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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Eles pensam que ser cosmopolita é que é bom, que viver no centro das cidades ou "na linha" é um sinal qualquer de status.
Eles gozam que a nossa casa fica "lá para o deserto do Jamé" e eu deixo-os falar, sorrindo para dentro. Agora gozam com a "marca" Lisbon South Bay. E eu ainda me rio mais sem que eles vejam. É que eles não fazem ideia do quão melhor e mais simples a vida pode ser na Margem Certa. Sim, há subúrbios e há subúrbios, ok. E só quem partilha este segredo à vista de todos pode calcular o quanto nós somos, na verdade, privilegiados, porque vivemos no melhor sítio dos subúrbios da capital. Não é à toa que já vivi em 5 casas diferentes, todas num raio de 2 km (3 das quais num raio de 300 m). Não é a toa que o meu homem trocou de bom grado a "Linha" dele por este lado.

 

"Xiii, tu vens lá do outro lado, e de transportes públicos?!" - perguntam-me eles, os que ficam hora e meia presos no carro para andarem 8 Km no IC Caracol, os que têm de pagar estacionamento todos os dias e os que passam um terço do Verão nas filas para as praias da Costa.

 

 

 

 


A trocar a minha terra pelo centro da cidade, só o faria para uma zona com metro à porta, e ainda assim só por comodidade de transporte para o trabalho. (Ninguém manda ter mudado de emprego para o cú de Judas, verdade.) Talvez o Martim Moniz ou os Anjos - e eles aqui acham que nem estou a falar a sério, quando esta zona é das minhas preferidas já há uns 15 anos. Já pensei nisso, até já andei a ver casas. Mas a minha Margem ganha sempre.

Porquê?

A nossa casa tem vista para o rio de todas as janelas. E para 3 cidades. E para as duas pontes. Acordo com o canto dos passarinhos ao fim de semana. Tenho todos, absolutamente todos os serviços necessários a um máximo de 10 minutos a pé (supermercado, farmácias, centro de saúde, bombeiros, polícia, finanças, biblioteca, tribunal, escolas, lares, transportes, restaurantes, mercado... You name it.). Não tenho, nem sinto muita necessidade de ter, carro. Os horários fora das horas de ponta são uma merda, mas é verdade que temos várias alternativas de transportes públicos até à capital e até aos confins onde trabalhamos. A nossa cidade tem paisagens deslumbrantes, tem o melhor dos cenários para fazer desporto ou só passear à beira rio. Está pertíssimo de praias várias (que por acaso até dispensamos, no Verão) e da Serra. Não há prédios altos nem ruídos de trânsito caótico. Vivemos num sítio onde, se alguém deixar a chave do lado de fora da porta a noite toda, vem um vizinho tocar à campainha para avisar. Arranjar consulta no Centro de Saúde está à distância de um telefonema. Os clubes desportivos e sociedades filarmónicas são, ainda, ponto de encontro para todas as gerações. Tenho um diploma de 25 anos de sócia de uma delas, já há uns anos. As bandas saem à rua nos dias de festa. A sirene dos bombeiros toca todos os domingos, às 13h. Todas as famílias da terra têm alcunhas (entre o hilariante e o indecifrável). Os reformados pescam à linha. O senhor do talho conhece-me desde que nasci. E o senhor da drogaria, e a cabeleireira, e a médica de família, e a farmacêutica, e a padeira, e muitos outros também. As senhoras que vendem vegetais no mercado incluem sempre ramos de ervas aromáticas, de oferta, nos sacos, e as que vendem peixe e marisco guardam o melhor e mais fresco debaixo da bancada, até chegarmos. A senhora do laboratório de análises clínicas conhece toda a gente pelo nome e sabe qual é o melhor braço de cada um para a recolha de sangue. Os velhotes cumprimentam-se com um típico e familiar "Aaa-tão?" É aqui a melhor biblioteca que conheço. Ninguém fica por demais chocado se alguém sai à rua de robe ou pijama para despejar o lixo ou passear o cão. O lago dos patinhos que me recordo tão bem de adorar visitar quando ainda nem sabia andar (mesmo que fosse todos os dias, era sempre uma excitação) ainda está lá, no mesmo sítio de sempre. E se ainda me lembro de como isto era dantes, antes dos "prédios novos", quando havia uma azinhaga ali ao cimo e a fábrica aqui neste lugar, com uma enorme amoreira logo à entrada (a mesma que alimentou gerações de bichos-da-seda de todos os miúdos da minha geração), das fogueiras dos santos no quintal grande da vizinha e mil recordações de infância, não gosto menos desta terra agora, tão diferente e tão igual, sem algumas das personagens que fazem parte da história, mas cheia de caras novas, de todo um novo século e distanciamentos naturais, e das coisas boas que ainda estão para vir. E eu, se puder, cá estarei também.

 

 

 

Pois, nada a fazer. Sou suburbana e adoro!