Gostava de te ter conhecido mais cedo, na alvorada de ti, de ter visto nascer o homem imenso dentro do adolescente imberbe e desajeitado como o sol que desponta, rubro e impertinente, já a ameaçar rebentar pelas costuras do que o mundo pode compreender. Gostava de ter estado ao teu lado a admirar o doce gigantismo do teu coração, a roubar-lhe um canto cativo onde coubesse em silêncio, a reflectir um pouco da luz imensa que emanas aí para dentro da escuridão que vais alimentando a gritos, balas e granadas, a assegurar-me que o teu ego não ficava estilhaçado com a crueldade de quem não te merece, do bloco de gelo lascado em que te queres tornar. Ter-te-ia dito e provado há mais tempo que os blocos de gelo derretem, diluem-se em tons de azul e mar. Gostava de te ter dado a mão quando travaste sozinho batalhas dantescas, invisíveis a olho nu ou desatento, contra monstros e moinhos de vento, essas mãos soltas e definitivas aninhadas nas minhas, capazes de moldar poesia e coisas raras a partir de qualquer nada que é o tanto que te compõe. Gostava de te ter dado livros e vinhos a provar à boca, dos meus lábios aos teus. Gostava de ter morado em ti mais do que um esgar de fugida num sonho delirante de um inverno que nunca se fez primavera. Teríamos ido juntos a muitos concertos, comovidos, prostrados, imóveis e gelados, como idiotas perante a beleza ensopada de verdades que os outros não conseguem sintonizar. Teríamos ficado a rir, rasgando madrugadas, que teriam de ser navegadas de barco a remos e a sussurros, a ver as estrelas salpicadas num céu só nosso, afoito, de veludo meigo. Teríamos acampado e fingido que o mato era o nosso paraíso pristino, que só poluíamos com atrevimentos e uivos gemidos, roubados aos intervalos das corujas. Teríamos dançado mal, mancos e descoordenados, descalços sob o sorriso matreiro da lua complacente. Tu tinhas-me ensinado a andar de bicicleta por entre as nuvens e eu tinha-te ensinado a nadar nas copas das árvores. Tu tinhas-me ensinado a chorar sílabas no lugar de lágrimas e eu tinha-te ensinado a confiar nos abraços com cheiro a casa. Eu tinha aprendido contigo a não fugir das pessoas que me vêem por dentro e tu tinhas aprendido comigo a não ter medo de te dares inteiriço e em excessos. Teria saltado contigo de qualquer penhasco, de asas abertas, para te mostrar que o desafio do vôo vale a pena apesar dos ossos quebrados quando a aterragem corre mal. Teria sido o teu pára-quedas e lambido as tuas feridas, teria cumprido as promessas de bálsamo e de espelho e teria fintado os golpes sujos que te mataram. Teria ficado atarantada nessa combinação fatal do teu sorriso de pingo de mel e olhos de adagas, tal qual fico hoje. Teria tido tempo de nunca te perder.
Mais para ler
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pudesse combater
O terror de te ver
Em toda a parte.)
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
Mais para ler
Para não te desfalcar o imaginário poético, nunca te disse que no "Porto Sentido", quando ouves "esse teu jeito de chapa" o Rui Veloso na verdade canta "esse teu jeito fechado".
Nunca te disse que o que mais magoou foi ter tido razão em tudo quando (alegadamente) te magoei, saber disso e ainda assim pedir desculpas, repetidamente.
Que comprei um livro do FMR que te faria sorrir, talvez.
O que queria de prenda de aniversário.
Que te adoro - porque também te odeio.
Que podia amar-te, se o merecesses.
Que consegues ser patético com tanta insegurança mascarada de super-ego.
Que vais sentir muito mais a minha falta do que eu a tua.
Que sou tão mais forte do que me julgas.
Que foram todas, todas, as vezes.
Mais para ler
toda a gente reclama do frio no Facebook;
o Accuweather diz que está frio;
tens de tapar os orifícios no metal das janelas do escritório porque entra um ventinho gélido;
voltas de uns dias no norte da Europa, com temperaturas entre o negativo e os 4ºC, e sentes falta de só teres o queixo e as bochechas congelados.
Mais para ler
Um paquete dourado com o sol da manhã rasga o rio como se o lambesse. Ninguém olha o rio e isso dói-me como me dói sempre que há desperdício, sobretudo de poesia, que sabemos que existe sob milhentas formas, até na forma de poemas - que perco cada vez mais. Dói-me a ignorância, dói-me a solidão, sobretudo a injustiça (libriana sou e não há como renegar). Sempre o tempo, o perdido, o que não volta nunca para trás, cada segundo precioso, se for o último não será desperdiçado. Olha o rio e o mundo a girar.
