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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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11 de Outubro é o Dia Internacional das Raparigas, mas é também o dia a partir do qual trabalho sem receber.

A desigualdade salarial entre géneros em Portugal corresponde a uma perda de 58 dias de trabalho remunerado. Significa isto que, em média, pelo simples facto de ter nascido com útero, ovários, vagina, as mulheres a desempenharem as mesmas funções que as outras pessoas que nasceram com pénis e testículos são penalizadas. São mais exploradas. Vendem a sua força de trabalho por um valor inferior. 

Além de todas as outras opressões que acrescem a esta, tão simples e tão óbvia, se as mulheres forem pobres, se não forem brancas, se forem imigrantes, se tiverem uma orientação sexual diferente da normativa...

A maior parte das famílias monoparentais dependem do salário de uma mulher, que permitimos ser inferior ao que devia, perpetuando o ciclo de desigualdades particularmente penalizador para os mais pobres.

Não somos o sexo fraco. Não somos menos competentes. Não temos menos formação nem menos capacidades. Não somos pessoas de modo algum inferiores. Porque aceitamos ser tratadas como trabalhadoras de segunda?

Até quando vamos - todos nós, pessoas - permitir que um género seja tão descaradamente, tão violentamente subjugado e remetido para um lugar secundário e acessório na sociedade e no mundo laboral?

Porquê? Até quando?

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Tive uma chefe, há uns 15 anos, que me dizia isto sempre que eu contestava alguma coisa no local de trabalho ou de forma pública contra as políticas da empresa que nos pagava o salário. Não foram poucas vezes e nunca conseguiu demover-me, naturalmente.

Não posso discordar da frase, contudo. Só discordo no fundamental da questão. É que não é o patrão que tem a bondade de me alimentar com os seus míseros tostões, é a minha força de trabalho que alimenta a riqueza do patrão. A subversão do paradigma alimenta o medo e o poder dos mais fortes, até que os trabalhadores percebam que esse poder, podia, e devia, estar nas mãos de quem produz. Até que se sintam, finalmente, mordidos até ao osso, e percebam que das mãos se fazem punhos erguidos e dos punhos se fazem vitórias.

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Todos os dias me admiro com a percepção da realidade que têm algumas elites, distantes da vida real da maioria das pessoas comuns. E todos os dias confirmo que a classe que gere as empresas que nos vão pagando os salários de miséria e explorando tanto quanto puderem (e permitirmos), tal como uma porção significativa dos decisores políticos, vive numa espécie de realidade alternativa, numa “bolha” de alheamento da realidade óbvia. Os mais vividos podem saber exactamente quão canalhas são e em que medida afectam as vidas dos outros, mas lamentavelmente, uma grande parte está mesmo perfeitamente a Leste da realidade dos trabalhadores (isto sou eu a ser boazinha, a acreditar que em vez de má índole é “só” ignorância, e a tentar, não sem esforço, colocar de parte o meu preconceito contra os ricos - reparem que nem digo burgueses). A alienação é fruto, desde logo, de um condicionamento social que marca as classes. Não tendo uma extensíssima experiência no mercado empresarial, já passei por dois ou três sítios em que o enquadramento se repetia, e por tudo o que oiço e vejo, permito-me a liberdade de tecer algumas considerações generalistas.

Os chefões (administradores e directores) das grandes empresas do sector privado fazem parte de uma espécie de meio fechado, ou têm uma rede de contactos que partilham em grande medida. Quase todos parecem conhecer-se dos tempos dos liceus particulares, ou dos tempos das universidades também particulares, ou do meio social que se estende um pouco mais devido a laços familiares e de amizades. Depois, claro, há toda a componente política. São quase todos das mesmas áreas políticas (direita ou direita), ou militaram nas mesmas “jotas”.

