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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Em relação a mais um cobarde atentado terrorista, ocorrido ontem em Barcelona, só posso manifestar o mais profundo desprezo por quem mata e morre em nome da religião, qualquer que seja a religião ou sendo uma visão mais ou menos extremada. Deus não existe, logo, matar e morrer em nome de uma entidade imaginária é uma ignóbil negação da própria humanidade. [Ponto não passível de discussão.]

O aproveitamento político da situação, seja a favor do discurso da extrema-direita xenófoba (sim, é um pleonasmo) com o recurso à exploração do medo, seja com a comparação do Daesh ao IRA e à ETA, não por acaso a menos de mês e meio de um referendo quanto à independência da Catalunha, revolve-me as entranhas.

Mas o que me enoja mais é a banalização do terror. É o facto de a maior parte dos europeus (eu incluída) já nem nos lembrarmos ao certo de quantos destes ataques com um veículo que passa por cima de transeuntes aconteceram no último ano. Muito menos temos noção da quantidade de vidas tomadas desta forma e de feridos (que também são vítimas, não esqueçamos). Olhamos horrorizados as notícias, que repetem ad nauseam as mesmas imagens, as mesmas "informações", convidam comentadores que debitam as mesmas ideias essenciais, potenciando o medo, a intolerância, advogando a razoabilidade de abdicarmos de liberdades individuais em prol de uma falsa segurança... E assim nos vamos tornando progressivamente insensíveis à tragédia, formatados para acenarmos com a cabeça e aceitarmos como verdade absoluta esta realidade em que as pessoas são só números de vítimas a passar em rodapé, apenas um entretenimento macabro até à próxima desgraça a ser abusivamente exibida na televisão.

Recuso-me.

Não vou compactuar com o jogo de audiências, ou com o discurso do medo, ou com a hiperbolização de chavões que só revelam ignorância ao serviço de um ulterior motivo capitalista. Não contem comigo para encolher os ombros e resignar-me. Não contem com a minha complacência. Combaterei da melhor maneira que sei e posso até ao último fôlego. Aos mentecaptos que planeiam e executam actos terroristas, meto-os no mesmo saco dos corruptos que põem o umbigo próprio acima dos interesses do povo, no mesmo saco dos nazis, no mesmo saco dos servos do imperialismo. São um único inimigo comum e serão vencidos!

Ceder ao medo é a vitória do terrorismo e do fascismo. Somos muitos mais, não nos domarão, não nos calarão e jamais nos vencerão!

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[Quanto aos catalães, povo com quem me identifico particularmente (sem razões palpáveis), já mostraram ter calibre de lutadores e revolucionários. Espero que tenham tempo e a calma necessária para conseguirem continuar a dar uma lição de civismo, humanismo e fibra a todo o mundo, e que no dia 1 de Outubro a reforcem.]

só que foi real.

 

Uma pessoa da empresa em que trabalho ia viajar em serviço. Foi barafustar com o departamento responsável pela marcação das viagens porque o vôo incluía uma escala em Bruxelas, no aeroporto de Zaventem, e não queria passar por nenhum aeroporto em que tivessem ocorrido atentados, porque é "muito perigoso" e "irresponsável" e "sem garantias reais de segurança" e tal. A pessoa em questão tem, convém esclarecer, um bocadito (grande) de paranóia com a segurança e as funções que exerce estão, em certa medida, relacionadas com o tema. Tentou tudo por tudo para alterar o vôo, mas já não foi possível porque não havia alternativas para as datas em que era necessário viajar. Até aqui tudo certo.

 

Mas qual era o destino final, conseguem adivinhar? Eu digo-vos. Era o Afeganistão.

 

 

 

O ano passado escrevi este texto para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Passados 364 dias, a minha visão de mulher adulta num país europeu no século XXI não se alterou um milímetro, o que me entristece profundamente.

