Era mais um primeiro dia, adiado há meses por todos os travões que compõem as fugas. Era, como sempre, o Rossio que ampara encontros e desencontros. Era mais uma ginja, daquelas que deviam dar desculpa à língua para se soltar.
Era a cabeça às voltas com as inevitabilidades de fins e começos de motins internos, de desarranjos emocionais. Era a chuva nos óculos dele e um regicídio por celebrar. Foram palavras hesitantes e atrapalhadas, banalidades, sorrisos e silêncios dentro do olhar que diziam muito mais. Havia ali uma estória por ser escrita, a termo incerto.
Novamente, o Rossio. Novamente uma ginja desencontrada e um ano mais sobre o regicídio que abriu portas à República. Novamente, silêncios entre a chuva e decisões idiotas a serem tomadas com parcas palavras, que dos silêncios distantes de uns se fazem as aproximações de outros. Feridas abertas precisam de pensos rápidos quando a negligência já não chega para estancar.
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Não me agradeças o amor. Não é um embrulho finito e contido, delimitado e enfeitado com um laço. O amor que te tenho não cabe em envelopes ou caixotes, sequer nas palavras todas do mundo, sequer em todas as canções que batem ao ritmo do coração, ou nas chuvas ou ventos ou mares que não conhecem contestação. O amor que te tenho é o momento do Big Bang, do nada de que nasceu o tudo, o infinito, a perpétua expansão. É o fragmento de tempo em que o colibri de asas frenéticas parece imóvel e é o néctar que o alimenta. O amor que te tenho inunda galáxias e condensa-se em cada beijo que fica por dar, em cada página em branco, em cada resposta que espero de coração nas mãos como bomba-relógio e nunca chega.
O amor que te tenho não to dou. Não assim, com uma etiqueta a chamar-lhe amor de mim para ti, que não me revejo nem me quero acreditar. Não to ofereço em bandeja de prata junto com o meu coração ressequido embrulhado em picos de cacto e de arame farpado, que esse já é teu desde que o tocaste e te feriste nele - com as farpas entaladas nas carnes, nunca mais o quiseste nem me deixaste retirar as farpas, que manténs para que me doa mais a mim, penitência retorcida. Se to dou, ao amor, a meias palavras divagadas, em esquissos insinuados no ar, é por saber que não o retribuis, que não podes, ou não sabes, ou não o tens dentro de ti com o meu nome. É por morrer na espiral vazia e turva em que me afogo quando não chega um sinal, quando me fechas a porta no "obrigado" que quer dizer "já chega", "não é preciso, que o inverso não é verdade". Não consigo respirar no excesso de ar que colocas nas frases vagas que me atiram secamente para longe, com força, mas sempre presa no fio da navalha. Se to dou em avalanche bruta e devastadora é para te manter à tona, para te resgatar, é para eu não me perder quando são os teus lábios que me queimam em bocas que não a tua, quando o teu calor ausente da memória, que nunca senti, me assalta de olhos fechados na procura que tacteio à flor da pele nos outros homens.
O amor que te tenho dói por me rebentar cada célula em que não cabe, é excessivo, é lascivo, é ácido que me consome por não o poder derramar em ti, destrutivo, redutor do íntimo, só o esqueleto a segurar o que as tripas criaram. Pudesse eu salvar-te, roubar-te para mim, levar-te para longe quando chove dentro de ti... Pudesse eu chorar todas as tristezas por ti, pudesse eu completar o que te falta, recolher-te as cinzas do restolho, fazer-te inteiro e viçoso, ainda que para de novo me escapares verde por entre os dedos, para os braços de outra mulher mais tua, mais serena, simples, amena. Pudesse eu fazer cola deste amor que não se diz para te despegar de mim e deixar-te a navegar coeso nos mares altos, de vela rasgada ao vento sem saudades de mim.
O amor que te tenho é todo de maiúsculas escritas por todo o lado a tinta invisível e permanente. Podes lê-lo na minha voz muda, nos meus gritos de desepero por terror de te perder, em qualquer esquina de desejo, nos poemas que te envio em aviões de papel, nos braços vazios com o teu encaixe perfeito à espera, nos sorrisos pequenos que me geras, nas torrentes de lágrimas que nunca me apaziguas.