Este condicionamento social de que falo é inseparável da educação, desde logo. (Se parecer que estou novamente a atacar o ensino privado é porque estou.) Numa escola ou colégio privados não entram jovens das camadas sociais mais “desfavorecidas”, ou traduzindo por miúdos, não há pobres. Não significa que nas escolas públicas não andem putos de classe média ou betinhos endinheirados, que também os há, mas nas privadas não há, naturalmente, vislumbre da classe operária. Isto significa que desde muito jovens, as crianças dos colégios privados não têm contacto com os operários em pé de igualdade, onde a aprendizagem e socialização são basilares para a construção da personalidade e do carácter. Não esfolar joelhos com os filhos dos operários fabris e das suas empregadas domésticas, e não fazer os mesmos testes que eles, podem bem contribuir para a criação ou perpetuação de preconceitos e mitos. Pior, a sua realidade fica indelevelmente carente, por omissão, das outras realidades.

O resultado é que esta fina burguesia que nunca respirou fora da bolha não faz a mais pálida ideia sobre o que é ser pobre. Lá terão umas ideias vagas e generalistas, provavelmente erradas, mas no concreto desconhecem a dureza dos dias, de todos os dias. Não fazem ideia de que as famílias que têm de se sustentar com um salário mínimo, ou um subsídio de desemprego (quando o há) também gostavam de jantar fora nos restaurantes da moda, só que nem sequer conseguem comer carne ou peixe todos os dias. Não se lembram que às vezes o dinheiro falta para coisas tão fundamentais e que tomam por garantidas como a água canalizada ou as taxas moderadoras no Centro de Saúde. Não concebem que mesmo um casal sem filhos e com dois salários mínimos a entrar para o orçamento tem de pagar casa, o que leva uma grande parte do rendimento, os transportes de e para o trabalho, a água, a electricidade, o gás, a comida, e no fim disto tudo pode não sobrar rigorosamente nada. Se um dos elementos do casal tiver um problema súbito de saúde, pode ter de se aguentar ou pedir dinheiro emprestado. O patrão/chefe não sabe o que isso é, porque nunca lhe aconteceu a si nem aos seus próximos. Nunca viu no supermercado um idoso a contar os trocos e a ter de deixar um saco com duas maçãs para trás porque o dinheiro não chegava para tudo. Este patrão acha que já não ter salário ao dia 5 é só desgoverno, que "as pessoas" não querem é trabalhar, são preguiçosas e querem é viver de subsídios, acham que "os transportes públicos que temos até nem são nada maus", acham que a "classe média" tem imóveis de 600 mil euros para cima, que os jovens são uns aventureiros que emigram pelo espírito empreendedor (e jamais por necessidade), que são frugais e escolhem alugar umas casinhas pequenas e ter filhos tarde.

Uma boa parte da falta de noção da realidade pela elite que decide a vida de todos nós passa pela falta de confronto. Se nunca ninguém disser umas verdades óbvias na cara desta gente, os burguesinhos da bolha continuarão com as suas certezas sobre esse conceito místico (para eles) do “povo”, continuarão a achar coisas e, recordo, a decidir sobre as nossas vidas com base nesses “achismos”.

Tem de se lhes rebentar a bolha!

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O “Espesso” adiantou ontem que o PSD vai propor a eliminação do agravamento de IMI para imóveis com valor patrimonial superior a 600 mil euros (0,7% para estes e 1% para os imóveis com valor superior a um milhão de euros), por considerar que “o país já está sobrecarregado de impostos” e ainda que este agravamento constitui um “ataque à classe média”.

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Quando li isto olhei em volta, para o meu T2 nos subúrbios, que comprei há quase 10 anos, usado, com um enorme esforço que implicou a aplicação de todas as minhas poupanças até à data, uma ajuda extra dos meus pais e um empréstimo bancário por 40 anos. O valor patrimonial do meu imóvel é bem, mas beeeem inferior aos 600 mil euros limite para o agravamento de IMI. E até tenho a “sorte” (?) de nunca ter estado desempregada por mais de uma semana, de receber todos os meses, sem atrasos até ao momento, um salário mil-eurista (como os outros “afortunados” da minha geração). Olhando para o escalão de IRS em que me encontro, constato que segundo os parâmetros deste e dos anteriores governos (nomeadamente e sobretudo os governos com participação do PSD), só poderei pertencer à tal “classe média”. Fico confusa. Faço contas. Observo o saldo da minha conta bancária, que me dá vontade de chorar, e começo a questionar os meus dotes aritméticos, que sempre me disseram ser bastante bons.

