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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Todos os dias me admiro com a percepção da realidade que têm algumas elites, distantes da vida real da maioria das pessoas comuns. E todos os dias confirmo que a classe que gere as empresas que nos vão pagando os salários de miséria e explorando tanto quanto puderem (e permitirmos), tal como uma porção significativa dos decisores políticos, vive numa espécie de realidade alternativa, numa “bolha” de alheamento da realidade óbvia. Os mais vividos podem saber exactamente quão canalhas são e em que medida afectam as vidas dos outros, mas lamentavelmente, uma grande parte está mesmo perfeitamente a Leste da realidade dos trabalhadores (isto sou eu a ser boazinha, a acreditar que em vez de má índole é “só” ignorância, e a tentar, não sem esforço, colocar de parte o meu preconceito contra os ricos - reparem que nem digo burgueses). A alienação é fruto, desde logo, de um condicionamento social que marca as classes. Não tendo uma extensíssima experiência no mercado empresarial, já passei por dois ou três sítios em que o enquadramento se repetia, e por tudo o que oiço e vejo, permito-me a liberdade de tecer algumas considerações generalistas.

Os chefões (administradores e directores) das grandes empresas do sector privado fazem parte de uma espécie de meio fechado, ou têm uma rede de contactos que partilham em grande medida. Quase todos parecem conhecer-se dos tempos dos liceus particulares, ou dos tempos das universidades também particulares, ou do meio social que se estende um pouco mais devido a laços familiares e de amizades. Depois, claro, há toda a componente política. São quase todos das mesmas áreas políticas (direita ou direita), ou militaram nas mesmas “jotas”.

Este condicionamento social de que falo é inseparável da educação, desde logo. (Se parecer que estou novamente a atacar o ensino privado é porque estou.) Numa escola ou colégio privados não entram jovens das camadas sociais mais “desfavorecidas”, ou traduzindo por miúdos, não há pobres. Não significa que nas escolas públicas não andem putos de classe média ou betinhos endinheirados, que também os há, mas nas privadas não há, naturalmente, vislumbre da classe operária. Isto significa que desde muito jovens, as crianças dos colégios privados não têm contacto com os operários em pé de igualdade, onde a aprendizagem e socialização são basilares para a construção da personalidade e do carácter. Não esfolar joelhos com os filhos dos operários fabris e das suas empregadas domésticas, e não fazer os mesmos testes que eles, podem bem contribuir para a criação ou perpetuação de preconceitos e mitos. Pior, a sua realidade fica indelevelmente carente, por omissão, das outras realidades.

O resultado é que esta fina burguesia que nunca respirou fora da bolha não faz a mais pálida ideia sobre o que é ser pobre. Lá terão umas ideias vagas e generalistas, provavelmente erradas, mas no concreto desconhecem a dureza dos dias, de todos os dias. Não fazem ideia de que as famílias que têm de se sustentar com um salário mínimo, ou um subsídio de desemprego (quando o há) também gostavam de jantar fora nos restaurantes da moda, só que nem sequer conseguem comer carne ou peixe todos os dias. Não se lembram que às vezes o dinheiro falta para coisas tão fundamentais e que tomam por garantidas como a água canalizada ou as taxas moderadoras no Centro de Saúde. Não concebem que mesmo um casal sem filhos e com dois salários mínimos a entrar para o orçamento tem de pagar casa, o que leva uma grande parte do rendimento, os transportes de e para o trabalho, a água, a electricidade, o gás, a comida, e no fim disto tudo pode não sobrar rigorosamente nada. Se um dos elementos do casal tiver um problema súbito de saúde, pode ter de se aguentar ou pedir dinheiro emprestado. O patrão/chefe não sabe o que isso é, porque nunca lhe aconteceu a si nem aos seus próximos. Nunca viu no supermercado um idoso a contar os trocos e a ter de deixar um saco com duas maçãs para trás porque o dinheiro não chegava para tudo. Este patrão acha que já não ter salário ao dia 5 é só desgoverno, que "as pessoas" não querem é trabalhar, são preguiçosas e querem é viver de subsídios, acham que "os transportes públicos que temos até nem são nada maus", acham que a "classe média" tem imóveis de 600 mil euros para cima, que os jovens são uns aventureiros que emigram pelo espírito empreendedor (e jamais por necessidade), que são frugais e escolhem alugar umas casinhas pequenas e ter filhos tarde.

