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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Quando nos dias maus, de abandono, de incertezas, de quebras, te surge uma nau de tinto alentejano por esse rio acima, com a promessa de céus estrelados e abraços doces, enxugas a lágrima teimosa e bebes um golo. Brindas às incertezas que podem ser surpresas muito boas e segues em frente, com mais uns epítetos na bagagem do quase nada que és. 

Por este rio acima
Deixando para trás
A côncava funda
Da casa do fumo
Cheguei perto do sonho
Flutuando nas águas
Dos rios dos céus
Escorre o gengibre e o mel
Sedas porcelanas
Pimenta e canela
Recebendo ofertas
De músicas suaves
Em nossas orelhas
leve como o ar
A terra a navegar
Meu bem como eu vou
Por este rio acima

Por este rio acima
Os barcos vão pintados
De muitas pinturas
Descrevem varandas
E os cabelos de Inês
Desenham memórias
Ao longo da água
Bosques enfeitiçados
Soutos laranjeiras
Campinas de trigo
Amores repartidos
Afagam as dores
Quando são sentidos
Monstros adormecidos
Na esfera do fogo
Como nasce a paz
Por este rio acima

Meu sonho
Quanto eu te quero
Eu nem sei
Eu nem sei
Fica um bocadinho mais
Que eu também
Que eu também
Meu bem

Por este rio acima
Isto que é de uns
Também é de outros
Não é mais nem menos
Nascidos foram todos
Do suor da fêmea
Do calor do macho
Aquilo que uns tratam
Não hão-de tratar
Outros de outra coisa
Pois o que vende o fresco
Não vende o salgado
Nem também o seco
Na terra em harmonia
Perfeita e suave
Das margens do rio
Por este rio acima

Meu sonho
Quanto eu te quero
Eu nem sei
Eu nem sei
Fica um bocadinho mais
Que eu também
Que eu também
Meu bem

Por este rio acima
Deixando para trás
A côncava funda
Da casa do fumo
Cheguei perto do sonho
Flutuando nas águas
Dos rios dos céus
Escorre o gengibre e o mel
Sedas porcelanas
Pimenta e canela
Recebendo ofertas
De músicas suaves
Em nossas orelhas
Leve como o ar
A terra a navegar
Meu bem como eu vou
Por este rio acima

Estou longe de ser uma pessoa estável. Sou até bastante temperamental, de fases, consoante a lua, a hora, o interlocutor, o tempo ou as cores… Sou errática e desequilibrada, de extremos e peremptória nas escolhas que faço. Detesto rotinas e a ausência de estímulos novos: conversas, locais, desafios, ideias. Talvez por isso não esteja nunca demasiado cansada para embarcar em programas que me digam algo às sinapses. O que me cansa é exactamente ter limites pré-definidos, saber antecipadamente como vai ser um dia de trabalho, uma refeição, tudo com horários e regras. Detesto conhecer de cor as pedras da calçada e os buracos no alcatrão, a acomodação de usar sempre o mesmo caminho só porque é o mais rápido… Do que eu gosto mesmo é do inesperado, de surpresas, de aventuras de e em todos os sentidos. Gosto de passear a pé, em cidades desconhecidas, no meio da serra ou na planície. Gosto de encontrar velhos amigos em locais inesperados. Gosto das rajadas de vento que deixam a verdade a descoberto. Gosto de arriscar mudar só porque sim. No caos em que a minha vida se encontra neste momento, achando-me até ineditamente desanimada, encontro alento no amanhã por descobrir. Tenho a absoluta certeza que a próxima semana será diferente desta, e conforta-me não ter a mínima pista de onde estarei ou a fazer o quê.

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Quando era miúda não conseguia imaginar-me com mais de 18 anos. Até aí a vida seguiria certamente de acordo com o planeado, em torno da escola e pouco mais. A partir dos 18 não conseguia sequer visualizar uma sombra de futuro. O que até é estranho, porque sabia exactamente que curso queria tirar e onde (e foi isso mesmo que fiz), mas esse é outro capítulo, o da obstinação desmedida (que quando meto uma ideia na cabeça não desisto até a ver concretizada; mas é que não desisto MESMO!). Nunca tive planos muito concretos a longo prazo, nunca imaginei como seria a minha vida aos 20 ou aos 30. Sabia, grosso modo, o mesmo que sei hoje: que o que me dá prazer é aprender e viajar pelo mundo, que amar é imprescindível e que a felicidade não reside nos bens materiais. Tenho confiança em mim, e isso basta-me, por ora, para não ceder à resignação.

 

 

 

 

 

 

 

Aconteceram os sonhos, as lágrimas, os gritos. Aconteceram paixões, incursões pela alma. Aconteceram poucos anos e algumas rugas a instalarem-se. Aconteceram amizades tão grandes e maiores que a vida, que crescem. Aconteceram pessoas que chegaram e desapareceram. Aconteceram estrelas cadentes e esperanças que invadem corpo e alma e palavras. Aconteceram muitos dias de solidão e de tristeza profunda. Aconteceu a saudade dilacerante. Os finais, aconteceram nem sempre antes dos inícios. Aconteceram cores e ousadias. Aconteceram viagens, felicidade máxima, muitas palavras e tu. Aconteceram sorrisos e planos. E beijos, todos os beijos que me acontecem de olhos fechados. Aconteceram a morte e as cinzas. Acontece-me sempre a falta de vocabulário para traduzir o que já aconteceu. Acontece-me sede de que aconteça muito mais, o desconhecido, para além das estrelas.

 

 

Eu bem disse que a Primavera sempre me traz exclamações. Apanhou-me desprevenida. E fiz o que faço sempre nessas situações, enrolo-me nas surpresas e vou, descalça, aonde o vento me levar, de cabelos rebeldes a tornarem-me criança outra vez. A descobrir que nem todos os erros deixam crateras no peito e aridez na alma. A descobrir que há mais pessoas que me fazem sorrir estupidamente e que nem todas descuram os seus (ou os meus?) princípios. A descobrir-me a mim e às marcas que ficarão, por muito que as tente arrancar. A descobrir que, às vezes, basta um momento para a vida se virar do avesso, ou uma palavra para fazer despertar um calorzinho no amor próprio. E que as armaduras de ferro magoam quem as veste e quem lhes toca.

"Como as pessoas podem ser uma caixinha de surpresas!..." disse-me ontem alguém com quem conversei 10 min. I get that a lot. Sempre a surpresa, tão raramente a surpreendida...





(closing my eyes and wishing...)

Custa.

 

Custa-me quando tenho razão e custa-me pensar nisso. Custa também evitar pensar, que é quando penso mais e ali fico estagnada. Detesto que tudo aconteça como planeado. Quem planeou? Adivinhava-o, mas adorava estar errada. A previsibilidade embaça-me e tira-me o apetite. Os escapes condicionados. Nada poderá repetir-se, pois não? Ou é mesmo isso que se passa e por nada mais se passar empalideço?

 

 

 

 

 

 

Preciso duma surpresa. Daquelas boas, com risos e arrepios.

 

 

 

 

Sim, é um pedido.