Ora pensemos juntos. A continuar a depender exclusivamente do meu trabalho (abusivo e mal-pago) para sobreviver e pagar contas, se conseguir poupar qualquer coisa como 250 euros, em média, por mês, e ainda se contar com igual “sorte” e esforço por parte do meu companheiro (o que não é fácil para nós actualmente e seria completamente impossível se porventura as despesas crescessem, como num acesso de loucura de aquisição de um automóvel, ou num acesso de loucura ainda mais extrema, a procriação), teríamos uma poupança conjunta anual de 6 mil euros. Ou seja – três vezes seis dezoito, é uma questão de fazer as contas, como dizia o Guterres – teríamos de trabalhar ainda, pelo menos, mais cem anos para podermos comprar, em conjunto, um imóvel de 600 mil euros, já não contando com a oscilação do mercado imobiliário nem com a inflacção.

Concluo enfim que...

Classe média o caraças!

Não sei quanto ao resto do mundo, mas para mim declarações desta índole são profundamente ofensivas, são um gozo descarado com a cara dos trabalhadores. Mas devo ser eu que estou errada, porque afinal são os partidos do centrão que têm há décadas o apoio popular e suspeito que continuarão a ter até que o povo desperte da letargia.

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Não gosto de desvendar aqui dados pessoais, ou falar de detalhes da minha vida privada (o anonimato é insubstituível como escudo libertador), mas vou abrir uma excepção para dizer algumas coisas sobre a selvajaria que se passa na PT com a tomada de assalto por parte da Altice.

Passei pela PT em várias fases da vida, em várias posições na empresa, conheci desde o call-center aos gabinetes da administração, trabalhei até à exaustão e à depressão, aprendi muitas coisas e conheci muita gente. Alguma gente muito boa, de quem continuo amiga até hoje, anos depois de ter mudado de emprego, e alguma gente que não vale um tostão furado. Em termos de direitos laborais, de progressão na carreira e da forma como as pessoas são, ou eram, tratadas, uma palavra basta: vergonha. Muita coisa, se não quase tudo, assentava no bom velho factor C, na politiquice, nas quintinhas e raivinhas de dentes. Não tenho saudades nenhumas desse tempo de esforços em vão e inglórios a bem do brio profissional, das noitadas até de madrugada que eram tomadas não só como dado adquirido como uma obrigação, a troco de... zero, nem um agradecimento. Uma chefia teve a distinta lata de me acusar uma vez de "usufruir de todos os meus direitos" (o que até estava bem longe da verdade), e de me acusar de ter tido uma baixa por doença (para uma cirurgia major) numa má altura - não interessa que fosse a única altura possível, ao que parece deveria ter adiado a minha saúde por mais um ano ou dois, para minimizar o impacto no calendário de férias da chefia. Dá para ter uma ideia, certo?

Como comunista, estou e estarei sempre do lado dos trabalhadores, todos os trabalhadores, sejam eles quem forem. O que a Altice pretende fazer é passar por cima de todos os direitos e liberdades, dizimar postos de trabalho, fragilizar ainda mais os vínculos laborais e aproveitar ao máximo a permissividade política que existe (permitimos existir) em relação à precariedade, merecendo-me a mais absoluta repulsa.

Contudo, não deixo de achar interessante a ironia de também quem ajudou (e, tantas vezes, levou mais longe) a mão exploradora e opressora do patronato quando estava em posições de chefia a despertar agora - só agora - para a defesa dos interesses dos trabalhadores. Claro que não os vejo nas manifestações nem a dar a cara na televisão, mas vejo os seus apelos e suspiros nas redes sociais, leio os seus desabafos e pedidos de protecção. Talvez agora tenham percebido que não são "chefias" nem "pessoas importantes em cargos importantes" (de um poderzinho medíocre que só se revela no espezinhamento alheio), mas apenas e só trabalhadores como os outros, que valem apenas os números que representam, a quem gostavam de chamar "colaboradores" ou, ainda mais ridículo, "as minhas pessoas".

