“Dizer mentiras é feio!” - ensinamento incontornável dos adultos às crianças pequenas, tentativa de reprodução dum parâmetro moral nas mentes dos mais pequenos. Contudo, fá-lo em simultâneo com a instalação de uma série de mentirinhas aparentemente inofensivas, a bem de um imaginário fantasioso comum, ditado pelos costumes de narrativas vagamente educativas, como a existência de um Pai Natal que premeia crianças bem comportadas (mas que no fundo premeia as privilegiadas), fadas dos dentes e bichos papões. De seguida ensina-se as crianças a não dizer todas as verdades, que podem ser incómodas, embaraçar os adultos ou chocar os interlocutores: “isso não se diz!”, “mostra respeito!”
Portanto, sob o escudo da retórica moralista defensora da verdade, desde pequenas as crianças são ensinadas, pelo exemplo e pelas inúmeras mensagens contraditórias, que devem omitir e mentir para se encaixarem na norma, para não serem malcriadas, para não serem confrontativas e como sinal de respeito.
A mentira é uma constante da vida. É mais cómoda do que verdades inconvenientes, evita diferendos e atritos, faz promessas impossíveis, ganha eleições. Como uma capa de camuflagem que esconde a verdade feia e protege das verdades alheias.
Mais do que uma arma, a verdade desarma os outros. Incomoda, porque é, muitas vezes, inesperada. Outras vezes, demasiadas, porque magoa, e magoa os mais próximos, os que mais se deseja proteger. Ser brutalmente honesto pode ser uma maldição. Ser adepto da verdade absoluta a todos os momentos pode entrar em contradição com o conceito útil, que se vai adquirindo com as tareias da vida, de verdades desnecessárias. Opiniões que ninguém pediu, informações supérfluas, se só vão servir para magoar ou perturbar alguém, ou considerações que não trazem nada de positivo, são mais benéficas mantidas em silêncio.
Mas as mentiras, essas são corrosivas, qualquer que seja a sua envergadura. Fétidas e de pernas curtas, vão arrastando pelo caminho os que se aproximam, vão-se encrustando cumulativamente, camada sobre camada, como sujidade que se acumula ao longo do tempo, de tal forma que já não se consegue ver a superfície real. Uma mentira fininha por educação, outra mais espessa para não ficarem com a ideia errada, outra pequenina porque nos pediram segredo, outra camada mínima para evitar o confronto…
Mesmo sem má índole ou segundas intenções, a verdade torna-se tão distante e inverosímil que chega a ser divertido que tantas pessoas tenham dificuldade em acreditar nas verdades que lhes são atiradas a sangue frio. As verdades inesperadas, que chocam, aquelas que são frequentemente maquilhadas com mentiras, são tantas vezes recebidas com gargalhadas nervosas, inseguras, incrédulas, como piadas e como falsidades. Quando se reforça e assegura que não há nada de falso nas inéditas afirmações, assume o lugar o espanto, o receio, eventualmente a consternação. E fica a verdade como um incómodo que é preciso explicar, justificar a fundo. Fosse uma qualquer balela evidente e seria aceitável com tranquilidade.
No fundo, o que falta não é só a exposição da verdade sem tabus. O que falta acima de tudo é capacidade de encaixe, de lidar com o confronto com algumas verdades, com a distância entre as expectativas e a realidade. Não somos (especialmente os povos latinos) formatados para lidar com a frustração ou para reagir racional e friamente, mas antes a evitar causar frustrações aos socialmente próximos. Mesmo que para isso seja necessário suavizar a verdade com as universalmente aceitáveis little white lies, aparentemente inofensivas, mas que contribuem para uma realidade assente numa pilha de máscaras globais.
O desconforto da mentira fica só com quem mente para não ofender os restantes, que se sentem ofendidos com a dívida de verdades. Será a mentira um gesto de sacrifício, abnegação ou indulgência? Ou talvez seja o comodismo que faz perpetuar as mentiras e a aceitação social das mesmas. Talvez seja demasiado difícil, exigente, cansativo, penoso ser sempre inteiramente fiel à verdade absoluta. Mas para quem? Para quem fala verdade ou para quem prefere viver num mundo de faz-de-conta a lidar com verdades que magoam e desarranjam os lugares das coisas?
As verdades, mesmo as mais difíceis, só doem uma vez. As mentiras são matreiras, mas sempre descobertas. E aí doem múltiplas vezes: pela mentira em si, pelo acto de quem mentiu, porventura por todos os cúmplices que assentiram, e torna a doer de cada vez que se confronta o que se sabia como verdade e deixou de ser. Dizer mentiras é feio, viver mentiras é indigno.