O amor que te tenho é sujo, é sangue, é esperma, é vernáculo profano gemido aos teus ouvidos na pureza dos nossos corpos que já não se lembram de se tocar. É um amor pristino, virgem, cândido como o riso cheio de uma criança que desconhece o mal. É um amor elástico, que se expande e alcança também os teus amores, frutos e raízes de ti, sem razão ou explicação outra que não seja o amor honesto por procuração, por encontrar-te espelhado e projectado nas sombras em que és inteiro.
O meu amor quer lamber-te as feridas e sossegar-te as inquietações, quer ser farol para as noites de tempestade e colar os cacos que foste perdendo por entre as gavetas empoeiradas de segredos vis. Este amor que te tenho não existe sem perdão. Nem existe sem um sonho tantas vezes subentendido de fugas sem amarras, rumo a uma liberdade de certezas absolutas, de cravos sem âncoras, de poesias excessivas, de doçuras e meiguices, de risos estapafúrdios.
Suspeitamos, tu e eu, que neste amor danoso não vai vingar uma estória feliz, que nenhum de nós se permite tamanha benesse. Insistimos em contornar os passos em falso, agarrados à improbabilidade das palavras que não são ditas um dia se materializarem em cadência, a arrumar o mundo e a devolver cada amor ao seu devido lugar.
É que este amor que te tenho não tem margens, não tem tamanho ou duração, não tem travões nem condições nem senãos, é uma presença física, opressora, que se respira e expele, que me cansa e me gasta. O meu amor persegue-me e encontra-me sempre que me escondo ou finjo não o vislumbrar pelo canto do olho, sempre que o tento negar. Este amor que não te digo para não te ouvir um não, este amor que é meu é teu também. Este meu amor que existe, que manda recado a dizer que resiste, pede uma fagulha incendiária que o termine, que o arrase, que me solte desta prisão. Mata-me, meu amor, mata este amor antes que morra na negação.
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As paredes meias são intransponíveis, frias, espessas, rudes. Gritam distâncias, cilindram qualquer aproximação luminosa. É difícil, é longe, não se consegue fazer ouvir do outro lado do muro. São franjas de alegrias francas penduradas nas molduras tortas, lá longe no tempo de fogueiras e sorrisos, de encontros e beijos furtivos, são mágoas penduradas nas esquinas, a lascar a tinta, a fazer sombra.
E é o castigo de ter tão dentro quem está longe e os dedos quase se aquecerem, entrelaçados nos sonhos e nos dilúvios da alma a desabar. Os abraços semeados nas entrelinhas, que fogem, com as letras todas menos algumas.
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"Sou ridículo" constatou ele já prestes a iniciar uma viagem igual a tantas, um regresso a casa repetido tantas vezes, embalado pela ondulação da maré. Nunca com uma percepção tão clara do próprio absurdo. Em casa, à sua espera, estava a pessoa mais fantástica que conhecia, a quem amava sem limites, que podia definir como lar, que habitava intimamente, que partilhava consigo cama, mesa, planos, risos e segredos. Tinha acabado de despedir-se com beijos nos lábios e sorrisos sinceros, sempre espantados com a sorte, de uma mulher fascinante, que admirava tanto, que o encantava como serpente hipnotizada por uma flauta mágica, tesouro ofertado pelo acaso. E, idiota, com imerecida fortuna dupla guardada no coração, continuava a deixar-se cair, lamentando a ausência de outra, complicada, difícil, problemática, inconstante, que o dispensava em indiferença ou o afastava com espigões nos pés. Ridículo, sabia bem que ela não queria realmente saber dele, que o usara para preencher vazios que não havia sido ele a causar. Ridículo, por saber desde o primeiro instante que aquela mulher, com o seu discurso assertivo, com os fascínios que lhe confessara e com tantas diferenças na expressão dos mesmos exactos pensamentos, só podia trazer-lhe mais um nó no coração. Resistiu, como sempre faz quando reconhece de imediato uma alma que é parte de si. A imagem do seu inverso complementar reflectida no espelho ofende como um embrião no útero, como uma colonização de um espaço privado que não se está preparado para partilhar. Recusou, rejeitou e, como sempre, acabou por não