Daqui lhes envio a minha genuína solidariedade, revestida de benefício da dúvida, porque mais vale tarde que nunca. Tomara que sim, que realmente tenham percebido onde está a linha nem-por-isso-ténue que separa a justiça da exploração, e que não voltem a esquecê-la. Que mantenham os vossos postos de trabalho e posições hierárquicas, para no futuro defenderem os direitos dos trabalhadores nas vossas equipas. Para que não permitam a adulteração de avaliações de desempenho, para não usarem gritos, ameaças de despedimento, chantagens e ofensas como método de "liderança", para não permitirem a perseguição de quem faz greve, para deixarem de incentivar as horas extra não remuneradas, para exigirem condições de trabalho dignas para todos. 

Dedico-lhes esta canção do Jorge, Vermelho Redundante.

letra... )

A repressão dos tempos modernos, no meu local de trabalho e por parte da minha chefia, faz-se assim, com toda a classe e inegável fineza (not!). Sempre que as conversas entre colegas são consideradas inoportunas (que é quase sempre que não envolva directamente a pessoa em questão), são soltos profundos suspiros. Quem não conhecesse a peça pensaria que era paixão assolapada, daquela que aperta o peito e faz suspirar.

Pior ainda é quando as conversas alheias tomam um rumo que desagrada, seja pelo seu teor político (nestes casos sou eu a culpada 90% das vezes), anti-religioso (hmmm, 90% das vezes também serei eu) ou críticas a decisões da empresa. Nestes casos surge um pesado catarro de fumador (estranho sintoma para quem nunca fumou), intencionalmente sobrepondo-se às demais vozes. Escusado será dizer que se o efeito pretendia ser apaziguar as conversas ou o seu tom, tem o efeito precisamente oposto, já que toda a gente nota a reacção estapafúrdia e torna-se por demais divertido observar estas cenas quase pavlovianas.

Uma coisa que me indigna (também tenho direito, ‘tá?!) é quando se cumprimenta cordialmente alguém, com um corriqueiro – mas essencial – “Bom dia!” ou “Boa tarde!” e não se obtém resposta alguma. Deve ser mau-feitio meu e as pessoas são só duras de ouvido ou distraídas.

 

Já quando isto é prática repetida sem excepções, tira-me realmente do sério!

 

Como para mim é uma questão da mais básica educação, mantenho a minha postura e faço questão de continuar a dizê-lo de forma inequivocamente audível (nas primeiras 15 vezes ainda penso que sou eu que estou a falar baixo demais, o que é normal em mim) a estas pessoas muito concentradas ou atarefadas demais para cumprimentar os outros seres humanos. Nos dias em que estou particularmente atravessada repito, quase aos berros “BOM DIA!!!”. Temo que um dia perca noção de onde estou e dê uma cabeçada a alguém. Hoje ainda não foi o dia… mas quase!

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Há pessoas que são realmente intelectualmente limitadas. Pronto, já disse!

Andei décadas a defender que não, que as pessoas todas têm os seus talentos, por vezes incompreendidos, que a inteligência não é apenas mensurável em testes de raciocínio lógico. Mas tenho de dar a mão à palmatória. Há pessoas que simplesmente não conseguem explorar o potencial intelectual ou criativo que possam ter, ou não o têm de todo. Há pessoas que são burras que dói, pá!
E como cheguei eu a esta brilhante conclusão? Foi por ter acompanhado a presidência do George W. Bush? Foi ouvindo os discursos do Donald Trump, da Sarah Palin, do Passos Coelho? Foi com reflexão sobre os status de Facebook da Maria Vieira? Não. Não foram estes belos exemplos de diarreia mental crónica. Foi com a convivência diária com a minha chefe.

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só que foi real.

 

Uma pessoa da empresa em que trabalho ia viajar em serviço. Foi barafustar com o departamento responsável pela marcação das viagens porque o vôo incluía uma escala em Bruxelas, no aeroporto de Zaventem, e não queria passar por nenhum aeroporto em que tivessem ocorrido atentados, porque é "muito perigoso" e "irresponsável" e "sem garantias reais de segurança" e tal. A pessoa em questão tem, convém esclarecer, um bocadito (grande) de paranóia com a segurança e as funções que exerce estão, em certa medida, relacionadas com o tema. Tentou tudo por tudo para alterar o vôo, mas já não foi possível porque não havia alternativas para as datas em que era necessário viajar. Até aqui tudo certo.