Aceita-se traições, duas caras e cenários idílicos de paredes falsas a troco de uma paz superficial, de uma aparência esquizofrenicamente divergente do que é real. Aceita-se tolher quem somos e queremos a bem de manter longe os limites de normas que ajudamos a definir. O que temos a perder vale assim tanto a pena? Para que se quer um mundo, relações ou quotidianos impregnados de floreados inúteis e sorrisos falsos, apenas para colher uma ou outra facada nas costas, uma ou outra desilusão e tempo perdido? Tenhamos a coragem de ser objectivos, de ser assertivos, de abrir à luz os lugares de sombras e de enganos.
Qual é o custo da mentira e, mais importante, qual é o custo da verdade?
As massas aplaudem, em êxtase colectivo, mãos cheias de nada. Embalagens bonitas, imaculadas na forma, limpas e ternas, a apelar ao sentimentalismo de veludos redondos, unânimes, consensuais, que a toda a gente cai bem. Eu tenho cá dentro esta maldição do descontentamento, de ansiar pelo que arranha, pelo que irrita, pelo que dói na alma e inquieta. A constatação de factos conhecidos não é estimulante, nem estética nem simbolicamente. O que choca, faz pensar, antagoniza, isso sim, tem o condão de ensinar, de contrapôr, de incomodar, dar náuseas, repulsa. As perguntas sem resposta fácil, os avessos de cada estória, são esses os talentos que me fazem vibrar.
Vôos serenos não ficam na memória. Dêem-me caminhos tortos em terrenos escarpados, lava a sangrar das profundezas, rugidos fora de contexto. Raiva de espumar pela boca, faíscas, suor, chapadões. Sabores picantes e ventos cortantes. Rejeito as emoções almofadadas, suavizadas com açúcar e glacé.
Dêem-me amor sem filtros, sem capas, amor de tudo ou nada, de gritos e uivos pela noite dentro, dêem-me abraços em brasas, palavras que mordem, beijos mortais.
Desafia-me se me queres ver por dentro. Dá-me só o que sai do âmago de ti, das tripas retorcidas, do que é feio e que sufoca, a tua verdade de entranhas que em mim é poesia.
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Desculpa se quero saber de ti e isso te incomoda. Desculpa inquietar-me com os teus silêncios e zangar-me se desconversas. Desculpa se não me contento com migalhas. Desculpa se te quero dar beijos todos os dias. Desculpa às vezes querer deitar-me ou acordar contigo. Desculpa ver significados nas palavras, as que dizes e as que calas. Desculpa querer partilhar-me contigo. Desculpa celebrar as tuas vitórias com vaidade e orgulho. Desculpa fazer-te rir quando digo que te desejo. Desculpa não querer ser o teu penso rápido descartável. Desculpa dizer-te sempre a verdade e dizer-te verdades que doem e que mais ninguém te diz. Desculpa se embarquei nas tuas fantasias. Desculpa não fazer de ti o meu centro. Desculpa não te deixar desistir de ti. Desculpa corrigir-te quando estás errado. Desculpa não navegar orientada na indefinição. Desculpa que a minha existência te seja penosa. Desculpa que me recorde de tudo o que me disseste. Desculpa não conseguir aliviar-te da tua vida. Desculpa que a minha presença seja um peso nos teus ombros. Desculpa se te aponto as injustiças. Desculpa não fraquejar. Desculpa conseguir respirar sem ti. Desculpa já não ser o que era. Desculpa ter saudades tuas. Desculpa se me pareceu verdade que quisesses fugir comigo. Desculpa se preciso de razões e de porquês. Desculpa ter espinhos e não ser fácil. Desculpa ser pesada. Desculpa ser um fardo. Desculpa eu existir.
Ou então não desculpes.
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As emoções e a racionalidade são dois braços muitas vezes assíncronos e a fronteira entre ambos é ténue, permeável e de contornos espinhosos para todos.
Posto isto, quando as opiniões sobre ideias se deixam inquinar pela emoção perante quem expressa as mesmas não sei o que me desaponta mais: se o facto de não poder dar crédito e analisar seriamente a opinião, ou a fragilidade de uma relação emocional que é aparentemente susceptível de sucumbir a uma condicionante de importância tão relativa. Não me faz sentido colocar em causa relações pessoais por meras divergências de opiniões. As diferenças podem e devem ser debatidas, com argumentos e com respeito (esse sim, imprescindível às relações saudáveis).