conseguir lutar contra as evidências. A partir do momento em que se torna impossível passa a ser o que mais se deseja. Era impossível, pelo menos quase sempre, a aliança no dedo anelar dela não deixava margem para enganos. Mas por vezes vislumbrava uma frecha de luz, quando ela se distraía e deixava escapar que gostava dele, ou que queria fugir com ele, ou soltava alguma expressão inesperada de afecto. Logo de seguida regressava o breu, amiúde tapava as frechas e tudo voltava a ser um novelo de suposições emaranhadas; ela corrigia-se, não sabia como gostava, ou quanto gostava, ou até quando gostaria. Frechas distraídas não iluminam uma vida. Sabia que era ele a companhia assídua desde que à distância, provavelmente não a única, provavelmente apenas uma muleta para a auto-estima dela. Sabia também que o que era impossível para si não parecia ser para outros. Consigo tudo era difícil, complicado, problemático e constrangedor. Mas com os outros todos fazia-se simples, as oportunidades surgiam, nenhum impedimento ou urgência interrompia coisa nenhuma. Os outros cabiam nas fotografias, nos destaques, tinham risos e elogios. Cláudio era mantido à parte, como um segredo, aparentemente insignificante. Sabia que só existia na vida dela enquanto houvesse tempos mortos e protagonistas ausentes. Tentava evitar questões, definições e comparações, sabia que qualquer coisa que se assemelhasse a pressão, na cabeça dela, era mote para mais uma fuga. Quanto mais ele a amava, mais ela se afastava. Contudo, às vezes perdia-se no embalo de conversas a meia luz com o coração pendurado no tecto e confessava poesias pontuadas com amor. Ela virava-lhe costas. Tantas, demasiadas vezes. Ele prometia ficar e ficava. Ela desejava com mais força cortar os laços do que dar-se um instante. A sua especialidade era fugir, desaparecer, calar. Virar costas só a quem nunca lhe virava costas a ela. Cláudio sabia de tudo isso, sabia todas as histórias do início ao fim. As mulheres da sua vida também sabiam tudo dele. A única coisa que Cláudio não sabia era como despir aquele amor impossível, pesado como chumbada no peito, de tão grande e asfixiante.
Um dia Cláudio despediu-se. Deixou tudo organizado, antecipou cada problema e questão e respondeu a todas as perguntas que considerou importantes. A ela deixou os livros, para que neles fosse encontrando pedaços dele. Morreu com a esperança de um dia, quando fosse já tarde demais, ela sentir falta dele. O contentamento desse arrependimento improvável em forma de vingança ornamentou o cadáver com um esboço de sorriso. Sob os dedos abertos que cobriam o lado esquerdo do peito, onde um coração vadio tinha batido com fulgor antes de ser abandonado, as cartas, cuidadosas e sem esquecer ninguém. A ela deixou escrito: "Foi sempre amor verdadeiro deste lado. Insustentável por ser tanto, transbordou por não ter por onde escoar."
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Os abraços, os prometidos que nunca senti e os tantos que vou enviando em silêncio, acumulam-se no caixote dos amores impossíveis, negados, aleijados. Não correspondidos. Vou tentando sentir na pele algum calor que me erice os pêlos, a tua presença em que preciso de me embrulhar. Imagino os teus braços a conterem-me por inteiro. Encostar a cabeça ao teu peito e ouvir-te sem dizeres uma palavra. Sentir o teu coração a sossegar, finalmente, na paz do tanto bem que te quero e os teus lábios cheios a declamarem irrealidades só nossas. As minhas mãos exploram as tuas, amam-te a cada centímetro, desfolham os teus segredos indizíveis. És bonito, tão bonito. Repito baixinho que viver nesse teu sorriso bastar-me-ia. É um sonho apenas. Nos sonhos podemos tudo, podemos até repetir os beijos mal ensaiados. Podemos ficar um no outro, podemos só olhar-nos nos olhos, profundezas de oceanos negros por explorar, podemos chorar de felicidade e fazer promessas novas, ilibando as antigas que nos apartam.
De volta à realidade, a tua presença distante não dá tréguas. A vontade que te tenho não se contenta com sonhos sem rédeas, as conversas que temos com as canções que dizem coisas que não podemos dizer não bastam para aplacar os vazios em que só tu poderias caber.