 

Mas qual era o destino final, conseguem adivinhar? Eu digo-vos. Era o Afeganistão.

 

 

 

Na empresa multinacional em que trabalho já há algum tempo, há aumentos salariais todos os anos, ou tem havido. A bem da justiça, creio que hoje em dia é rara a empresa que o faz. Contudo, não se pense que os aumentos são significativos, longe disso. Muitas vezes o aumento não é suficiente sequer para acompanhar a inflação. Mas o grande busílis é que os aumentos não são iguais para todos os trabalhadores, nem dentro de cada categoria profissional, nem coisa nenhuma. Aliás, uma das lutas antigas dentro da empresa é pela equidade salarial, já que as diferenças de salário entre trabalhadores da mesma categoria profissional podem ser abissais, com diferenças de mais de 300%. A direcção da empresa usa este facto para aproveitar a distribuição de aumentos para alegar que esta distribuição serve como ferramenta para diminuir as diferenças. Ora, como é fácil de ver, com aumentos que têm andado, em média, em volta do 1%, tentar ajustar diferenças salariais que por vezes chegam a mais de mil euros mensais, a este ritmo, daqui por 2 séculos ainda estaríamos sensivelmente no mesmo sitio. Depois, há mais uma agravante, que é o facto da direcção alegar (contudo, sem conseguir provar) que os aumentos salariais estão relacionados com a avaliação de desempenho. Ou seja, dizem também que os aumentos não são iguais para todos porque uns são melhores que outros, argumento que simplesmente cai por terra quando trabalhadores que têm uma avaliação de desempenho muito acima da média, e mesmo acima dos 100%, têm aumentos salariais abaixo da média. Este exemplo é o meu próprio, pelo que sei do que falo. A comunicação dos aumentos salariais anuais costumava ser feita à porta fechada e individualmente, pelo que cada um sabia exactamente qual o montante do aumento e ainda tinha alguma hipótese de, não mudar a decisão, que é apresentada como facto consumado e incontornável, mas pelo menos manifestar a sua opinião, colocar questões, etc. Este ano porém, a comunicação foi feita de forma ainda mais caricata e, na minha opinião, desrespeitosa. No departamento em que exerço funções actualmente, há várias equipas organizadas em Ilhas de 2-4 pessoas cada, num open space, e o director tem um gabinete dentro da mesma sala. Uma das equipas é composta por 8 pessoas, distribuídas por duas ilhas intercaladas com outra. O chefe dessa equipa comunicou os aumentos aproximando-se de cada uma das ilhas e dizendo que os aumentos rondavam o 1%, um pouco mais para uns, um pouco menos para outros. O aumento do subsídio de alimentação foi de 13 cêntimos. Vocês já sabem como estas coisas são. Assim. Em grupo e voz alta, mas sem esclarecer nada. A comunicação à minha equipa conseguiu ser feita de forma ainda mais caricata. A chefia, poucos minutos depois desta cena, chegou-se mais perto de nós e disse isto, ipsis verbis: "Bem, ouviram o que o sr. X disse, não foi? Pronto, aplica-se. Portanto, aquela compra que andavam a adiar à espera do aumento... Ainda não vai ser agora" (entre risos típicos de quem não faz a menor ideia do que é ser chefe e da sensibilidade do tema). Não chegando o descabimento destas comunicações, aparentemente até tivemos sorte, pois colegas há na mesma sala que nem tiveram direito a comunicação alguma. Para acrescentar dois pequenos pormenores à narrativa, cumpre explicar que: Tudo isto se passou vários dias após termos recebido o salário, já com o devido aumento (para quem o teve); Os recibos de ordenado são entregues em mão, todos os meses (a versão digital demora cerca de um mês e meio, que está ainda é uma daquelas empresas dependentes do papel), normalmente logo a seguir a recebemos, mas este mês os recibos chegaram num dia à chefia, mas às nossas mãos ainda tardaram 5 dias...

