Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

photo-1487147264018-f937fba0c817.jpg

Numa manhã domingueira, baila o nevoeiro ao ritmo das ondas do rio. Tricoto uma rede de questões doridas, a pensar em quem me habita o coração, em quem poderia habitar, nos degraus da surpresa e da nostalgia, no carinho que se adivinha num olhar.

Surge a face dele numa parede ensolarada, aquele que nos juntou, como uma daquelas pausas que interrompem o riso antes do primeiro beijo no cinema cliché. Apesar de parecer despropositada a imagem mental do teu sorriso surgir na ponta da minha mão estendida, apesar de a tua voz não condizer com os diálogos que me seguem nos sonhos que tenho acordada, apesar de tudo em ti ser desfasado dos sonhos em que me embrulho, é a constatação de que não estás que me rompe a face em lágrimas soluçadas, apneia surgida do nada.

Estava bem até então, sozinha a tocar piano com os pontos de interrogação que me deixam pendurados nos sorrisos doces que respondem em esforço "eu também gosto de ti". A tua ausência inquieta-me tanto quanto a tua presença, sempre de rompante, sem ar, incontrolavelmente, asas a bater contra a espuma e salpicos de mar e vento. "Não sabia que estavas tão quebrada", diz o desatento salva-vidas. Tu saberás. E eu observo ao longe a tua queda de asas abertas, a pique contra garras de ferro que te estilhaçam em sombras, e na ponta da minha mão vazia o teu sorriso de luz não brilha.

Dramáticos e roxos, os pés não mexem. Enterrei-os fundo, sob vários centímetros de neve, que me tolhem a sensibilidade das barrigas das pernas. Os joelhos, engelhados, parecem os dum elefante morto, deixado ao abandono das suas perpétuas memórias. Os braços abertos, palmas das mãos viradas para fora como se dum crucificado se tratasse, presas por correias de angústia à pobreza nua duma cruz sem traves nem pregos nem madeira nem cor. Os cabelos, uma bandeira, sem pátria nem conquistas, apenas a dançar revoltos com a geada. Cobre-me desde os seios até meio das coxas uma velha e rota casca de sobreiro, cortiça mortiça, enrugada, carcaça duma vida outrora suculenta e audaz. Oca, lambida por húmidas putrefacções, oculta reflexos de si própria no vazio instalado. No rosto apenas traços muito grossos: dois cerrados no local onde deviam brilhar os olhos, mortos e abandonados faróis enferrujados de mares imensos, salgados e que escorrem para dentro; outro, mero agrafe do sorriso, para sempre toldado, impedido mesmo de dar espaço a cantos chorados, uivos de solidão.
Assim sou eu, hoje, sem vontade de avançar ou de recuar, sustendo-me do ar e da força que me mantém, firme, de pé, contra tudo e todos. Que posso achar-me vazia, oca, num absurdo desespero, sem apoio de nenhum dos pontos cardeais; posso ter perdido a razão, a emoção, o abraço que me embalou ou o beijo que me amou, mas não deixarei de Ser, sombra talvez do que fui, mas cá estou, de pé, como os bravos. A rendição é inequacionável. Hoje, sobreviver, com os sangues que ainda correm, para nunca deixar de Ser e amanhã, talvez, Voar.
 

zita.jpg

Normalmente não me lembro do que sonho. Sei que sonho contigo quando ainda estou a sorrir quando desligo o alarme, quando debaixo dos lençóis ainda está uma réstia do toque dos teus dedos no meio da neblina escura do sono. Meia volta para a direita, lençóis frios. Afinal não estás lá, apesar do teu cheiro, juro, estar no meu nariz. Tento ignorar e voltar ao ponto anterior, mais 10 minutos de felicidade, ainda que sonhada, só podem fazer o dia começar melhor. Mas a realidade sopra um ruído, nas orelhas sente-se o frio, o sorriso quebra. Ah, espera, foi só um sonho, ele já não te quer, lembras-te? Luto contra a primeira das lágrimas que se ameaça, sei que preciso de me levantar e pôr a vida em play, que a batalha vai surgir muitas vezes ainda durante o dia, e não garanto que ganhe todas.


 


 



 


 

E depois, um dia, acordas a sorrir. Não é um dia especial, não aconteceu nem está para acontecer nada de particularmente bom, não te lembras de nenhum sonho doce. Simplesmente, sorris. Sentes-te bem, confiante, sentes-te importante para alguém, sentes-te amada exactamente como és, sentes-te capaz de mudar o mundo, sentes que a tua vida faz sentido, que este é o rumo certo, que as peças estão a começar a encaixar-se. Estás feliz.