Uma boa parte da falta de noção da realidade pela elite que decide a vida de todos nós passa pela falta de confronto. Se nunca ninguém disser umas verdades óbvias na cara desta gente, os burguesinhos da bolha continuarão com as suas certezas sobre esse conceito místico (para eles) do “povo”, continuarão a achar coisas e, recordo, a decidir sobre as nossas vidas com base nesses “achismos”.

Tem de se lhes rebentar a bolha!

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Falar inglês não é obrigatório; mas lá que dá um jeitaço em praticamente qualquer sítio do mundo, em muitos contextos profissionais, e até apenas enquanto factor facilitador do lazer ou entretenimento, não há a menor dúvida. 

 

Obviamente, não é vergonha nenhuma não saber, ou estar mais enferrujado, ou pronunciar um bocado ao lado.
Vergonha é uma empresa pública como o Metropolitano de Lisboa não ter encontrado melhor alternativa para as mensagens bilingues que passa nos altifalantes do que a gravação de uma senhora com uma dicção terrível e pronúncia ainda pior. O Zezé Camarinha poderia ter feito melhor.

 

O estagiário (não o "meu", que esse já se foi embora, infelizmente, mas regressou um dia para me trazer os limões que havia prometido na primeira semana de estágio - quase um ano antes) chegou uma semana antes do natal. Foi bem acolhido, claro. Eu fui lembrar The boss de contar com o miúdo para o almoço de empresa e para o cabaz de Natal. Teve, portanto, direito a uma festa de empresa, um outro almoço comemorativo de já não sei o quê (qualquer pretexto serve para a malta se juntar na galhofa e, sobretudo, comer - aquela malta é tipo marabuntas, vocês não estão bem a ver!), e ao cabaz de Natal (bem jeitoso, por acaso). Ao terceiro dia, saiu mais cedo, estava doente. Depois um familiar teve um problema de saúde, não veio. Depois teve problemas no regresso da terra e também não apareceu. Depois esteve doente outra vez. E depois deixou de avisar e continuou a não aparecer.
Depois houve algo entre um reality check e um puxão de orelhas e apareceu numa bela tarde. Depois melhorou, "só" não aparecia se algum dos chefes estava ausente. Ou se tivesse de "estudar", como se lembrou de avisar numa 2ª feira depois das 10. Além de tudo isto, nunca conseguiu chegar a horas, queixava-se da instabilidade dos comboios (só que há comboios de 10 em 10 minutos).
Deve ser do generation gap, mas isto faz-me uma confusão dos diabos. Comentava isto com o marido, e ele conta-me episódios idênticos na empresa dele. O melhor de todos foi o moço que, como lhe estavam a dar pouco trabalho para fazer (algo a ver com a indisponibilidade das chefias para dar orientação), decidiu deixar de ir durante uns dias, sem dar cavaco a ninguém e achando que ninguém daria pela sua ausência. Claro que a sua esperteza foi detectada (as leis de Murphy não falham) e não se deu lá muito bem.
Eu juro que não sou daquelas pessoas que dizem "no meu tempo é que era", mas o meu primeiro instinto é de indignação, por não compreender que noção distorcida da realidade que estes putos têm, se acham que este tipo de comportamentos é aceitável em ambiente laboral. Interrogo-me que noção de responsabilidade lhes foi passada em casa e nas escolas. Depois lembro-me que estamos em Portugal, terra onde reina a impunidade e onde a Chico-espertice dá vantagens inequívocas, e isso, infelizmente, serve de atenuante.



 

É verdade. Continuo a odiar a Fertagus. Às normais horas de ponta a coisa já é difícil, irritante, incómoda, cheia de gente, muito cheia de gente, com pouco espaço, cara. Mas pensava (pensava mesmo, sou tão ingénua!) que antes e depois a coisa marchava com mais facilidade. Mas consegue ser pior.