Cumpriria a mesma promessa mesmo sem ter prometido. Não seguirás sozinho jamais nem eu sigo sem ti. Abraça-me.
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Os silêncios têm sempre razão de ser. Nenhum prado fresco e verdejante se transforma instantaneamente em dunas áridas e escaldantes sem razão. Algum ácido se derramou e consumiu cada broto, cada semente; algum sal inquinou para sempre o potencial da terra; alguma sede sorveu até à última gota de orvalho. Adormeceu fértil e viçoso para acordar seco, quebradiço e defunto. Lamento. Não vou tornar a queimar as solas dos pés, sem rumo nem bússola, para esgravatar motivos à unha. Não tenho tempo nem motivação para peneirar toda a areia deste deserto, grão por grão, enquanto ela se move em ventanias e tempestades, fugindo e regressando em ciclos sem rumo. O sol estala e estorrica a minha pele fina, o calor ferve-me as intenções. A gretar os lábios que seja por beijar noites frescas e trocar palavras de língua, não mais por falar para te ecoar em paredes vazias, sem retorno.
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Ela não mente, tem uma incapacidade fisiológica de mentir, como se o soro da verdade lhe pingasse em permanência da supra-renal. Como ela gostava de saber mentir e calar! É por isso que ela só não responde se está perdida numa névoa qualquer. É por isso que precisa de espaço para gritar as dores e os amores. É por isso que não ignora se não fica indiferente.
É o pior dos defeitos, nunca deixa ninguém impune com aquelas lanças afiadas de verdade. Na ponta de ferro que entra pele adentro, coexistem todas as incongruências. Nos beijos, a mágoa; nas lágrimas, o desejo. Tudo na verdade do que se percebe e respira, entra no sangue como um veneno, sem antídoto, que só aos puros permite que se mantenham erguidos.
Transparente como o vento, essa miúda de intensidades descontroladas. Solitária, numa floresta de cadáveres verdes e desfalecidos aos seus pés.
Este eco que ouve ao fundo, será real ou a sanidade por fim a dar-se por vencida?
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Não me venhas espiar as sílabas, não. Continua a fingir que cessei de existir e segue sem o entrave que fui eu. Segue rápido e feliz e vive tudo o que procuravas na fuga de mim. Não me venhas tomar o cheiro quando em vez, saber se já morri ou me tornei em quem não reconheces. Não me visites amiúde, não te quero aqui. Não sintas a temperatura a ver se está frio o suficiente para não queimar, ou morno o suficiente para te tirar o gelo do coração. Não te escondas debaixo desse manto de invisibilidade presunçosa que, sabes, não funciona comigo. Não vás retirando sanções até te julgares no direito de apagar o passado. Não. Deixa o tempo passar devagar. Quando me sentires a falta, não de quem preencha a minha vaga nas funções, mas de MIM, virás. Nesse dia, ler-me-ás de rajada e recordarás cada momento como um tempo que cristalizou. Far-se-á Luz na caverna escura de ti e o degelo será um flash. Nesse dia, se o dia chegar, entornarás significados antigos que evitaste e tudo será claro e límpido como a verdade que te vai ensurdecer. E nesse dia vais procurar por mim. Em cada rosto, em cada palavra, em cada um dos pequenos vazios dentro de ti, em cada saudade que descobrires. Vais ensaiar aproximações, negociá-las com o medo da rejeição. Eu não sei onde vou estar. Só sei que não estarei onde me deixaste, naquele sítio onde cabiam o teu mundo e o meu, onde tudo estava por ser. Não vou regressar a esse sítio nunca mais. Não acredito em regressos. Só acredito no infinito e em mim.
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Há desejo de parar colado a cada músculo do meu corpo, incluindo (e sobretudo) o coração. Como se cada célula estivesse exausta e a pedir um sono profundo e regenerador. Desejo de descanso, de pausar agonias e desgastes, de ter tempo para secar as lágrimas, aquelas que não se vêem. Vontade de voltar as costas a tudo e de partir em paz, em silêncio, sem levantar uma folha do chão.
