejas disponível para me dares massagens quando me dói mais as costas, que me dês um beijo só porque sim, que limpes o chão sem ser preciso pedir por favor. Porque não é um favor. A casa também é tua, é onde dormes e tomas duche, é onde a comida aparece feita e a roupa passada. É onde está uma pessoa que te escolheu, a TI, e a mais ninguém, para lá viver, para sempre, com tudo incluído e quando já tinha desistido de acreditar que isso sequer fosse possível. Quero que me dês balanço para os meus vôos e que nunca me prendas os pés. Quero que queiras mais para ti porque mais para ti é mais por nós. Porque eu sei que juntos podemos tudo. Mas acho que tu ainda pensas que é demais. Que mereces menos, ou que eu não te mereço, nunca sei. Porque não me dizes. Partilhas pouco de ti, ainda não percebeste que assumo tão de frente os prémios como as falhas. Conheces todos os meus segredos, não escondo nada de ti. Sabes a que cheiro pela manhã, conheces o meu bom feitio nos seus extremos, e que sons me tiram do sério. Quero a minha parte, aquilo a que tenho direito. Porque também tenho direitos, não só obrigações inerentes, porque o amor e as relações não devem ser só dar nem sofrer e calar. Já tive disso e já decidi que isso não serve para mim. Se queremos coisas diferentes, se não tens disponibilidade emocional para mais, se tens medo, lamento, mas então não quero. Quero tudo, ou então nada. "De nenhum fruto queiras só metade."
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é muito subjectivo. Protestei tanto que não fazia sentido, nunca fez, e cada vez faz menos sentido. Mas já não importa porque fazer sentido nunca foi importante.
Depois de tanto que se passou sem se ter passado nada, voltei a reler as coisas tão bonitas que me dizias há tão pouco tempo. Parece que foi há décadas e permito a confissão das saudades de me sentir como me fazias sentir. Faz parte do exercício de exorcismo, passar por cima de cada ponto, remoer para escaqueirar e varrer porta fora. Medir a distância do que prometia ser ao que nunca foi - anos-luz! Em menos de um fôlego passei do tudo, dos planos e promessas, à transparência indiferente de coisa nenhuma; ao silêncio - obrigada pelo silêncio.
Prefiro mil vezes saber que sou nada à interrogação, às meias palavras, reticências e desculpas vazias. Não faz sentido? A indefinição é apenas mais uma forma de indiferença, de unilateralidade; é apenas mais uma violência.
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Adultério é uma palavra violenta e desnecessária como comprova “A Letra Escarlate” (“The Scarlet Letter” no original) de Nathaniel Hawthorne, que significa violação da fidelidade conjugal.
Deve ser defeito da minha mentalidade pouco progressista, mas faz-me espécie como alguém pode contratualizar algo que, à partida, é motivado por sentimentos. Ou seja, como se pode contratualizar o amor ou mesmo o afecto? Não compreendo e recuso-me a contratualizar uma promessa que não sei, e ninguém sabe, se será cumprida. Mas novamente admito que possa ser um problema do meu entendimento e até admito que possa vir a mudar de ideias.
A fidelidade é uma obrigação dos cônjuges. Não sou jurista, mas suponho que a quebra de uma destas condições contratuais possa ser fundamento para a denúncia unilateral do contrato. E pronto, podia ser tão simples quanto isto. Só que não é. A carga moral da infidelidade é pesadíssima, e como temos vindo a constatar entre o choque e a impunidade, com um diferencial muito grande entre géneros.
A meu ver, as relações sentimentais e sexuais não são matéria passível de estarem sujeitas a interferências externas. Cada qual deve fazer o que bem entender sem dar satisfações a partes não interessadas. Aliás, enquanto avaliação moral a fazer nestas matérias só defendo a verdade, até porque defendo a verdade acima de tudo. Se não houver mentiras nem segredos, nada a esconder, e ninguém se magoar, o que é que a justiça, a moral, a religião, a sociedade têm a ver com isso? [Podia discorrer sobre o tema, sendo previsível que o tema virasse para a apologia da poligamia e do poliamor, mas deixo para outra ocasião.]
Quem somos nós, qualquer um de nós, para limitar a liberdade dos outros?
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Escrevi uma vez, ironizando, que “as mulheres são todas putas, e o pior que os homens podem ser é filhos da puta”. Contudo, pondo a ironia de parte, é uma frase que reflecte bem a dualidade de critérios em vigor na sociedade portuguesa (e obviamente não só, mas fiquemos por aqui, para já). Quem diz dualidade de critérios diz também diferenças sociais, diferenças no salário, no acesso a oportunidades de trabalho e de liderança, na carga de responsabilidades sociais e domésticas e até no compasso moral da sociedade. Já alguma coisa mudou nas últimas décadas, mas muito mais falta mudar. As mulheres têm de parar de vir em segundo lugar. E têm de parar de ter medo de serem feministas como se isso fosse uma coisa má. Tem de haver responsabilização e a paridade tem de estar na agenda de todos os partidos políticos democráticos. Os tabus e os preconceitos têm de ser derrubados, a bem ou a mal. O Estado tem de ser o primeiro a dar o exemplo, mas como se vê, não é o que acontece.
Uma mulher, perseguida e agredida pelo seu ex-amante e pelo seu ex-marido, viu a sentença dos dois ser resumida a multas e pena suspensa, com as seguintes patéticas “justificações”:
“O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte."
Ficamos, portanto, a saber que:
a honra e a dignidade do homem são mais valiosas do que a honra e a dignidade (e a integridade física) da mulher;
o adultério é um crime mais grave do que perseguição, rapto, ameaças e agressões violentas (só que não está escrito na Lei);
foi a "deslealdade e imoralidade sexual" da vítima, e o facto da sociedade condenar fortemente o adultério da mulher que levam à compreensão da violência exercida pelo "homem traído, vexado e humilhado pela mulher";
os crimes passionais, quando cometidos por homens contra as mulheres, ainda têm uma margem de tolerância extra;
que ter sido perseguida, ameaçada e levado com uma moca com pregos não foi assim tão mau, porque noutro sítio podia ter sido apedrejada até à morte;
a Bíblia é uma fonte de jurisprudência;
há juízes bem conservados, que saíram do século XV e ainda estão em exercício de funções.
É inaceitável que o poder judicial perpetue as injustiças e violência contra as mulheres. Este juíz do Tribunal da Relação do Porto conseguiu não só colocar a culpa do lado da vítima, ou encontrar num caso extraconjugal a justificação para atenuar a pena criminal de dois agressores, como ainda colocou muita gente a beliscar-se para ter a certeza de que acordou em 2017. Além da urticária e asco profundo, isto causa-me uma série de dúvidas que gostaria mesmo de ver respondidas.
Com que direito se arrastam textos religiosos para ilustrar ou justificar um acórdão da justiça num estado supostamente laico? Como é que um juiz pode exibir, sem pingo de vergonha na cara, o seu fétido machismo e trazê-lo para a justiça, afectando directamente a vida de outras pessoas?
Pergunta ainda mais premente: quando é que este anormal vai ser demitido?