Magnetismo inevitável, talvez. Premonição, dificilmente. Mas um instinto aguçado, do qual duvidavam demasiadas vezes, dizia-lhes quase tudo o que precisavam saber. Ele captou-lhe os aromas de desafio na voz pequenina de veludo e chilreios; na talhada de verdades em betão, a promessa de transpor, de punho em riste, os seus muros e arames farpados para o encontrar do outro lado, inteiriço e solto, liberto no remoinho de que se vai cansando de ser. Ela cumprimentou-o com a familiaridade de quem galgou os séculos a seu lado, vendo-lhe tudo sem nunca o olhar, sem saber que cada um existia de verdade e na certeza estridente que é a dos argumentos de romances perfeitos que se colam à alma e a moldam, a definem como um destino. Ele soube que no seu colo de rola encaixavam os risos e os medos pendentes de permissão, que as suas tempestades, alvoroços e calmarias etéreas cabiam todos entre os braços e pernas tão caseiros daquela morena de olhos turvos, que lhe afagaria todos os gritos emaranhados nos cabelos e que ao sangue dela pertencia, líquido e solúvel por todo o corpo. Evitou os atalhos e disparou um arsenal de flechas ao epicentro do alvo, seguro e certeiro. Ela só estremeceu; fez algumas tentativas de expulsar as setas inquinadas do coração calejado, insistiu até se render à enormidade da cratera que a engolira inteira, de dentro para fora. O vestido remendado da vidente mística, guardadora de segredos e artesã de narrativas redondas, não resistia a cair num só sopro, gesto resoluto e acérrimo, perante o olhar encantado e as mãos gulosas daquele estranho que lhe nascera em rompante de cravos a florir no peito blindado, qual bomba atómica que arrasa os tempos do antes e do depois, semeia só poesia e beijos prometidos em mares chão. Ofegavam, ambos, tingidos por um desejo desastroso de escapar aos contornos castradores das dimensões reais e palpáveis, das impossibilidades que os continham quedos, mudos, agrilhoados.
Passaram duas vidas inteiras a fugir da palavra Amor, como verbo de amar em surdina contínua, como sentença em pena suspensa, como almas penadas a quem os paraísos de passear de mãos dadas e de abraços demorados estão interditos para a eternidade. Depois das fugas com pés descalços nas rochas escarpadas de lâminas cruéis ou nas areias escaldantes dos mais áridos desertos, pulavam para tapetes de bonança e aconchegavam-se com cobertas de ternura e mantos de promessas de nunca mais.
Não conseguiam evadir-se juntos para a terra dos sonhos, cativos que estavam de galáxias apartadas e unidas pelo éter em que se soltavam nomes como âncoras definitivas, pesadas, graves. Boiaram numa jangada imaginária, à tona do mundo, com sonhos por leme, até serem despedaçados por procelas e tormentas grotescas, ignescentes distâncias e ausências.
As palavras às vezes feriam como relâmpagos arremessados contra o casulo de aço e gelo em que ele se encolhia, impotentes mas ruidosas, ecos dos enigmas que ele largava em molduras ferrugentas de paisagens oníricas nunca palpáveis. Ela enlouquecia e arfava de dor com as reticências passivas e os silêncios que lhe lia nos olhos, os beijos retidos, só desenhados no ar. Uma vez achou-se perdida no sorriso de luz que crepitava no lado oposto da sala e sentiu-se a queimar, dissipada, prostrada em cinzas. Terminou naquele instante a sua liberdade de ser outro alguém, de emergir noutra pele renovada, de aprender a viver de outra forma que não nas palavras que ficaram sempre por dizer.
Ouviram as mesmas canções no ombro um do outro até serem consumidos pelo tempo e pela erosão da finitude. Exorcizaram as distâncias soluçadas em sílabas a gotejar em par e permaneceram enleados de verbos e adjectivos, sempre parcos, insuficientes até para delinear os contornos mais desmaiados de um Amor desfocado, a dois tempos, duas faces umbilicais e contrárias da mesma lua destemida e desfigurada. Cumprindo a profecia, permaneceram até ao fim dos dias unidos, um dentro do outro, e isolados, separados pela vida.
Não encontro uma tradução que me agrade e que me sirva da palavra inglesa dismissive. As sugestões de tradução incluem desdenhoso, depreciativo, arrogante, rejeição, "não ligar nenhuma". Mas o dismissal não é, com exactidão, nada disto. É um afastamento intencional decorrente da falta de atribuição de importância ou atenção a uma ideia ou pessoa. É não ser levado em conta ou a sério o suficiente. Diria que se aproxima mais da demissão de uma importância ou relevo que se teve e deixou de ter ou que nunca lhe foi atribuída. É ter noção de que algo está presente sem dar sinais de reconhecimento dessa presença, como os pais que fingem ignorar os filhos que clamam por atenção, ruidosa e repetidamente. Só que não é ignorá-los, porque estão a ver e ouvir as crianças, estão a sentir os puxões nas calças. Só escolhem não lhes dar importância, "não passar cartucho". Para mim, isto precisa de ter uma palavra dedicada. É um comportamento desmissivo, uma atitude desmissiva.
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I gave up on you a number of times. Each one, you stopped me. You made promises and begged me not to walk out the door. A few times, I was just so tired of the loneliness, of the emptyness, of the distance, that Ireally did walk out the door. And you came and get me later on. And again, the promises. I tried, so very hard, to believe you. I did for a while. Then I just kept waiting for a miracle. And the miracle never happened. I was so tired, so hopeless... I tried every way to make you stop me from giving up on you.