 

Chegar à estação antes das 7, com alguma pressa. Não ter bilhete. A bilheteira está fechada. Vou às máquinas, no outro extremo da estação. Mete cartão, escolhe bilhete, escolhe trajecto, escolhe quantidade, escolhe com NIF, o teclado está perro, repete o NIF. Paga. Não tenho moedas, não faz mal, a máquina aceita notas de 5, 10 e 20. Tenho uma nota de 20. Afinal a máquina não gosta das notas de 20, só tem troco se for nota de 10. Não tenho mais nenhuma nota, experimento a máquina do lado. Mete cartão, escolhe bilhete, escolhe trajecto, escolhe quantidade, escolhe com NIF, o teclado está perro, repete o NIF. Paga. A máquina também não gosta da nota de 20. A pessoa atrás de mim na fila confirma que as máquinas nunca deram para as notas de 20, não se percebe porque é que têm indicação das notas de 20 como aceites... Volta para trás, vai ao Multibanco, espera na fila, procura cartão, continua a esperar. Mete cartão, mete pin, escolhe operação, escolhe levantamento, escolhe valor: 10€. Volta para trás, mete cartão na máquina da Fertagus, escolhe bilhete, escolhe trajecto, escolhe quantidade, escolhe com NIF, o teclado está perro, repete o NIF. Paga com os 10 euros, sai o jackpot, moedas por todo o lado, agarra o talão, agarra as moedas, agarra o cartão. Comboio quase a chegar. Cartão dá erro de leitura. Outra vez. Parece que a culpa é da bagagem que está em frente ao sensor. Passa finalmente. Desce as escadas, o comboio chegou, já vem cheio, porra. Entra no comboio, encontra um lugar, tira a mochila, mete mala ao colo, mochila de lado. Encolhe joelhos para outra pessoa passar. Joelhos da frente a roçar nos meus joelhos. Pessoas por todo o lado, nos corredores, nos degraus. Entram mais e mais pessoas na estação seguinte e a minha mente divaga sobre a dinâmica de fluidos e a arrumação de passageiros nas carruagens. Chego ao destino. O intervalo entre o comboio e a plataforma é enorme, não sei como não há gente a esbardalhar-se ali a toda a hora. Escadas rolantes paradas. Odeio a Fertagus!

Por uma qualquer razão, seguramente de natureza kármica (em jeito de punição por terríveis malfeitorias que terei perpetrado numa encarnação anterior), na segunda-feira vi-me na companhia de três dos directores da empresa onde passo eternidades a tentar endireitar o que nasceu torto. Isto logo pela fresquinha, à volta duma mesa de refeição que se pretendia informal - tanto esforço colocado nos pacotinhos quase vazios de compal, tão pouco sucesso.


Ora, logo no rescaldo das eleições, em que uma pessoa fica doente dos nervos (pois não há como não), dormiu pouco porque ficou a fazer zapping entre os comentadores da TV e a aguardar resultados mais concretos (talvez apenas para poder dormir com a certeza de que Marinho Pinto não poria os pés na casa da democracia), e desertinha de ter alguém com quem desabafar impropérios e barafustar contra o sentido de voto da maioria minoritária.


Em vez disso, o que encontra? Pérolas de sabedoria de pessoas que, creio que de forma similar aos senhores ministros, não fazem uma puta de uma ideia do que se passa no mundo real, mas pensam que são donos e senhores da razão, lá do alto das suas gravatas italianas e carros de alta cilindrada com emissões dúbias de gases de estufa.



Um deles, que chegou atrasado porque o trânsito estava mau, achava que até era bom sinal, mais pessoas a andar de carro era um sinal de confiança e tal. Eu tentei, sem revirar muito os olhos, explicar que era início do mês, as aulas já recomeçaram e estavam a cair as primeiras chuvas, que fazem os popós deslizar como no gelo e provocam toques e acidentes. Caras de ponto de interrogação e voltam a falar do tempo e do futebol, pois claro - nem havia nenhum tema mais importante a comentar.