 


 



 


 

Há a malta que encolhe os ombros. Que se entrega ao conformismo. Normalmente são os que dizem que a vida “vai andando”. Malta que se queixa que não pode, que não tem, que nunca vai, que é difícil, que dói aqui e acoli. Malta que se escuda no “não sou capaz”, no “eles é que mandam”, no “são todos iguais”. Porque tem espinhas, porque tem casca, porque tem osso, porque tem côdea, porque está frio, porque está calor, porque é tarde, porque é muito cedo, porque dói a barriga, porque são horas de jantar, porque joga o Benfica (aqui no final, claro plágio aos Deolinda).


E tu, és dessa malta?


E que tal ser diferente? E que tal arregaçar as mangas e começar a diferença aqui e agora? Se queres um mundo diferente, faz a tua parte. Todos juntos somos mais, somos maiores, podemos mais, podemos tudo. Muda o teu mundo. Transforma o que podes em teu redor. Não podes, sozinho(a) acabar com a fome no mundo, mas podes pagar um hamburguer a um sem-abrigo. Ou podes ajudar o Banco Alimentar contra a Fome. Não podes reverter as emissões de CO2 sozinho(a), mas podes andar a pé em distâncias curtas, preferir produtos locais e poupar energia. Não podes sozinho(a) impedir a fuga aos impostos, mas podes pedir (ou passar) facturas. Não podes acabar com todo o crime, mas podes denunciar os que testemunhas. Não podes sozinho(a) limpar a tua cidade, mas podes não sujar e ensinar alguém. Não podes adoptar todas as crianças sem protecção, mas podes dirigir uma parte dos teus descontos de IRS para a AMI ou a Unicef. Não podes evitar todos os maus tratos para com as animais, mas podes assinar uma petição a pedir alteração na legislação. Não podes mudar sozinho(a) a governação do teu país, mas podes votar em quem acreditas. Não podes abolir toda a violência, mas podes não recorrer a ela. Não podes mudar tudo o que está mal, mas podes reclamar. Não podes acabar com todo o sofrimento, mas podes oferecer sorrisos.


Podes não conseguir realizar todos os teus sonhos do pé para a mão, mas podes não desistir e lutar por eles.


São os pequenos passos. Muitos passos pequenos fazem-nos chegar tão longe quanto quisermos. São as pequenas coisas. Muitas coisas pequenas fazem uma imensidão.


Faz a tua parte!


 







 

Num dia de Verão em que o frio existia lá dentro, no peito, escuro e húmido como uma gruta, ela impôs-se diante do espelho: não mais! Destino ou coincidência ou um acaso daqueles que ficam atrás da orelha, o retorno da vida não se fez esperar. Uma achega da Yoko Ono e sem ninguém perceber, foram lançados os dados. Começou assim, de mansinho, uma porta cerrada a destrancar-se. E depois bateu, empurrada pelo vento e pela Luz, e ela deixou-se inundar com a torrente que lhe levantou os pés do chão.

 

Ela sonhava com um primeiro olhar no silêncio sepulcral da Lua, sonhava com mãos que se reuniam depois das promessas, num encontro de velhos amigos. Sonhava com olhares lânguidos e sorrisos a brotar por detrás. Sonhava com ideais avessos e com realidades mais cruas. E todo ele foi surpresa, choque, demorou-lhe um pedaço a digerir a distância entre a imagem criada e a real, que ali se apresentava sem fraquejar. A digerir também alguma decepção, que o início não teve silêncios nem mãos entrelaçadas. Nenhum silêncio, aliás, que a conversa fluiu como cerejas maduras no pico do Verão, como aliás o tinha sido antes. Ela tremia, rodeada das mil e uma dúvidas que tanto acarinha e que parecem sempre estar presentes nos instantes decisivos. A cabeça a mil à hora, apesar de tornar sempre à mesma questão “o que é isto que me está a acontecer?”.

 

Ele, sempre a superar o nível de irrealidade.  Poesia, sempre a poesia tão azul.

 

 

 

 

Dói-me o sangue nas veias. Esta cidade tem o dom de me esmagar com o peso do ar. O gelo prometido numa esplanada qualquer cumpre-se. E tudo o resto mudou. Acendeu-se a noite de repente. Procuro olhar-te nos olhos para além de te ver. Procuro a confirmação da tua presença funda, real. Tens sempre um sorriso pendurado para me receber.