 

O meu texto continua, um ano depois, a estar ali em cima nos "destaques" do blogue. O tema parece-me muitas vezes só ser recordado a 8 de Março, perdendo fôlego no resto dos dias. Os direitos fundamentais das mulheres continuam a ser atacados e, parece-me, com maior leviandade, ou menor pudor, neste mundo desfasado em que os radicalismos imbecis ganham terreno um pouco por todo o mundo. O líder democraticamente eleito do mais poderoso país do mundo vangloria-se de poder "agarrar as mulheres pela rata", enquanto na casa-maior da democracia europeia (que não tem consagrado o direito a licença de maternidade nos seus estatutos) o eurodeputado polaco Korwin-Mikke defende que as mulheres devem ganhar menos do que os homens porque, segundo ele, são "mais fracas, mais pequenas, menos inteligentes"

 

 

Tudo isto não é "só" absolutamente execrável e ofensivo para todas as pessoas dignas desse nome, como é uma absoluta falta de vergonha na cara destes anormais e de todos quantos não se insurgem contra a propagação do ódio. É a glorificação da estupidez. É a João-Braguização do mundo (este nem link merece, toda a gente sabe do que estou a falar).

 

É, no fundo, um terrorismo tacitamente aceite, institucionalizado, quase um dado adquirido, de tão presente que está em todo o lado, nas nossas casas, nas nossas empresas, na Assembleia da República, nos jornais e televisões, nos Tribunais, nas Forças Armadas...

 

Nada do que digo é novidade, certo? Então, o que faz falta para mudar o mundo, para começar a equilibrar as diferenças e desafiar o status quo?

 

Faz falta perder o medo! Faz falta fazer voz grossa para nos fazermos ouvir e não termos pudor de exigir o que merecemos. Faz falta mudar as regras, a começar por cada uma de nós. Se o colega homem faz o mesmo trabalho que tu e recebe mais, é teu direito e tua obrigação lutar por um vencimento igual. Se o teu marido se senta no sofá e espera que o jantar apareça na mesa é teu dever mostrar-lhe que está em falta e gritar se for necessário para que ele faça a parte dele das tarefas domésticas. Se és mais qualificada para falar dum tema mas o jornal contactou o teu chefe para participar do debate, chega-te à frente e diz-lhes isso mesmo! Faz falta desafiar o mundo a ser melhor! Faz falta educar para ser justo e correcto. Faz falta varrer o preconceito! Faz falta boicotar todas as representações falocêntricas do mundo actual! Faz muita falta deixar de encolher os ombros perante as desigualdades.

 

Vamos lá quebrar as amarras, sem medo. Todos os dias!

O estado de emergência que Hollande quer prolongar por 3 meses e as imagens de uma multidão em fuga quando se ouviram sons confundidos com tiros (afinal foi o metro a passar normalmente uma lâmpada de um candeeiro público a estourar) na Praça da República provam bem que o clima vivido em Paris é ainda de medo e pânico. Compreensivelmente. E é precisamente esse o objectivo dos terroristas. Vamos ceder, Europa?

 

Para mim, o ideal seria haver condições de segurança para recuperar o Bataclan tão depressa quanto possível e fazer uma enorme festa a celebrar a Libertade, mostrando que não conseguem intimidar-nos! Infelizmente, não creio que se consiga esquecer o medo tão cedo.

 

 

Depois, o medo tem um outro lado, muito pernicioso e que, a continuar a escalar, há-de ser o fim da Europa e o início (oficial) da III Guerra Mundial.

 

Não vão faltar aproveitamentos políticos por parte da extrema-direita, e por parte dos ignorantes que acham que os refugiados da Síria são menos humanos e menos merecedores de viver em paz com as suas famílias do que os europeus. A distinção entre o "eles" e o "nós". Os "nossos" primeiro e blablabla (o chorrilho nojento de barbaridades que todos já conhecemos). (Curioso que o primeiro terrorista identificado até é luso-descendente e outros são belgas.)

 

Podia parafrasear o Diogo Faro (Sensivelmente Idiota). E, além disso, citar, ipsis verbis, o meu amigo Bruno Carvalho:

 

"Só para lembrar que é dos responsáveis pelo banho de sangue em Paris que fogem os refugiados que abandonam a Síria, o Curdistão, o Iraque e a Líbia. Hoje, foi em Paris. Ontem, foi em Beirute, onde mais de 40 muçulmanos foram assassinados pelo terrorismo do Estado Islâmico. Em Beirute, morreram árabes. Em Paris, morreram europeus. Todos vítimas dos mesmos carrascos. Não se esqueçam disso quando, amanhã, começar a campanha xenófoba nas televisões, rádios e jornais."