Mais para ler
Deixei de fazer fretes, estou mais respeitadora do meu tempo (que escasseia) e da minha energia. Estou mais feliz com a vida e comigo. De resto, não houve mudanças particularmente estruturantes. Continuo um bicho-do-mato e tão introvertida as can be. Ainda tenho esta mania de misturar línguas diferentes na mesma frase. Não tenho filhos, não tenho bichos, não tenho carro nem bicicleta. E horror a corridas e maratonas que tais. Gosto de alguns blogues (são poucos) mas acho que a blogosfera perdeu qualidades nos últimos tempos. Não sou melhor (nem pior) do que ninguém, mas ainda sou arrogante muitas vezes. Continuo a ser preconceituosa económica e politicamente. Não faço o que mais gostava de fazer, mas até gosto do meu trabalho (já não é o mesmo de há dois anos e picos). Sou, desde sempre, e cada vez com mais afinco, de paixões (ou serão amores?) tão distintas como cravadas na minha identidade. Não tenho uma vida perfeita e cor-de-rosa nem sou sempre estupidamente feliz. Não sou a pessoa tolerante e calma que gostava de ser, mas tenho melhorado alguma coisa. Não tenho metade da saúde que merecia ter, mas aprendi a viver com as minhas limitações e quase nunca me queixo. Já sofri horrores (horrores!) por desamor e ainda me lembro, mas estou a aprender a ser amada por quem merece o meu amor. Ainda gosto de aventuras e de manhãs e de mudanças e de comboios e de aviões. Não gosto de ricos (o tal preconceito) mas adorava ser rica só para fazer alguma justiça e ocupar o meu tempo quando e onde me apetecesse, só com as coisas que me fazem feliz. O que me faz feliz é viajar, aprender, fotografar e sorrir. E escrever, às vezes. Ainda.
Mais para ler
Está frio cá dentro de mim. Os pássaros recolhem, as flores caíram, o branco toma conta do tempo. Do ontem, do amanhã e depois. Doem os ossos encolhidos, a pele áspera arde. A geada. Está escuro neste inverno de mim. Ainda cheira a lenha queimada, as brasas abandonadas persistem na memória e queimam...
Mais para ler
Mesmo quando se arrepende, a Maria vai dizendo coisas importantes que eu também podia dizer, não fosse ouvir-me e achar que este disco está riscado, gasto e se calhar nem era assim tão má ideia fazer o salto por cima da K7 e dedicar-me apenas aos mp3.
"As relações entre as pessoas podem medir-se, entre outras coisas, pelo nível de comprometimento, pelos afectos e pela ternura, pelos pequenos gestos nos grandes momentos, pela cumplicidade e pela memória do que se viveu ou não viveu e pelo tempo. As relações entre as pessoas também se aferem pelo tempo.
Até porque, convenhamos, se um dia tem vinte e quatro horas e vinte e quatro horas representam mil quatrocentos e quarenta minutos, facilmente se infere quão displicentes podem ser uns míseros dez minutos. Dez minutos. Mais coisa menos coisa, já ao cair do dia, já depois de tudo feito, em jeito de deixa-me cá tratar disto. O tempo que se leva a chegar a casa e o bastante para se cumprirem os mínimos olímpicos.
Tudo bem. As pessoas são livres de gerir o tempo que têm da forma que melhor entendem. Sem prestar contas a quem quer que seja ou constrangimentos de maior. As pessoas podem tudo. Só não podem é esperar que os que têm vinte e quatro horas para dar se contentem e conformem com aqueles dez minutos, dez míseros minutos. O tempo que se leva a chegar a casa e o bastante para se cumprirem os mínimos olímpicos."
Mais para ler
Para quem não percebe porque é que é mais importante passar um bocado ao lado da pessoa que é o nosso mundo do que dormir mais uma hora, ou estudar mais uma hora, ou ver a segunda-parte dum jogo de futebol.
