Tomada por um torpor paralisante, por mais que esprema não me saem as letras que quero dizer. Sei que por mais rodeios em que apanhe boleia, é a ti que vou ter, como sempre, desde sempre. São os teus olhos que me calam, que já não sei mais o que lhes contar.
Consegui dizê-lo pela primeira vez, escorreita; professei o meu amor com todas as letras e de viva voz. Sem abafar o eco que nunca sai destas paredes.
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As paredes meias são intransponíveis, frias, espessas, rudes. Gritam distâncias, cilindram qualquer aproximação luminosa. É difícil, é longe, não se consegue fazer ouvir do outro lado do muro. São franjas de alegrias francas penduradas nas molduras tortas, lá longe no tempo de fogueiras e sorrisos, de encontros e beijos furtivos, são mágoas penduradas nas esquinas, a lascar a tinta, a fazer sombra.
E é o castigo de ter tão dentro quem está longe e os dedos quase se aquecerem, entrelaçados nos sonhos e nos dilúvios da alma a desabar. Os abraços semeados nas entrelinhas, que fogem, com as letras todas menos algumas.
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"Sou ridículo" constatou ele já prestes a iniciar uma viagem igual a tantas, um regresso a casa repetido tantas vezes, embalado pela ondulação da maré. Nunca com uma percepção tão clara do próprio absurdo. Em casa, à sua espera, estava a pessoa mais fantástica que conhecia, a quem amava sem limites, que podia definir como lar, que habitava intimamente, que partilhava consigo cama, mesa, planos, risos e segredos. Tinha acabado de despedir-se com beijos nos lábios e sorrisos sinceros, sempre espantados com a sorte, de uma mulher fascinante, que admirava tanto, que o encantava como serpente hipnotizada por uma flauta mágica, tesouro ofertado pelo acaso. E, idiota, com imerecida fortuna dupla guardada no coração, continuava a deixar-se cair, lamentando a ausência de outra, complicada, difícil, problemática, inconstante, que o dispensava em indiferença ou o afastava com espigões nos pés. Ridículo, sabia bem que ela não queria realmente saber dele, que o usara para preencher vazios que não havia sido ele a causar. Ridículo, por saber desde o primeiro instante que aquela mulher, com o seu discurso assertivo, com os fascínios que lhe confessara e com tantas diferenças na expressão dos mesmos exactos pensamentos, só podia trazer-lhe mais um nó no coração. Resistiu, como sempre faz quando reconhece de imediato uma alma que é parte de si. A imagem do seu inverso complementar reflectida no espelho ofende como um embrião no útero, como uma colonização de um espaço privado que não se está preparado para partilhar. Recusou, rejeitou e, como sempre, acabou por não conseguir lutar contra as evidências. A partir do momento em que se torna impossível passa a ser o que mais se deseja. Era impossível, pelo menos quase sempre, a aliança no dedo anelar dela não deixava margem para enganos. Mas por vezes vislumbrava uma frecha de luz, quando ela se distraía e deixava escapar que gostava dele, ou que queria fugir com ele, ou soltava alguma expressão inesperada de afecto. Logo de seguida regressava o breu, amiúde tapava as frechas e tudo voltava a ser um novelo de suposições emaranhadas; ela corrigia-se, não sabia como gostava, ou quanto gostava, ou até quando gostaria. Frechas distraídas não iluminam uma vida. Sabia que era ele a companhia assídua desde que à distância, provavelmente não a única, provavelmente apenas uma muleta para a auto-estima dela. Sabia também que o que era impossível para si não parecia ser para outros. Consigo tudo era difícil, complicado, problemático e constrangedor. Mas com os outros todos fazia-se simples, as oportunidades surgiam, nenhum impedimento ou urgência interrompia coisa nenhuma. Os outros cabiam nas fotografias, nos destaques, tinham risos e elogios. Cláudio era mantido à parte, como um segredo, aparentemente insignificante. Sabia que só existia na vida dela enquanto houvesse tempos mortos e protagonistas ausentes. Tentava evitar questões, definições e comparações, sabia que qualquer coisa que se assemelhasse a pressão, na cabeça dela, era mote para mais uma fuga. Quanto mais ele a amava, mais ela se afastava. Contudo, às vezes perdia-se no embalo de conversas a meia luz com o coração pendurado no tecto e confessava poesias pontuadas com amor. Ela virava-lhe costas. Tantas, demasiadas vezes. Ele prometia ficar e ficava. Ela desejava com mais força cortar os laços do que dar-se um instante. A sua especialidade era fugir, desaparecer, calar. Virar costas só a quem nunca lhe virava costas a ela. Cláudio sabia de tudo isso, sabia todas as histórias do início ao fim. As mulheres da sua vida também sabiam tudo dele. A única coisa que Cláudio não sabia era como despir aquele amor impossível, pesado como chumbada no peito, de tão grande e asfixiante.