Não sou mulher de me quedar por empates nem prolongamentos. Que vá a penalties, com morte súbita. Travar um duelo de mim contra mim foi a mais triste das ideias que já me ocorreu, e aquela a que não tenho como escapar. A vontade de seguir contra a incapacidade de desistir, a necessidade de comandar o meu destino contra tudo o que sinto, contra tudo o que, por muito que negue, continuo a sentir. O meu reino por uma derrota! Qualquer que seja o lado vitorioso... Paz! Silêncio!
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O som dum silêncio chorado ainda me toma de assalto de quando em vez. Ainda me tem cativa nas memórias enleadas do desgosto. Um naipe negro e soturno que me esvazia o peito e invade os sentidos. Como falhas nos degraus que subo pela primeira vez, e parecem já tão desgastados pelo tempo. Como se nem nos sonhos mais obscuros a dor tivesse estes contornos tão profundos que parecem ter nascido comigo e estarem à espreita para jorrar finalmente em denúncia de mim.
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Podia ligar-te, para te ouvir a voz. Podia ficar escondida perto das escadas para te ver passar. Podia enviar-te como se por acidente um e-mail ou sms. Podia esbarrar em ti em tantas ocasiões. Podia inventar mil artimanhas para te fazer preocupar comigo, para te obrigar a pensar em mim. Podia dedicar-te músicas na rádio que ouves, podia colocar fotografias nossas em placards. Podia insinuar-me, podia tentar-te, podia pedir-te ajuda. Podia deixar-te recados por toda a parte, aqui, ali... Podia devolver-te um postal rasgado num envelope sem remetente, podia nesse envelope escrever o que quisesse. Podia perguntar por ti aos teus amigos. Podia espantar-te. Podia fazer-te chegar as novidades de mim, as decisões que tomei. Podia fazer passar um avião por cima da tua casa a implorar a tua atenção e o teu amor. Podia fazer-te sentir culpado. Podia suscitar a tua pena ou o remorso. Podia não evitar cruzar-me contigo, podia expôr-me para que soubesses sempre onde encontrar-me, podia estar acessível como sempre tinha estado. Podia muito mais. Poder, podia. Seria fácil, corriqueiro até. Mas não procuro saídas fáceis, não quero a tua atenção se não for genuína nem sentimentos de substituição aos que mereço. Recuso, como recusei os beijos falsos, lembras-te? Não quero nada de ti, se não for de verdade. Nem os pedidos de desculpas. Nem os pontos finais.
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São quase três meses sem ti. São quase dois anos contigo, com a certeza de que tu existes. Desde o primeiro fortuito encontro numa teia qualquer, as primeiras farejadelas disseram-nos que havia ali alguém interessante, com quem se pode conversar a um ritmo intelectual e emocional que poucos apanham, ou apreendem. Deve ter sido bom, repetimo-lo amiúde. Daí até aos almoços e programas improváveis foram dois passos, distâncias à parte. As distâncias para nós têm outro significado, não pesam, não afastam. Não arrastam nada no tempo, porque o tempo se molda a cada quilómetro ao ritmo a que o impusermos. Pode girar o mundo na palma das mãos mil vezes, não há ninguém igual. Nada foi comum nesta estória, na nossa estória, que já vai passando à história. Nem o começo, nem o meio, nem os interregnos, muito menos os recomeços. Sobressaltos e solavancos, nenhum dia terminava da mesma forma que começava. Repara que não falo em fim. Porque a qualquer momento espero um novo solavanco que vire tudo do avesso. Nada é definitivo, o nunca e o sempre são demasiado tempo. Tu disseste nunca, eu disse nunca. Mas tudo pode sempre mudar. Personagens que entram e saem, alguns, que devem estranhar estes estranhos universos onde as regras parecem não se aplicar. O tempo vai passando ao contrário e o espaço encolhe em vez de expandir. Pequenino, este casulo de mim onde não chega só a memória de ti. Os acasos, provocadores, ironias talvez.
Não me peças para esquecer-te.
Nunca deixarás de fazer parte de mim. Nunca.