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Como pessoa obcecada pela verdade de todas as coisas, que faz corresponder à verdade a fidelidade a ideais, valores e talvez até a algum moralismo, é muito raro mentir. Também minto, demasiadas vezes para sentir que cumpra os requisitos mínimos da coerência, mas não o sei fazer, e prefiro sempre dizer a verdade absoluta ou, no máximo, evitar magoar ou prejudicar alguém calando algumas verdades. Defensora da verdade nua e crua, digo muitas verdades que não são levadas a sério. Sou conivente e até causadora de algumas mentiras, que não desfaço por não serem minhas ou o meu lugar. Penso nisto tantas vezes, debato comigo mesma o potencial destruidor da verdade contra o potencial destruidor da mentira, estudo pessoalmente os indícios de cada pessoa quando mente e, sobretudo ultimamente, tenho-me dedicado a observar as reacções a verdades incomuns. Chega a ser divertido que tantas pessoas tenham dificuldade em acreditar nas verdades que lhes são atiradas a sangue frio. As verdades inesperadas, que chocam, aquelas que são frequentemente maquilhadas com mentiras, são tantas vezes recebidas com gargalhadas nervosas, inseguras, incrédulas, como piadas e como falsidades. Quando se reforça e assegura que não há nada de falso nas inéditas afirmações, assume o lugar o espanto, o receio (o tal do diferente), eventualmente a consternação. E fica a verdade como um incómodo que é preciso explicar, justificar a fundo. Fosse uma qualquer balela e seria aceitável com tranquilidade.
O desconforto da mentira fica só com quem mente para não ofender os restantes, que se sentem ofendidos com a dívida de verdades. Será a mentira um gesto de sacrifício ou abnegação? Ou talvez seja o comodismo que faz perpetuar as mentiras e a aceitação social das mesmas. Talvez seja demasiado difícil, exigente, cansativo, penoso ser sempre inteiramente fiel à verdade absoluta. Mas para quem? Para quem fala verdade ou para quem prefere viver num mundo de faz-de-conta a lidar com verdades incómodas, que magoam, que desarranjam os lugares das coisas? Não fosse o quotidiano feito de lugares de sombras e enganos, quantos mentirosos se renderiam? Quantas famílias desmoronariam e quantas seriam erguidas mais alto e mais fortes? Qual é o custo da mentira e, mais importante, qual é o custo da verdade?
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De cada vez que brigamos, ou melhor, que andamos às turras, saio sem perceber se te perdi mais um pouco ou se me dei demais novamente. Quanto mais dou de mim, mais te perco, parece-me. Exigirias de mim, se pudesses, que estivesse sempre presente sem estar inteira, com o coração aberto para não te resfriar. De ti só exijo o que sempre repito, a verdade e respeito. Queres que me passe tudo o que tenho entalado, sem teres ainda percebido que tu não vais passar, tu não podes passar, tu estás-me atravessado na goela, por mastigar, a seco. Bebo mais um copo à procura da solução, mas todas as equações têm o teu nome na incógnita, a tua pele, os teus segredos, tu és a constante incontornável de todas as conversas que ficam por ter, com as palavras todas a nú, erectas e festivaleiras.
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Caminhava como vivia, em contra-corrente, de peito feito e olhar obstinado, fixo no ponto onde as portas automáticas não descansavam, escancaradas, parindo em golfadas ritmadas dezenas de caras ténues, sem expressão, uma previsível mancha de corpos amorfos, transpirados, diluídos, que marchavam em círculo, sem princípio nem destino. Tinha a sensação de ter perdido o momento certo para o fazer e sabia até que se iludia novamente, mas a ambição era demasiado sedutora para não apostar todas as fichas naquele momento.
[Gostava de presentear-se com fugazes parênteses irreais em que podia ser quem gostaria de vir a ser, sem hesitações nem amarras. Logo a seguir, numa rajada, furava em penitência as palmas, num estouro rebentava os balões, reduzia a carvão tudo o que pudesse florescer de uma ou outra verdade caída no chão.]
Não se enganou, bastou um sorriso para João saber que chegara ao sítio onde desde sempre era esperado.
[Ali podia demorar-se a criar o excepcional, a apreciar o raro, a saltar por cima do impossível. Nunca tinha feito tanto sentido, nunca lhe parecera mais próximo do sonho do que naquele momento, na doce materialização daquela mulher.]