 




Não baptizei o alter-ego assim, há mais de 5 anos, por puro acaso. Podia ter sido brisa, ou pássaro, ou pena, ou borboleta. Alguns, e apenas alguns (os próximos do coração), recordarão como andei arredada de mim e da minha natureza devastadora (sem megalomanias, só com certeza das tempestades de mim), numa doce e picante alternativa. Sem ser uma nem deixar de ser outra. Talvez o maior erro de sempre, e bem caro o paguei (só eu sei em que profundidades que nem a mim me confesso). Mas há males que vêm por bem e, a pulso, lá fui erguendo cada pedacinho de mim, as sombras também. Até um ponto mais alto, de onde desafio as vertigens. A alimentar sonhos com ventos rarefeitos, que os balões de oxigénio são para os moribundos. E sim, são os sonhos que me levam (que me comandam a vida, Gedeão). Sem rédeas nem espartilhos, que só conheço os limites que tendem para infinito. Com as asas bem abertas no ar e os pés assentes na terra, que ser sonhadora nem de longe significa que seja irresponsável. Mas corro os riscos, troco a segurança e a certeza pela dúvida das possibilidades máximas. Porque é a minha natureza, é quem eu sou, isto de querer sempre mais, voar mais alto, conhecer novos mundos, nunca conformada, atirar-me de cabeça sem saber sinónimos de medo. Isto é o que me define. Com os pés, e pontas do coração, as ‘pedras grandes’, assentes no chão. E é bom que assim seja, que alguém me chame à razão e me faça olhar para onde coloco os pés; não houvesse amarras sentimentais e estaria por estas horas enlouquecida e rasgada e a falar com a mochila num fim-de-mundo qualquer. Mas o ousado e rebelde sonho, esse ganha-me sempre à razão, de cada vez. Chego a ter pena dela, coitada, que entra no ringue sabendo desde logo que a luta está perdida.


 


Ventania, numa destas madrugadas dentro, a falar com um monitor enquanto olha de soslaio para a mochila no canto e sorri-lhe, cúmplice.


 





Vai haver um dia em que nos cruzaremos na rua, sabes? Com as avenidas a fecharem-se e os ecos expectantes de olhos postos em nós. Tu vais um passo à frente da outra versão doutra mulher (sempre de fuga em fuga, porque foges tu da verdade que os reflexos devolvem?) e os teus olhos vão cair sobre as mãos que já foram tuas para sempre, e as mãos que nunca te tiveram estarão nuas e entregues como não podia entregar-tas, entregues noutras mãos que as seguram e procuram porque as querem e não porque precisam, não para sempre mas nesse dia, que é muito mais do que o para sempre ilusório e inconcretizável, e no dia antes e nos dias todos que se seguem. E os teus olhos ficam caídos, sem mão nenhuma a ampará-los, e os meus olhos sorriem-te, como a um rosto familiar que no primeiro instante não se localiza nos arquivos das tristezas, e tornam a sorrir-te quando te reconhecem, porque há muito que não choram pelas tuas dores ou pela falta de ti.


 


Há dias em que acordo sem saber possível um rumo que se defina desde aqui até ao horizonte. Acredito, nele e em mim, nas minhas pernas como dois barcos alternantes e nas velas que são os braços abertos. E navego sem tréguas, sem âncoras, sem portos. Sem bússula, também, que o meu horizonte é a beira do mundo e não tem coordenadas. Em mar de meninas ou em tempestades, sem medo dos piratas da vida que me assolam, sedentos de me extirpar de purezas e sorrisos, meus bens mais preciosos.


 


 





 

Daqui por uns meses estou eu a queixar-me que não sei porque é que me meto nestas andanças, e que não tenho neurónios que chegue para tudo, que estou mais morta que viva, etc. e tal. Eu sei. E mesmo sabendo, lá fui eu a cantarolar por mais uma aventura adentro. É que não há ninguém a competir pelo meu tempo e atenção, portanto, o melhor é mesmo dar amor e mimos e atenção a moi même, que bem preciso e mais mereço. A seguir a viagens e passeatas, the next best thing. Número 1001945. A treat for my soul.


 


 


Soube pelos sorrisos. E sei, porque o conheço tão bem, que aqueles sorrisos são de ocasião, são honestos, mas não são aqueles que brilham com uma luz que vem de dentro da alma. Sei, porque já lhe vi muitos sorrisos. E cheguei a ver um ou outro que se escapuliram pelo meio das realidades, esses sim, sorrisos plenos de magia. Pode mais ninguém saber, mas sei eu. Aqueles sorrisos podiam ter sido outra coisa, uma coisa que não é, nem nunca passa a ser por força da vontade que seja.

Sacana, debochada, a rir-se para mim com aquele ar de quem goza o prato, de quem sabe que eu não devia estar aqui. Lê-me os pensamentos que eu ando a abafar, a espicaçar, a atiçar...