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Já aqui tenho falado na minha necessidade extrema de verdade. Mesmo sabendo que posso estar a magoar alguém, ou a mim própria, mesmo vendo nitidamente as vantagens de me deixar ficar calada, mesmo sabendo que dar opiniões quando ninguém as pediu pode ser um abuso que coloca pressões nas liberdades alheias. Ferve-me sob a pele tudo o que penso e tenho de expulsá-lo, na hora, nem consigo deixar para depois e dar espaço e tempo para as ideias assentarem, amadurecerem e quiçá mudarem. Porque esta obsessão com a verdade e a fidelidade tem consequências e faz estragos. Quando decido alguma coisa, nada, mas é que mesmo nada, me faz demover. Posso ter todas as provas reunidas à minha frente a dizer que aquela decisão não é a melhor, que vai dar n problemas, que é simplesmente má ideia. Mas sou tão obstinada e faço tanta questão de ser sempre, sem excepção, mulher duma palavra só, que ainda dando a mão à palmatória e admitindo que estou redondamente enganada, não volto atrás. Se digo que irei por aquele caminho, que ninguém duvide, irei. Se me comprometo a fazer uma coisa, venha o que vier, razões, argumentos e obstáculos, farei. Morta de vontade de ir, dizer e fazer, se usei a palavra nunca, nunca irei, nunca direi e nunca farei.
Sofro, deixo passar oportunidades, e deixo lágrimas a escorrer. Mas de alguma forma, consola-me saber que esta sentença de carácter faz de mim uma Mulher grande, Honesta e Pura. Ostento, com orgulho (que os pecados capitais são para os crentes), um coração límpido e transparente, onde cada falha é obviada. E falhas, tenho muitas. Mas qualidades tenho muitas mais.
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A mozzarela de búfala explodiu no frigorífico. O dentista mais fofinho (até hoje) diz para não abrir tanto a boca (e chama-me querida, faz festinhas e dá beijinhos, mais os sorrisos na moldura barbuda e os olhares intelectuais quando lhe respondo com palavreado científico). Mal sabe ele dos excessos da mente que nem chegam a sair boca fora, ninguém os quer ouvir. Trambolhão que me deixou com severas dificuldades em subir e descer escadas.
Pensamentos nas ausências do passado e do futuro. Quão frágeis somos, de corpo e de alma. Lá fora, a chuva. Vontade de fazer disparates que podem custar caro, mas a vontade está cá, a espicaçar, a provocar. Não tenho medo da chuva. Molha, mas nem tanto. Ah, mas ajuda a escorregar. Os disparates não eram necessariamente para fazer à chuva. Podia ser em frente da lareira. Ou no fim do mundo, ou na lua, desde que com ele.
A psicoterapeuta admite que concorda comigo, mas ainda insiste que devia ir à procura do que não quero encontrar. As fotos ficaram bem mais giras do que imaginei. Sem vontade dos doces natalícios, excepção feita a uma ou outra azevia de grão (com pouca canela). A avó do falecido faz umas azevias como eu gosto, inundadas de canela e limão. Afinal sempre tenho ainda transtornos com a separação.
Litradas de chá quentinho.
Mas o que fazia falta era um tubinho de Hirudoid. Ai...
*não se espera nada mais, e ainda nem toquei no moscatel.
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A música que toca quando te vejo
O modo como rimos juntos
Doer no peito cada dor tua, mesmo as que me magoam mais a mim
Sentir que conhecer-te foi das maiores dádivas que o Universo me podia ter dado
Rever o teu sorriso nos poemas do Eugénio
Guardar cada abraço como um tesouro
Colocar todos os males do mundo em “pause” quando a tua mão procura a minha
Partilhar aventuras contigo que mais ninguém partilharia
O código do meu cadeado ser a tua data de nascimento
Os lírios, tristes, de cada beijo
A ternura com que te ajeito o cabelo
Dar-te impulsos para voar em vez de te querer prender
Acordar a sorrir porque estavas a meu lado
Desde o dia em que te conheci, seres um “brilhozinho nos olhos”
Ter-te dito, com o mesmo espanto com que o assumi, quando descobri que a Paixão por ti havia marcado a minha existência
Passares a mão na minha anca e dizeres “assim deixas-me maluco”
Sonhar que o inimaginável é possível, contigo
Atirar-me dum avião contigo
Chorar à tua frente, chorar contigo e por ti