"In three words I can sum up everything I’ve learned about life: it goes on." Robert Frost
Mais para ler
Eu soube que era realmente o fim, quando o obriguei a passar por cima da cobardia de me comunicar via messenger e lhe disse, de cabeça erguida, que não era pessoa para tolerar uma dispensa assim, a seco – era o que mais faltava! Se depois de quase cinco anos de namoro sólido, depois de todas as promessas, depois de ter posto o joelho no chão e me ter feito uma pergunta em plano b, e depois de andarmos durante meses a fio a ver apartamentos e depois de na segunda-feira dessa mesma semana termos feito a reserva do apartamento que queríamos e era perfeito ele pensou que podia simplesmente enviar umas frases no messenger a dizer que tinha acordado e foi para a praia pensar e que afinal não, não era aquilo que queria, estava redondamente enganado. Se foi olhos nos olhos o primeiro beijo, num quarto de hospital em que a família toda podia entrar a qualquer momento, o fim merece pelo menos ser também olhos nos olhos. Não entendi, pedi razões, que ele não deu. Não porque não. Ele não tinha razões para acabar aquela peça de teatro, mas também não havia grandes razões para continuar e quando percebi isso concordei e até agradeci, porque não sabia, não sei ainda, desistir e se não o fizerem por mim eu continuo a nadar contra a maré ad eternum. Soube que aquele era realmente o fim porque aceitei, porque no fundo fazia sentido. Soube que era realmente o fim porque antes dele me ir buscar à faculdade tinha dado uma aula das melhores, com toda a calma do mundo e sem pensar na reviravolta que a minha vida estava a dar enquanto fazia perguntas inspiradas e os alunos defendiam os trabalhos, porque no fim uma aluna me dizia que eu era das melhores professoras que tinham tido aquele ano e eu sorria com a constatação de que são as surpresas que nos fazem avançar. Soube que era o fim porque durante a conversa não houve lágrimas, só uma calma estrondosa, porque ainda fomos jantar e encontrámos no caminho o rapaz que me fez hesitar cinco anos antes, que me empurrou o baloiço madrugada dentro naquele verão de surpresas sem fim e que eu, como ele, fiz por ignorar porque já tinha conhecido outra pessoa. Soube que era o fim porque falámos de coisas concretas, desapaixonadas e insípidas, como quem falava com a imobiliária, tem de se cancelar a conta conjunta, os meus livros, os teus filmes, o conjunto de barbecue, fica lá com o conjunto de barbecue, sempre foste mais dado a churrascadas com o clã. Soube que era definitivo quando ele parou o carro e eu lhe dei um beijo de despedida e esperei até entrar em casa para deixar as lágrimas correrem pelo ponto final que era o ralo.
Os finais têm sempre beijos de despedida. Quando não os há fica o espaço em aberto a aguardar o desfecho.
Mais para ler
Realmente, ter o tempo livre de repente multiplicado por 200, faz toda a diferença.
Mais para ler
Mais para ler
Dizem que sim. Toda a gente diz que sim.
Porque é que não funciona comigo?
Mais para ler
E aquele pessoal que pede ajuda ou favores e no fim se esquece de agradecer?... Grrrrrr!
Mais para ler
Podia ligar-te, para te ouvir a voz. Podia ficar escondida perto das escadas para te ver passar. Podia enviar-te como se por acidente um e-mail ou sms. Podia esbarrar em ti em tantas ocasiões. Podia inventar mil artimanhas para te fazer preocupar comigo, para te obrigar a pensar em mim. Podia dedicar-te músicas na rádio que ouves, podia colocar fotografias nossas em placards. Podia insinuar-me, podia tentar-te, podia pedir-te ajuda. Podia deixar-te recados por toda a parte, aqui, ali... Podia devolver-te um postal rasgado num envelope sem remetente, podia nesse envelope escrever o que quisesse. Podia perguntar por ti aos teus amigos. Podia espantar-te. Podia fazer-te chegar as novidades de mim, as decisões que tomei. Podia fazer passar um avião por cima da tua casa a implorar a tua atenção e o teu amor. Podia fazer-te sentir culpado. Podia suscitar a tua pena ou o remorso. Podia não evitar cruzar-me contigo, podia expôr-me para que soubesses sempre onde encontrar-me, podia estar acessível como sempre tinha estado. Podia muito mais. Poder, podia. Seria fácil, corriqueiro até. Mas não procuro saídas fáceis, não quero a tua atenção se não for genuína nem sentimentos de substituição aos que mereço. Recuso, como recusei os beijos falsos, lembras-te? Não quero nada de ti, se não for de verdade. Nem os pedidos de desculpas. Nem os pontos finais.
Mais para ler
Estou 10 anos atrasada, diz-me. Que tudo o que sinto deveria ter sentido quando era adolescente, que agora custa muito mais, é mais difícil. Que já devia ter lidado com este tipo de sentimentos, que já devia ter chorado tudo antes, que já devia ter calos no coração que ainda está tenrinho. Que tanta paixão não é para digerir-se em idade adulta.
Já suspeitava que algumas coisas em mim estivessem ao contrário. Na adolescência as paixões eram muitas e fáceis. Qualquer livro, fotografia, canção me apaixonavam irreversivelmente. Aos rapazes, ligava pouco. Já então sabia exactamente o que queria e nenhum deles se qualificava. Claro que este era um fantástico pretexto sob o qual me escudar da falta de interesse que despontava neles.
Atrasada ou não... É um campo magnético regido por magia ou espírito, quiçá. É o que é. Fatalidade talvez.