Um dia Cláudio despediu-se. Deixou tudo organizado, antecipou cada problema e questão e respondeu a todas as perguntas que considerou importantes. A ela deixou os livros, para que neles fosse encontrando pedaços dele. Morreu com a esperança de um dia, quando fosse já tarde demais, ela sentir falta dele. O contentamento desse arrependimento improvável em forma de vingança ornamentou o cadáver com um esboço de sorriso. Sob os dedos abertos que cobriam o lado esquerdo do peito, onde um coração vadio tinha batido com fulgor antes de ser abandonado, as cartas, cuidadosas e sem esquecer ninguém. A ela deixou escrito: "Foi sempre amor verdadeiro deste lado. Insustentável por ser tanto, transbordou por não ter por onde escoar."
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Há que cuidar em tocar com delicadeza, para não raspar. Todo ele coroado com espinhos e farpas, vidros cortantes embebidos em venenos. Toda uma defesa armada para guardar e preservar a solidão, hermeticamente selada, sem entrar um sopro. Quando se tenta contornar de mansinho, com ternuras de beijos lançados ao fim da tarde, sempre resvala num movimento descuidado um braço ou uma perna, a dor chega de repente e o sangue é mais vivo e mais vermelho, a ferida pode até infectar ou gangrenar. Surgem medos, criam-se anticorpos que não preparam para o próximo arranhão, só fazem o toque ser mais evitado, aumentando a distância. Mais duro é agarrar com as duas mãos nuas, com força e sem rodeios. A dor está sempre garantida, mas só com convicção e força se apartam os arames, se derrubam os muros. Gritos guturais, de alma ao léu, ajudam a comportar o embate. Do outro lado, acostumado a estar em silêncio e na penumbra, também vai doer. De repente, as muralhas ruem com estrondo. De repente, o que estava contido começa a espalhar-se sem regras, misturado com sangue e farrapos da carne oferecida em sacrifício. De repente, a liberdade. A catarse. De repente, ser-se quem se é sem contenções ou máscaras e ser-se pleno, aceite. De repente, sorrir desde dentro.
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Aguarda pacientemente no escuro, observa com cuidados cada detalhe, ao longe, em silêncio, sem se fazer notar, de mãos nos bolsos a forçar uma atitude blasé. Com vontade de aventura, sim, mas sem grande certeza de querer arriscar. Hesita e calcula, calcula e hesita. Gosta de partilhar a melancolia mas odeia ter de a explicar. Tem uma voz possante que ocupa todos os espaços, tem uma presença vincada que quase o mascara. O discurso tem falhas, sobretudo nas costuras, frouxas por serem impermeáveis às razões alheias. A postura de macho alfa leva ao engano, ele aprecia a protecção que lhe dá de quem o julga capaz de tudo. Preso numa vida que o esmaga e sufoca, cheia de horários, frustrações, contas e obrigações, tudo o que queria era algum silêncio, paz, tempo para se esquecer e leveza para encontrar a alegria do seu sorriso espelhado no de um filho. Não cede nunca, resiste a tudo, e pensa que é isso que o faz parecer invencível. Atrás de cada porta que fecha, por força do orgulho desmedido em continuar só, deixa um amigo vazio, sem mais nada para dar. Isolado no alto do seu castelo de distâncias caladas, grita e esperneia Baltasar. Se é som ou silêncio que fala, não importa, que as muralhas em volta são blindadas e dentro delas só circula o ar. É um gigante pateta, recto e honesto, triste por estar só, mas não deixa vivalma se aproximar. Quer que lhe leiam nos olhos as histórias difíceis e a solidão, que se confirme que é raro e especial, mas é profissional das fugas, não pára quieto no mesmo lugar. É um menino pequeno, carente de colo e de cumplicidades, brinca com frases e corações, morde e pisca o olho, mas sempre sem se dar. Gostava de encostar a cara a alguém que não o julgue e só descansar. Gostava de receber beijos molhados, não antecipados, abraços apertados. Gostava de não ser um maneta emocional, de se deixar erguer quando outros braços o tentam puxar. Queria ser outro, noutro lugar.
[Podia ensinar-te a sorrir, se desaprendesses a calar.]
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Meia noite, deixar texto a meio com medo dos sentimentos que recorda.
Arrumar cozinha, deixar mais algumas coisas preparadas para fazer a mala.