Ela parou e olhou-o, nervosa, com o sorriso a abrir-se numa espantosa confiança que sempre lhe era alheia, enquanto o peito se erodia em galáxias distantes que lhe fugiam ao entendimento. Reconheceu os prenúncios anunciados em flashes desde o primeiro momento; sabia que seria ali, nos braços daquele homem, o seu fim, a morte inevitável da personagem idealizada que quase tinha conseguido alcançar, e ali mesmo o seu começo, o insólito nascimento da mulher inquebrável que se desfez em cacos e passou a incendiar o ar só com as chamas das palavras.
Ele não se deteve. O olhar verde escuro, recto, mantinha-se cativo nas azeitonas sumarentas e risonhas que eram suas, a partir daquele instante e até ao fim dos dias. Continuou a avançar sem desvios e só travou quando os lábios todos se encontraram, sedentos, macios, sôfregos, nuvens doces, línguas molhadas e as mãos seguras onde pendurar todos os sonhos.
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Hoje deu-me uma enorme vontade de chorar, não me perguntes porquê. Alguma coisa estará a desmoronar, talvez. Mudei a rota. Enchi o peito de valentia destilada e marchei até ao nosso banco. Chamei nomes feios a quem lá estava, só porque sim, ou então porque queria mesmo era ver a memória de nós dois, em deslumbramento um com o outro, a deixar fugir beijos tão honestos, de mãos dadas e conversa líquida, eu colada aos teus olhos e à tua barba, tu agarrado a uma fantasia em que eu era protagonista. Tenho vontade de chorar. Fomos poesia. Nunca mais nos vou ver assim, tão puros e novos a estrear, com aquele brilho nos olhos de quem acabou de ganhar o euromilhões mas em melhor, com o tempo a parar à nossa volta, como nos filmes, com a banda sonora a adormecer-nos os sonhos. Como sei que sonhaste, porque eu sonhei também, tantas vezes. Tudo mudou. Os teus olhos não se deixam ver por mim e eu não choro, mesmo sem saber o que me quer este vazio pegajoso que persiste.
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Falando de "um cidadão na rua, de corpo presente e voz activa" que mencionava ontem, foram convocadas várias manifestações em Portugal, nomeadamente uma "manifestação silenciosa", conceito em que não consigo rever-me.
De que serve uma manifestação silenciosa? Que propósito almeja alcançar? Além da sugestão de utilização de velas na manifestação agendada para o próximo dia 21 ser, no limite, de gosto duvidoso (chamas, incêndios...)... Quem se manifesta calado não tem nada a dizer?
Vou assistindo nas redes sociais a discussões perfeitamente estapafúrdias entre pessoas que considero inteligentes e íntegras, altamente politizadas e maduras, em que todo um tema tão fracturante, complexo, diluído em mil causas e consequências, parece ser simplificado ao ponto de se estar contra ou a favor do Governo. Esquerda ou direita? Quem não está contra está a favor?! Como é possível ser tão "clubista" que o raciocínio e espírito crítico sejam completamente cilindrados para dar lugar a uma posição extremada sem sustentação coerente?
Triste democracia esta, em que o eleitorado "pró-governo" se abstém de sair à rua em protesto ou revolta pelas 105 vítimas mortais dos incêndios em 2017, suas causas e exigência de soluções, para proteger uma solução governativa já de si bastante dúbia, para usar um eufemismo.
Triste democracia esta, em que a fatalidade das 105 vidas perdidas e tantas outras destroçadas são o impulso do vil aproveitamento político da base da oposição ao governo, como se os governos anteriores tivessem um pingo menos de culpabilidade pelas políticas ambientais e económicas desastrosas que levaram a cabo.
Triste sociedade civil que fica sem palavras de ordem para se manifestar, se confunde e digladia com pormenores tão pouco produtivos e simplistas como demitir ou não uma ministra.
Triste sociedade acrítica que consegue reduzir à bipolaridade um tema tão complexo e intricado, que arrasta tantos e tão profundos interesses, tantos e tão devastadores prejuízos..
A ingerência contínua do solo, da floresta, do ordenamento do território, dos meios de combate e de quantas mais causas houver para a devastação a que assistimos com os incêndios de 2017 não são temas bipolares!