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Ouvido hoje, no festival de horrores sociológicos (ou serão maravilhas?) que é o meu local de trabalho:

 

"Não se sabe o que aconteceu, se foi do coração ou um ataque epiléctrico..."

 

Ainda há dias outra pessoa disse duas vezes "isto é para todos os cidadões" (e não era o Cavaco!), e uma terceira perguntava pelo obcesso do colega.

 

 

Eu confesso, às vezes tenho de pensar em coisas muito tristes para conter os ataques de riso, outras vezes tenho mesmo de me esconder para libertar as gargalhadas antes que me engasgue.

O estagiário (não o "meu", que esse já se foi embora, infelizmente, mas regressou um dia para me trazer os limões que havia prometido na primeira semana de estágio - quase um ano antes) chegou uma semana antes do natal. Foi bem acolhido, claro. Eu fui lembrar The boss de contar com o miúdo para o almoço de empresa e para o cabaz de Natal. Teve, portanto, direito a uma festa de empresa, um outro almoço comemorativo de já não sei o quê (qualquer pretexto serve para a malta se juntar na galhofa e, sobretudo, comer - aquela malta é tipo marabuntas, vocês não estão bem a ver!), e ao cabaz de Natal (bem jeitoso, por acaso). Ao terceiro dia, saiu mais cedo, estava doente. Depois um familiar teve um problema de saúde, não veio. Depois teve problemas no regresso da terra e também não apareceu. Depois esteve doente outra vez. E depois deixou de avisar e continuou a não aparecer.
Depois houve algo entre um reality check e um puxão de orelhas e apareceu numa bela tarde. Depois melhorou, "só" não aparecia se algum dos chefes estava ausente. Ou se tivesse de "estudar", como se lembrou de avisar numa 2ª feira depois das 10. Além de tudo isto, nunca conseguiu chegar a horas, queixava-se da instabilidade dos comboios (só que há comboios de 10 em 10 minutos).
Deve ser do generation gap, mas isto faz-me uma confusão dos diabos. Comentava isto com o marido, e ele conta-me episódios idênticos na empresa dele. O melhor de todos foi o moço que, como lhe estavam a dar pouco trabalho para fazer (algo a ver com a indisponibilidade das chefias para dar orientação), decidiu deixar de ir durante uns dias, sem dar cavaco a ninguém e achando que ninguém daria pela sua ausência. Claro que a sua esperteza foi detectada (as leis de Murphy não falham) e não se deu lá muito bem.
Eu juro que não sou daquelas pessoas que dizem "no meu tempo é que era", mas o meu primeiro instinto é de indignação, por não compreender que noção distorcida da realidade que estes putos têm, se acham que este tipo de comportamentos é aceitável em ambiente laboral. Interrogo-me que noção de responsabilidade lhes foi passada em casa e nas escolas. Depois lembro-me que estamos em Portugal, terra onde reina a impunidade e onde a Chico-espertice dá vantagens inequívocas, e isso, infelizmente, serve de atenuante.



 

Último ataque de riso (acontece-me, às vezes nos piores momentos).


Em viagem de trabalho aos Açores, com a chefe.


Assim que o avião aterra, anda só um pouco na pista e pára. A tripulação (bem divertida e simpática, por sinal) pede desculpa pela pequena interrupção e esclarece que a mesma se deve ao facto de estar um pequeno animal na pista, mas que já estava no local uma viatura com alguém para remover o bicho. Pergunta a chefe: "O quê, está uma vaca na pista?!"


No planeta em que eu vivo, milhões de mulheres (cerca de seis mil por dia!) são mutiladas enquanto adolescentes, cortam-lhes o clitóris, com uma faca, ou uma navalha, ou um pedaço de vidro, em nome da tradição, que em pelo menos 28 países pode ser sinónimo de castigo pelo azar de se nascer fêmea.

 

No planeta em que eu vivo, há raparigas que são ameaçadas, intimidadas e impedidas pela força, com tiros, se querem ir à escola, porque a educação é um direito que lhes é vedado.