Ir a cambalear de sono para a cama. Dar voltas e voltas, antecipando fantasmas que virão, culpar as dores nas costas.
Duas e qualquer coisa, eventualmente adormecer.
Seis e trinta, ouvir vozes de dentro dos sonhos que são o despertador, carregar no botão errado e adormecer até ao próximo berro.
Duche, lavagens e esfreganços vários, cremes e básicos a correr. Primeira desilusão da manhã, o cabelo ficou uma merda ("Porque é que nada funciona comigo?"). Porra, esqueci-me que hoje não posso ir de calças de ganga, o que vou vestir? A primeira mancha negra que apanho no roupeiro terá de servir. Já não há tempo de comer, abrir janelas e voar escadas abaixo. Repôr nas caixas de correio a correspondência dos vizinhos que o carteiro insiste em deitar na minha caixa. Corrida para os transportes públicos, atrasados de novo, fantástico. Pelo meio uns minutos para adiantar mais umas páginas e anotar na agenda o que faz falta comprar (pão, leite, detergente para roupa). "Faz-me falta o doseador..." e pensamentos que tomam a curva errada. Metro cheio, vai-se de pé. Chegar ao trabalho já com pensamento nas mil coisas que têm mesmo de ficar finalizadas hoje. Caras ensonadas que chegam a conta-gotas. E-mail de colega a pedir que ligue com urgência. Precisava de colo e de desabafar, e pelo caminho pedir que se pense nela quando houver uma vaga. Vou ver o que posso fazer. Colo uns slides que o chefe enviou numa apresentação importante, afinal aquilo estava tudo engatado. Chefe chega de trombas, da cefaleia e mais uma noite mal dormida, tenho de lhe dizer que o que enviou está uma bosta, de ouvir as suas justificações (porque chefe pode errar, índio é que não) e quando me farto, agarrar naquilo, que não é trabalho meu, e fazer bem. Amiga em crise larga notícias bombásticas, desesperada, e depois não atende o telefone. Ufff! Outra colega pede ajuda, eu ajudo. E mais uma pede um formulário duma área que não é a minha há mais de um ano, também envio. Esqueceu-se de agradecer, porreiro. Despacho mais umas coisas, respiro fundo, vejo que uma das Professoras a quem pedi para tentar mudar datas de exame (porque calham 3 num dia e mais 3 noutro), diz em termos fofinhos "temos pena". Reclamo com a cabeleireira, quer uma 2ª oportunidade, tudo bem. São quase 11 quando consigo tomar o pequeno-almoço em 10 minutos. Não chego a sentar-me no regresso porque o chefe quer a minha aprovação numas alterações que está a fazer. Vejo textos meus serem apagados, para voltarem a ser escritos sem regras gramaticais ou ortográficas, em palavras diferentes que soam mal e voltam enfim a ser as que eu tinha colocado. Inspiro, expiro. Corrijo os erros, trabalho encerrado, passo ao próximo. Lembro-me que ainda não tomei os medicamentos, vão com 5 horas de atraso. Mais urgências, segue o baile. Reunião com chefe. Hora de almoço, ainda na reunião com chefe. Almoço com colegas, conversas da vida, da morte, de trabalho e dinheiro, palavras corriqueiras e palavras fulcrais, entre guardanapos descartáveis.
De volta ao PC, colega de curso reclama que não atendi a chamada, queria dizer que saiu mais uma nota. Porreiro, outro 19. Mais trabalho sob pressão, outra ajuda a uma colega. Querem ver que andei a adiantar bagagem p'ro galheiro?! A puta da espanhola deve estar a gozar comigo, a cena marcada e confirmada há 8 meses e agora, dias antes, diz que se enganou no ficheiro!?! Sai disparada uma reclamação e em português, acabou-se-me o stock de diplomacia. Ligo para avisar quem de direito, sai-me do outro lado uma má notícia na pior altura. Disfarço, com a brutidão habitual. "Ai viram qualquer coisa na mamografia? Deixa lá vir o relatório, isso deve ser um gânglio inflamado, não sejas piegas." São poucas as vezes que me apetece dizer palavrões, e é a única coisa que consigo verbalizar depois de desligar o telefone. "Outra vez não, outra vez não." Não posso ir abaixo. Penso num filho da grandessíssima puta que tanto prometeu que sempre que eu precisasse estaria lá para mim e sempre que precisei nunca esteve, agora ainda menos. Ao menos esse já não me suga as energias, pelo menos de forma consciente. Acabo o trabalho, saio mais cedo do que é costume (só uma hora depois da 'minha hora'). Encontro-me com amiga, rumamos à inauguração da exposição de outra amiga, finalmente liberta e a perceber que é capaz de tudo quando se liberta de grilhões. Algumas caras conhecidas, a primeira coisa que oiço é que estou mais gorda. Obrigadinha, não tinha ainda reparado, os espelhos lá de casa partiram-se todos com o horror. Discurso de ir às lágrimas, ou sou eu que ando demasiado sensível. Tenho de sair, que os transportes duplicaram o preço e reduziram a frequência para metade. Bonito, metro interrompido. Esperam retomar em 15 minutos, a espera acaba por ser mais de 30. Cereja em cima do bolo, de quem é aquela cabeça ali ao fundo? Porra, só faltava mais esta. Enterro a cabeça no livro e viro as costas, deixando ficar só a dúvida, "se calhar era só alguém parecido". Não sei, nem quero saber.