Depois o big boss torna a falar da "retoma", e enquanto alguém se queixa dos transportes públicos, dita a verdade que (des)conhece, do alto do seu super-ego (sabem aquelas pessoas que quando falam decretam coisas, de tão plena e honestamente convencidos que estão de serem os detentores das verdades absolutas? Isso.). Ficámos então todos a saber que os nossos transportes públicos "nem são nada maus". São é pouco utilizados pelas "pessoas" (esse conceito vago, lato e sobretudo distante). "Não são nada caros" (para quem tem ordenado de CEO, acredito que não) e "até são eficientes". A última vez que o senhor em questão usou transportes públicos, não sabemos, ora, carro da empresa tem há mais de duas décadas, classe executiva da TAP não conta, é fazer as contas, como diria o outro.


Vou passar a ter esta verdade de bolso à mão quando estiver, mensalmente, a pagar cerca de 12% do salário mínimo nacional pelo passe (tenho sorte, o L12 basta-me), quando os comboios se atrasarem, quando o metro estiver tão à pinha que tenho de escolher entre o submeter as minhas articulações inflamadas e doridas à massagem espalmatória a 360 graus, qual surround sound, ou o deixar passar aquele metro e ficar uma hora inteirinha no cais a aguardar o barco seguinte ao que deixei fugir.


Juro que não se trata apenas do preconceito que tenho para com "os ricos"; é mais que isso. É isso aliado aos anticorpos que já tenho (muitas vacinas, meus caros...) contra o discurso snob, duma altivez cavaquista, de quem tem convicções profundas sobre realidades de que não se conhece sequer a casca, muito menos o cheiro e o que custa no lombo.


... Mazé trabalhar, ó!

Só uso a Fertaus (o "comboio da ponte", do Grupo Barraqueiro) quando tem mesmo de ser e hoje foi um desses dias. O homem ridiculariza este meu ódio de estimação, a maior parte das pessoas acha que é o máximo passar na ponte de comboio e tal, mas eu não vou nisso. Qual velha(das) do Restelo, bato o pé e não me demovo. Não por teimosia, mas porque as razões para este ódiozinho não faltam:



    • As estações são geladas: mesmo nos dias de Verão, meus amigos, as estações que eu tenho de usar, quando calha um desses dias, na margem certa, são um absoluto gelo! A 500m pode estar calor, mas nas plataformas das estações o grizo é impressionante!

 

    • Os horários deixam muito a desejar. Faz sentido que a ligação entre a capital e uma das maiores cidades do país, Setúbal, só se faça de hora a hora?

 

    • O espaço, ou melhor: a falta de espaço. Não sei se quem fez as carruagens estava a desenhá-las para Liliputianos, mas caramba (!), o povo português até é baixinho e tem pernas curtas (no geral), como é que o espaço entre lugares obriga a que os joelhos dos passageiros se toquem?! (Sim, sou cheia de não-me-toques, e depois?!)

 

    • O preço é absurdo! As viagens de comboio são das mais caras da Europa se observarmos o preço médio do Km. O valor mais baixo é 1.40€ para trajectos de uma paragem e vai até aos 4.35€ para a ligação Setúbal e Lisboa. Se eu for dos Foros de Amora para Lisboa pago 2.50€, mas se apanhar o comboio na estação anterior (Fogueteiro) são mais 0.40€ por uma distância de 3.3 Km (4 min de Fertagus).

        • Sulfertagus, o serviço de autocarros da empresa, não se fica atrás. A tarifa mais baixa para bilhetes simples é de 2.70€ (um trajecto de uma estação, por exemplo, de Corroios ao Pragal ou do Fogueteiro a Coina) e pode ir até aos 4.55€ (do Pragal a Setúbal). Não admira que tanta gente continue a preferir usar o automóvel. Falando em automóveis...

        • Se levarmos carro para um parque de estacionamento Fertagus, eis mais uma bela forma de arrombar o orçamento: 1.50€ ou 1.90€ (consoante se trate do parque exterior ou do auto-silo), ou em versão "passe": 25€ ou 30€. Amigos do Porto que vão ver a SCTP privatizada, utentes da TAP (sim, Grupo Barraqueiro, estou a olhar para vós!), si prepara!

        • Fazendo as contas, se eu substituísse o meu actual passe L12 (59.45€) por este magnífico serviço privado, pagaria sensivelmente o dobro. E chegava exactamente à mesma hora ao trabalho, e a casa. E ia / vinha provavelmente de pé ou com joelhos de estranhos a roçarem-se nos meus.