Manifestemo-nos sim, todos (!), pelas nossas ideias e ideais, esteja quem estiver no governo ou na sua viabilização. Exijamos soluções e responsabilidades políticas a todos os que a têm (que por acaso são sempre os mesmos, rosas ou laranjas ou azuis, é difícil destrinçar) e a nós próprios, que temos os governos que fomos elegendo. Com voz ao rubro e corpo presente, sempre que os funcionários públicos eleitos permitam que o valor do lucro e do capital se sobreponha ao valor de vidas humanas. Porque é disso que tratamos. Se quiserem simplificar a culpa, apontemos então o dedo ao capitalismo! E já agora, aprendamos a ser parte activa da política, enquanto eleitores, enquanto cidadãos, enquanto mandantes dos nossos representantes!
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Aque nesta margem esquerda, a margem certa, a vida ocorre num universo paralelo em que o impossível desenrola-se perante os olhos muito abertos e queixos esquecidos. O insólito acontece a par e passo com o ritmo corriqueiro dos dias. Nada causa espanto, de tão espantoso que tudo é. Penso-me tantas vezes presa nas linhas de uma ficção, um qualquer conto da Alice Munro, só percebo que é real porque a paisagem é impossível de confundir. As coincidências são demasiado óbvias para que a realidade simplesmente exista porque sim. Os insólitos, o inexplicável, o sobrenatural que me pisca o olho a todo o instante e que teimo em renegar, como se as entrelinhas deste enredo tivessem saído da minha mente no seu estado mais perverso. É possível que seja só loucura, que se tenham esquecido de me sintonizar bem as antenas lá na fábrica onde montam as peças das pessoas. Somos todos demasiado inverosímeis, não achas?
Quando era criança (nunca fui, nasci já velhíssima) e estava muito mais próxima da verdade de todas as coisas e a cabeça fervilhava com teorias fantásticas e absurdas, tinha a certeza que vivia num mundo falso, com cenários montados para me estudarem os movimentos e lerem os pensamentos. Nada fazia sentido. Porque motivo estava eu presa no corpo de uma menina pequena, aquelas pessoas afáveis mas tão diferentes de mim a fazerem-se passar por família, vizinhos, amigos. Nunca me enganaram!
Nesta margem as coisas desaprendem-se com o tempo, o curso das águas e as rotações do planeta. Surreal é virar-te as costas quando te trago dentro de mim.
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Há menos de quatro meses escrevi este texto, imediatamente após a trágica (e evitável) noite dos incêndios em Pedrógão Grande que vitimaram 64 pessoas.
Lamentavelmente, hoje e após mais 36 vidas perdidas poderia escrever as mesmas palavras, não fossem as agravantes que são agora ainda mais visíveis e impossíveis de ignorar.
É certo que a mera demissão de governantes é manifestamente insuficiente para resolver o que quer que seja. Seria, contudo, o mínimo expectável como acto de decência perante mais uma calamidade. Como acto de humildade, de reconhecimento da incapacidade de ter feito melhor para evitar nova tragédia idêntica à de Pedrógão Grande em menos de quatro meses. As vítimas não serão ressuscitadas com demissões, mas merecem pelo menos esse respeito. Decretar dias de luto e estado de calamidade não chega. O aproveitamento político das tragédias é imoral em todos os casos, mas é igualmente inadmissível que se tratem estas situações dramáticas e completamente atípicas apenas como infelicidades inevitáveis e impossíveis de prever, fruto de condições climáticas da responsabilidade exclusiva da "mãe natureza". Mais do que (mas também) demissões, fazem falta explicações, responsabilização, planos de acção imediatos e planos de prevenção a curto e médio prazo, comunicação imparcial e transparente.
A reacção da sociedade civil, que raramente vai além das conversas de café e das partilhas de fotografias e frases feitas nas redes sociais, também está muito longe de chegar ou sequer fazer alguma diferença. Na Galiza morreram 4 pessoas e foram paradas universidades e convocadas manifestações em várias cidades. Há toda uma poética diferença entre ver 40.000 likes ou 40.000 pessoas nas ruas a exigir respostas e responsabilidades. Um like não é um voto ou um cidadão, é um mero clique. Um cidadão na rua, de corpo presente e voz activa, não deixa dúvidas de que é também um voto e de que é também uma pessoa, a exigir contas pelos seus e capaz de fazer frente ao poder instituído.
E nós, Portugal? Até quando vamos continuar a ser indignados nas redes sociais e abstencionistas nas urnas?
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é não conseguir evitar perder o respeito por quem me mente. A mentira ofende-me, quaisquer que sejam os motivos que a conduziram. Pior ainda é quem não me conhece bem o suficiente achar que pode manter a mentira depois de eu a descobrir. E eu descubro sempre porque sou um raio de um polígrafo humano...