Olha, o chefe tentou ligar. Deve ter aparecido uma merda qualquer para lixar os grandes planos de amanhã. Pergunto o que se passa. "Só queria dizer que a apresentação está perfeita." Isto é raro, note to self: "guardar mensagem para referência futura". A seguir acrescenta que o filho está doente, afinal parece que os planos vão mesmo pelo cano.
Nove da noite, só mais um transporte. Amiga a meio de crise existencial combina conversarmos na net, não pode ser ao telefone.
Nove e meia da noite, chego a casa. Ligo o PC enquanto os restos para o jantar aquecem no microondas. Falo para o boneco. Respondo a uma das raras mensagens. Engulo qualquer coisa com aspecto de comida, mas tenho é sede. Trouxe uma coisa para fazer em casa, do trabalho, mas já não tenho forças. Tenho estudos em atraso, menos forças encontro. Começo a escrever este post, o PC morre a meio. Os fios estão a descarnar. Talvez se não estivesse há 3 meses à espera que me devolvam a merda dos parafusos. Até os parafusos, porra, não tinhas melhor recuerdo para guardar que parafusos, o doseador de detergente, os panos de pó e os meus guaches? Porra, desaparece do meu pensamento, idiota. Onze e meia, a outra já não aparece, eu já dou cabeçadas na atmosfera.
Meia-noite outra vez.
Que post vazio, que vida vazia. Tantas palavras desperdiçadas.
Tantas voltas para um dia vazio, mais um. Tão cheio de nadas, tão pobre.
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Esta rapariga não só escreve "p'ra caraças" como tem o condão de tocar em pontos que me são tão especiais...
Para se ser faroleiro não basta gostar do isolamento. É preciso não ter medo das tempestades e manter as peças afinadas, respeitar o dever e não tirar os olhos do horizonte. Caso contrário, a luz perde a força e apaga-se. Mesmo quando os faróis são promovidos a estrelas, porque até as estrelas se apagam um dia.
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Ele odeia que ela não responda às mensagens e e-mails que lhe envia com tanto carinho.
Ele odeia que ela pareça não sentir falta dele, a não ser quando acha que está em risco de perdê-lo.
Ele odeia saber que ela finge ser mais ocupada do que realmente é para não partilhar mais tempo com ele.
Ele odeia perceber que ela já estava em casa há hora e meia antes de ter pegado no telefone e, à pressa, dizer até amanhã.
Ele odeia que ela ache que ele lhe rouba tempo, privacidade ou liberdade.
Ele odeia que ela nunca se lembre de, por mimo ou graça, lhe enviar uma fotografia de que tenha gostado, um texto, comprar aquela insignificância que mostrasse que pensou nele.
Ele odeia sentir o desequilíbrio de quem carrega todo o peso das coisas.
Ele odeia que ela não escreva uma frase a pensar nele.
Ele acha que nunca será bom o suficiente para ela.
Ele sabe que nunca chegará aos calcanhares do outro em quem ela sorri quando recorda.
Ele odeia estar cativo dum amor assim.
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Fingindo que não sente, fingindo que não dói, fingindo que não lembra, vai fingindo não ser, fingindo não amar nem chorar. Fingindo que não é fingimento, vivendo episódios fingidos sem finais felizes.