And then you gave up on me and opened the door.
Someday, when I'm strong enough, I'll write everything and call it a screenplay. A mad woman will play me and a shallow man will play you.
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Chorei tanto;
Conheci pessoas de quem gostei;
Criei uma pasta no PC chamada “Gajas 2011”;
Deixei cair uma omelete no chão;
Esperei por um idiota que não chegou;
Fui fotografada com uma SuperBock em frente à tromba cara;
Fui fotografada nO vestido azul;
Consegui dizer aos meus pais coisas que nunca tinha dito;
Quebrei a dieta inúmeras vezes;
Constatei que perdi mais de 1Kg desde a semana passada;
Lanchei bolo-rei ainda morno;
Jantei abacaxi;
Desejei um abraço que não foi dado;
Bati (com força e vontade) em alguém;
Senti o coração parar;
Senti o coração bater como um tambor;
Bebi ginjinha com elas;
Constatei que nunca fui realmente amada por um homem;
Recebi sms dum ex-namorado;
Parti uma gilette;
Senti-me completamente enlouquecida;
Reflecti muito sobre o conceito de perdão;
Abanei fortemente alguns dos pilares por que sempre me defini;
Comprei mais anéis do que os dedos que tenho;
Adormeci no caminho para casa;
Bebi champanhe pela(s) garrafas(s);
Descobri mentiras terríveis;
Chorei a ouvir Lhasa;
Chorei a ouvir Tindersticks;
Chorei a ouvir Caetano;
Chorei a ouvir-me chorar;
Estive noiva;
Comprei tabaco e fumei-o com gosto;
Chovi;
Jantei com alguém que adoro;
Ainda não almocei;
Fui a um hospital;
Ri até me doer a barriga;
Desejei profundamente adormecer e não voltar a acordar;
Tomei ansiolíticos e anti-depressivos;
Rompi o noivado;
Encontrei conforto em pessoas que nunca vi;
Esbarrei no metro com a pessoa de quem mais senti saudades e que era a última que queria ver;
Sonhei com cajús;
Li Ruy Belo, citei Ruy Belo;
Detestei o poema das luvas;
Comecei a planear viagens com amigos de sempre;
Comecei a planear viagens com quase-desconhecidos (outra vez);
Revi amigos muito queridos;
Discuti com a chefia e sugeri que me despedisse;
Odiei a minha mãe;
Bebi demasiado, várias vezes;
Passei dias inteiros sem comer;
Estive 48h sem dormir;
Recebi notícias dum amigo que está longe e não bem;
Andei sempre de saltos ou de chinelos;
Sangrei;
Acabei com o blogue;
Decidi deixar de esperar;
Recebi presentes;
Ainda não bebi café;
Encontrei por acaso um querido amigo com quem não falava há anos e achei que ele mantém o sorriso e o espírito puro que tinha aos 14 anos;
Fui apanhar chuva na cara porque me apeteceu;
Beijei o maior amor da minha vida;
Andei a pedir prozac emprestado;
Constatei que de entre tantas ideias estúpidas a pior terá sido fazer limpezas com as calças de fato vestidas;
Pensei que estava a viver um pesadelo distante da realidade;
Perdi toda a esperança;
Descobri verdades que nunca ninguém me tinha contado;
Andei todo o dia com umas calças azuis que pensei que eram pretas;
Ainda não conheci o meu sobrinho-perú;
Esvaziei uma casa de todos os meus pertences;
Quis tanto acreditar nas cartas da Maya;
Gastei 8 pacotes de lenços de papel em 3 dias;
Fiz reclamações a 3 entidades prestadoras de serviços;
Apaguei cartas de suicídio;
Dei notícias de esperança a quem não espera nada de mim, e menti ao fazê-lo;
Descobri que pareço estar imune às propriedades terapêuticas do etanol;
Contei todos os meus problemas a alguém que conheço mal numa casa-de-banho;
Parece que se calhar não acabei bem com o blogue;
E ainda só estamos a dia 6. 2011 promete...
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Karma. I rest my case.
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Hoje já me ri. Acho que não ria há demasiado tempo. Sacanas das coincidências. E já partilhei coisas muito minhas. Visitei de fugida o passado e pus-me a pensar nas surpresas que vão caindo do céu.
Esta sensação de premonição-barra-ansiedade-barra-está-um-santo-para-cair-do-altar, instalada há demasiado tempo, não desgruda nem rebenta. As nuvens tinham cores invulgares, azuis, castanhos, laranjas. Não era nada disto que vinha cá dizer.
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Sim, continuo a sonhar acordada com uma cena digna de filme, vista de bem perto, mas ao lado.
Ela chega a casa mais tarde do que o costume, desejosa de um duche e do conforto do sofá. Está alguém de pé, junto à porta, de costas. Ela sobe os degraus com a chave na mão e prepara-se para evitar contacto visual com o suposto vizinho ou visita de vizinho. Ao aproximar-se, reconhece a posição, as pernas, o casaco. O coração tenta saltar pela boca no momento em que esta ia começar a balbuciar um “boa noite” tímido e incógnito. Não chega a dizer nada. Ele vira-se e os olhos dele encolhem, de surpresa, alívio e terror. “Pensava que não me querias abrir a porta. Boas noites.” “O que estás aqui a fazer?” – responde ela com o tom mais seco que consegue e a chave ainda imóvel a meio caminho da fechadura. E são as últimas palavras que trocam naquela noite.