Despir-me à tua frente
Ser-te sempre honesta e verdadeira
Equacionar-te para pai dos meus filhos
O inegável carinho
Partilhar a minha escova de dentes contigo
Ter pedido que te dessem a ti a oportunidade que também te pedi
Ser acordada pelo teu desejo
Fazer um test-drive contigo
Ver filmes indianos contigo
Fazer Amor contigo
Falar contigo de tudo, como se fosse só comigo
Dar beijinhos nas tuas feridas para que sarem mais depressa
Massajar-te os pés
Ter escrito sobre ti num dos jornais mais lidos no país
Adorar o teu rabo, as tuas bochechas e as rugas nos cantos dos olhos
Pedir-te, de coração aberto, uma oportunidade de provar o quão felizes podemos ser juntos
Comermos gelados juntos em três continentes diferentes
Dedicar-te uma música na rádio
Fazer uma aposta no euromilhões por ti, e a chave ser premiada
Tu gostas de doces, eu sou doce e chamo-te docinho
Ter sido tomada por tua namorada ou esposa mais que algumas vezes
Gostarmos das mesmas coisas
Termos o mesmo sentido de humor
Apoiares-me em todas as aventuras tresloucadas, e vice-versa
Defender-te quando um amigo tem vontade de te partir a boca para me defender a mim
Terem-nos desejado "a happy married life"
Dares-me à boca a tua comida para eu provar
Ser a primeira pessoa a quem recorres quando precisas dum favor ou dum ombro
Vermos a Via Láctea e estrelas cadentes de mãos dadas, deitados nas dunas
Amar-te incondicionalmente até que o Sol deixe de nascer
Motivos para te esquecer, sei-os de cor. São mais que muitos. Repito-os todos os dias, sempre que o pensamento resvala para ti. Percorro na memória tudo o que me disseste, cada uma das palavras mais cruéis que se pode ouvir. E oiço a voz da razão, da lógica, de cada amigo que me ampara e aconselha. E sei que consigo, nunca duvidei. Não são as forças que me falham, não é a razão, nem a ausência de esperança, que essa vais destruindo até só faltar um último pedacinho.
Culpar-te, por insistires, por não me deixares morrer em paz na tua vida, por me procurares, depois de eu dizer não mil vezes. Culpar-te, por seres assim, surreal, ideal, perturbado, como eu gosto. Maldizer o dia em que ouvi o teu nome e cada um dos mil acasos que te trouxeram a mim. Não adianta e eu sei que não. Hoje, não. Por muito que o amor seja o sentimento mais forte do mundo, por muito que eu desse tudo, tudo, por ti. Não posso convencer-te que me amas. Nem quero.
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Dizia-me alguém um dia da semana passada, por entre as sombras da cidade a anoitecer, que no alcatrão também nascem flores. Não duvidei, como nunca duvido que a força da vida seja maior que tudo e que vença quantas camadas de vis obstáculos se lhes surja.
Não me recuso a florir sob um Sol menos quente, estejam as nuvens alinhadas de modos apetecíveis. Nem me resigno a estagnar e empedernir. As grandes certezas que me sustentaram a vida toda estão a ser substituídas por dúvidas. Os dogmas abalados, um por um. O tom imperativo a ser substituído por reticências. Estou a suavizar-me, e bem precisava, que as cascas ásperas não repelem só os toques indesejáveis e não têm de ser sempre os outros a desbravar terreno por entre o mau feitio para chegar ao núcleo de mim. Estou, devagarinho, a deixar de ter vergonha de ser quem sou, a expôr-me, a deixar cair o pano. Sim, sou ultra-sensível e comovo-me facilmente, tenho feridas que doem quando se lhes põe sal, tenho complexos de sobra, gosto mais de pessoas do que admito, sinto saudades de quem já não está, sou de carne e osso, falível e fraca, talvez venha até a descobrir alguns medos. Nem sempre tenho os pés assentes na terra e sonho acordada com as coisas mais simples, gosto de atenção masculina e de ser mimada.
Obrigada, R., por tentares com tanta convicção tirar-me o resto da casca. E pelo gelado numa noite fria. Por me fazeres sentir que não sou sempre à prova de bala. Mas entende que eu serei sempre eu, nunca quem queres e imagines que seja. Sou diferente de quem imaginas, sou pautada por sentimentos, princípios e convicções maior que a tua e a minha vontade juntas. E da minha vontade já falei. O que será de nós amanhã ninguém sabe. Mas eu sei que o meu lugar não é aí.