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2008 foi um ano mau, complicado, de mudanças. Depois, em 2009, tudo se agravou e pensei que tinha sido o pior ano de sempre na minha vida. Accomplishments à parte, que cumpri grande parte do que me havia proposto. Mas foi terrível. Sofri, e sofri, e tornei a sofrer tudo de novo, num repeat tão masoquista quanto mágico. Em 2009 esgotei-me. Apesar de ter sido em 2008 que perdi o chão e vi planos quebrarem-se em cacos, 2008 foi a descoberta de mim sem sideshow. It was all about me. E os instantêneos irreais de paixões imensas a inundarem-me… 2010 começou mal, tão mal, e continuou pior do que podia imaginar. Nada, resume-se a nada. Um enorme vazio, buraco negro em que nada se permite respirar, nem o imaterializado raciocínio que deixou de caber nas sinapses. E de repente, out of nowhere, a coragem para dizer “Basta!”, para quebrar o ciclo, e o ciclo quebrou. E entrou a luz, e entraram sorrisos em catadupa, e entrou magia, e entrou encantamento, e entrou um pássaro azul pela janela, e entrou sangue nas artérias, e entrou ar nos sonhos, e entraste tu e não mais saíste de mim.
O pior ano da minha vida acabou por abrir portas ao melhor de mim.
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De repente dei conta que estou sozinha no mundo. Completamente sozinha. Num vácuo que nem eco produz dos meus gritos. E gosto de estar sozinha. Porque se depender só de mim não há ninguém que me vá falhar as promessas, não há ninguém que me volte costas ou que me peça explicação das lágrimas. Ninguém vai duvidar do ponto em que a minha sanidade se encontra, ninguém me vai puxar as orelhas se passar dois dias sem comer e, felizmente, ninguém vai ficar mais só depois de eu morrer. Sozinha, sem ar. De olhos nos olhos da noite, à espera que se apresse e me separe das sombras.
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Ela não mente, tem uma incapacidade fisiológica de mentir, como se o soro da verdade lhe pingasse em permanência da supra-renal. Como ela gostava de saber mentir e calar! É por isso que ela só não responde se está perdida numa névoa qualquer. É por isso que precisa de espaço para gritar as dores e os amores. É por isso que não ignora se não fica indiferente.
É o pior dos defeitos, nunca deixa ninguém impune com aquelas lanças afiadas de verdade. Na ponta de ferro que entra pele adentro, coexistem todas as incongruências. Nos beijos, a mágoa; nas lágrimas, o desejo. Tudo na verdade do que se percebe e respira, entra no sangue como um veneno, sem antídoto, que só aos puros permite que se mantenham erguidos.
Transparente como o vento, essa miúda de intensidades descontroladas. Solitária, numa floresta de cadáveres verdes e desfalecidos aos seus pés.
Este eco que ouve ao fundo, será real ou a sanidade por fim a dar-se por vencida?
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Aqui está minha vida - esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento. Aqui está minha voz - esta concha vazia, sombra de som curtindo o seu próprio lamento. Aqui está minha dor - este coral quebrado, sobrevivendo ao seu patético momento. Aqui está minha herança - este mar solitário, que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
(Podia ser a minha vida também...)
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Inês Pedrosa in Fazes-me Falta (2003)
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so I can go back to being my lonely self...
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Estar triste não é estar deprimido. E vice-versa. Não necessariamente. A linha pode ser ténue e é com excesso de tristeza que a maior parte das depressões se alimentam. E para não deixar a depressão instalar-se, ou para a mandar porta fora, há que fazê-la passar fome. Limitar as tristezas, ocupar a mente com outras coisas, com projectos, com ficção, com o que seja. Procurar os lados positivos que existem sempre, no passado e no presente. Sorrir muito, mesmo quando a vontade contraria. Oferecer sorrisos aos outros e enganar o cérebro. Fazer coisas de que se gosta. Ouvir música positiva. Abrir as janelas todas, da casa e da alma. Deixar entrar o Sol.
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Virada para dentro, como sempre tinha sido a minha postura aqui, só o via a ele. E a mim, com ele, sem ele. Ele, na presença e na ausência. E decidi deixar de falar com ele por estas linhas, ou fingir, porque é sempre ele que me sabe ouvir e ler nas entrelinhas, mesmo se não o chamo à acção. Voltei-me para fora, para lhe virar as costas. Vou espreitando por cima do ombro, porque sei que ele lá está, que ainda lá está, que sempre estará. Onde estiver eu, estará a presença dele, e a ausência, maior e mais sentida. E assim vou-me virando para fora, voltando as costas também a mim, a uma parte incontornável de mim. E vou fingindo que não quero saber, vou fingindo que não me pesa, fingindo que não me afecta ele perguntar por mim. E se preciso for virar-me do avesso, eu viro. Se é a fugir que deixo longe a tristeza e um coração inerte, continuarei a fugir, para além do horizonte.
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"A morte de um Amor é como a morte duma vida. É insubstituível como a de um amigo. Não queremos outro porque só queríamos aquele."