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Em vez das promessas ocas, que não são mais que mentiras (e como eu odeio mentiras!!!), dêem-me respostas concretas e definitivas. Em vez de fugas e de silêncios, dêem-me facadas no coração. Pelo menos dói tudo de uma vez só e, com sorte, não volta a doer.
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If I laid down my love to come to your defense
Would you worry for me with a pain in your chest? Could I rely on your faith to be strong To pick me back up and to push me along? Tell me
You'll be there in my hour of need You won't turn me away Help me out of the life I lead Remember the promise you made Remember the promise you made
If I gave you my soul for a piece of your mind Would you carry me with you to the far edge of time? Could you understand if you found me untrue Would we become one, or divided in two Please tell me
You'll be there in my hour of need You won't turn me away Help me out of the life I lead Remember the promise you made Remember the promise you made
Could I rely on your faith to be strong To pick me back up and to push me along Please tell me
You'll be there in my hour of need You won't turn me away Help me out of the life I lead Remember the promise you made Remember the promise you made
Remember the promise you made Remember the promise you made
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Vamos respirar fundo. A terrível tragédia da noite passada já não pode ser evitada, é tarde demais. Canalizemos os lamentos e o choque perante tamanho horror para o que pode fazer a diferença de agora em diante. Reflectamos, em conjunto enquanto sociedade civil, com a frieza que for possível.
Todos os anos o tema do verão é o mesmo e perante o horror espectacularizado nas televisões, pouco ou nada muda em termos políticos. Sim, políticos, porque também isto (como TUDO, aliás) é política.
As causas dos incêndios podem ser naturais (e algumas vezes até são, mas a maioria das vezes são crime, vil, nojento, irresponsável e normalmente impune), mas a destruição de floresta autóctone para dar lugar ao Eucalipto, o negócio milionário da pasta de papel, a desertificação do interior, a falta de limpeza e manutenção das matas e florestas, a falta de informação, de prevenção e sim, também de meios locais de combate, o negócio imoral que é também a indústria desses meios, não são a "mãe Natureza" a actuar, são causa e consequência de inépcia política e servilismo ao capital.
E se sabemos que as imagens dos incêndios em destaque permanente nas televisões são potenciadoras da actividade pirómana, para quando regulamentação que impeça o uso abusivo das imagens e as reportagens em directo com chamas em pano de fundo? Já que não há vergonha ou sentido ético que se sobreponha à mediatização da tragédia para "ganhar audiências", que se limite a estupidez onde seja possível.
As vidas das 62 pessoas que faleceram ontem no incêndio de Pedrógão Grande terão sido prematura e injustamente ceifadas em vão se nada mudar, se o povo continuar a lamentar no facebook as tragédias e não se lembrar que a tragédia lhes pode bater à porta quando colocam uma cruz num boletim de voto. Não basta fazer donativos às populações desalojadas e partilhar fotos de bombeiros a chamar-lhes de heróis. É absolutamente inútil fazer "orações pelas famílias das vítimas" (a não ser para o ego poucochinho do católico burguês). Útil é pensar o que podemos fazer, cada um de nós, para que este lamentável desastre nunca mais se repita. Útil é ter sentido crítico e exigir que os responsáveis eleitos façam o seu trabalho com honestidade, sabedoria e respeito, dando prioridade ao ordenamento do território e ao património natural sobre a possibilidade de maximizar os lucros para os mesmos (sempre os mesmos) grupos e escolher melhor quem se elege.
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Não me chames linda. Chama-me combativa, independente, inteligente, revolucionária. Chama-me intransigente, irritante, arrogante.
Não me chames simpática. Chama-me guerreira, vingativa, carismática. Chama-me idealista, utópica, parva, ou chama-me pelo nome.
Se não tens nada de positivo para dizer de mim, diz à mesma o que pensas. Só não me digas mentiras, não uses clichés para me descrever, que me agonias.
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Ouvido hoje, no festival de horrores sociológicos (ou serão maravilhas?) que é o meu local de trabalho:
"Não se sabe o que aconteceu, se foi do coração ou um ataque epiléctrico..."
Ainda há dias outra pessoa disse duas vezes "isto é para todos os cidadões" (e não era o Cavaco!), e uma terceira perguntava pelo obcesso do colega.
Eu confesso, às vezes tenho de pensar em coisas muito tristes para conter os ataques de riso, outras vezes tenho mesmo de me esconder para libertar as gargalhadas antes que me engasgue.