 

No planeta em que eu vivo, são as mulheres que andam dezenas de quilómetros todos os dias para trazerem água e lenha para as suas aldeias (em África, 90% deste esforço é feito por mulheres, e a tarefa pode demorar até 8 horas diárias).

 

 

No planeta em que eu vivo, há crianças, meninas, que são vendidas aos seus futuros maridos por tostões, enquanto o horripilante mercado de tráfico humano movimenta pelo menos 800.000 mulheres e crianças por fronteiras internacionais para servirem enquanto escravas sexuais.

 

Neste planeta, o poder está, maioritariamente, nas mãos dos homens, tal como o acesso ao trabalho, à riqueza, aos direitos, à saúde, à educação. Em Portugal, para não variar, a situação é bem pior do que a média europeia.

 

No planeta em que eu vivo, é tristemente comum, no século XXI, milhares de mulheres nos ditos países desenvolvidos morrerem devido a maus tratos às mãos dos seus maridos e companheiros. Só em Portugal, em 2015, foram trinta e cinco, deixando órfãs quarenta e seis crianças. Neste mesmo planeta, muitas mulheres têm medo, têm vergonha, de fazer queixa e de pedir ajuda em casos de violência doméstica e de violação. O que se torna, em certa medida, compreensível, dados os casos de impunidade descarada, como aquele em que o violador de uma mulher grávida, sua paciente, sai impune porque não ficou provado que tivesse usado "demasiada violência"...

 

Pois, neste planeta onde eu tenho de viver, as violações são assunto corriqueiro e impune em algumas partes do mundo; perdão, em todo o mundo.

 

 

 

Eu vivo num planeta onde os empregadores, nomeadamente os meus, acham que no dia da mulher fica bem oferecer uma flor a cada funcionária, mas onde as condições de trabalho são distintas, tal como os salários e o acesso a certos cargos, para pessoas de um e de outro género. Na Europa, os salários médios das mulheres são 16% mais baixos do que os dos homens, e a diferença foi agravada com a crise económica. Aparentemente, vamos precisar de, pelo menos, mais 118 anos para as desigualdades económicas entre géneros se dissiparem. Legal ou ilegalmente, muitas mulheres perdem o emprego ou oportunidades na carreira pelo simples facto de engravidarem.

 

 

 

 



Infelizmente, este é o meu planeta. Por isso, às pessoas que dizem que o Dia da Mulher é uma tolice, que não faz sentido, que é um dia feito para as floristas venderem rosas e que "não há igualdade porque não há dia do homem", eu pergunto em que planeta vivem. É que gostava muito, mesmo muito, de viver num planeta em que não fizesse falta haver um dia da mulher.

O grande chefão lá do sítio que me paga o ordenado acha (e di-lo publicamente, com todas as letras e zero pudores) que a percentagem elevada (elevadíssima, mesmo, a roçar os 3 dígitos percentuais) de pessoas que vai trabalhar quando está doente é um sinal positivo. E também acha que isto é apenas uma manifestação da dedicação dos trabalhadores à empresa. Nem sequer se questiona sobre a relação entre estes e os valores homólogos dos outros países, os salários, o custo de vida, a produtividade, as condições de trabalho... Digam lá que não queriam ter um destes génios optimistas ao leme da vossa empresa!

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Aplicável a estágios, horas extraordinárias, e muitas mais situações a que as políticas liberais de direita têm conduzido, um pouco por todo o mundo, está - ou antes, deveria estar - um princípio que me parece basilar, de tão óbvio, mas ao mesmo tempo tão ignorado (quer por patrões gananciosos como por trabalhadores amedrontados).

 

O trabalho paga-se. 

 

É só isto. Tão simples. Se a entidade empregadora tem comigo, trabalhadora, contratualizado um horário de trabalho, o que me é pago é o tempo. Ou seja, vendo o meu tempo de trabalho (35 ou 40 horas por semana) em troca de remuneração. Se tenho um vínculo à tarefa, como nos famosos "recibos verdes", o que vendo é a execução de uma tarefa ou conjunto de tarefas. Mas de borla não trabalho, meus amigos, de borla chama-se voluntariado, e não trabalho.