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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Era o quarto dia consecutivo que via a mesma mulher vazia, no mesmo lugar à janela do mesmo comboio, de olhos marejados e pendurados no infinito, transbordantes de negro como a roupa que vestia. Olhava com cara fechada um pequeno monitor na palma da mão, de onde saíam, além de alguma coisa que lhe abria um buraco no peito e que sugava as ondas do mar, gaivotas, peixes e traineiras ao largo, uns auriculares que completavam o cenário de exílio. Ela não estava ali, naquela carruagem que largava o início da manhã, pontuada de sonos, risos e agruras de uma pequena tribo rumo às rotinas laborais, um ou outro turista madrugador a caminho de uma praia ainda quase deserta. Sentiu curiosidade e alguma pena da mulher. Ganhou fôlego, levantou-se e sentou-se a seu lado. Ofereceu o seu mais aberto sorriso, com a placa de cerâmica a restaurar a plenitude da confiança dos seus tempos de galã, quando a mulher desviou rapidamente a mochila azul do assento e o olhar do seu vizinho.

Tornou a virar a cara para a janela, sem emoção, voltou ao seu mar de silêncio encriptado pelas canções de amor e Revolução que lhe cantava o cantor maldito ao ouvido e colocou os óculos de sol que lhe prendiam o cabelo em frente a dois pingos finos que lhe salgavam o rosto. Poucos minutos depois, sentiu tocarem-lhe levemente no ombro. O mesmo sorriso de avô que havia visto antes, curtido pelo sol, com o conforto de um hálito ainda preso a uma caneca de cevada instantânea e torradas acabadas de fazer atreveu-se a falar-lhe com a intimidade de uma flecha certeira já alojada entre as costelas. "Oh menina, não esteja triste. A menina desculpe, mas tenho-a visto aqui desde segunda-feira, sempre com essa tristeza toda... É por causa de um rapaz, não é?..." Ela não conseguiu segurar meio sorriso e meio soluço, acenou com o queixo a tremelicar, como se lhe tivessem feito uma rasteira e estivesse em queda, já antecipando os dois joelhos esfolados no asfalto. "Eu vi logo... Menina, deixe-o ir. Oiça o que lhe digo! Se ele gostar de si não a deixa escapar, uma menina tão bonita... Amanhã trago-lhe uma prenda. Não tenha medo nem me leve a mal, eu tenho duas filhas como a menina, uma é mais velha, já tem dois cachopos pequenos." O idoso sorridente continuou a debitar a sua vida, a tornar-se próximo e amistoso com a facilidade que ela sempre admirava nas pessoas com este dom de comunicar com os outros com a naturalidade de amigos de infância. Falou dos netos e alguma coisa sobre umas férias nas termas, alguma outra coisa sobre doenças próprias da velhice que ela preferiu não escutar, apesar de parecer atenta. "(...) Vou sair nesta, mas amanhã trago-lhe a prenda. É uma flor, a menina gosta de flores, não gosta? Mas já chega de lágrimas, hã?! Até amanhã, menina!"
Ela ficou na dúvida sobre o que tinha ali sucedido. Se calhar só imaginou aquele monólogo, se calhar cedeu ao sono que combatia com ganas e alucinou, ou se calhar foi só mais um dos episódios surreais que lhe pontuam a existência de quando em vez, só para recordar que as improbabilidades acontecem e desafiam a lógica, só para recordar que o inesperado pode ser o que falta para restaurar esperanças afogadas ou pode também ser a certeza de que a tragédia é a mais garantida forma de virar os enredos do avesso.
Cansada dos bons conselhos, iguais a todos os que não seria capaz de seguir, exausta das pausas forçadas para retomar o que já não tem cura e nem chega a ter retoma, ponderou imobilizar-se a meio da linha. Nunca tinha  encontrado beleza na possibilidade de abraçar, de peito feito e com a paz de um sorriso torturado, toneladas de aço e ferro a deslizar poeticamente na inevitabilidade. Analisou as opções. Não saberia fingir que gostava de flores se estas não estivessem vivas, incapaz de se imaginar a sobreviver a uma mesma viagem que já repetira, a que já conhecia as curvas e contra-curvas, os declives e o chiar dos carris, cansada de a estação terminal ser sempre o mesmo destino de solidão, decidiu. Não mais voltaria àquele comboio. Aquela tinha sido a última viagem.

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Viajar é preciso. É absolutamente essencial para aprender a vida, para reconhecer a humanidade em todos os rostos, para perceber que somos todos feitos do mesmo, de matéria mortal e de sonhos, de medos, de risos e de dor. Viajar é a única forma de compreender a filosofia, a inutilidade da religião, a globalização, a ecologia, a finitude dos recursos e o propósito de existirmos, de unir todos os saberes com uma visão menos parcial e incompleta do que somos - que é nada além do acaso material da vida e da consciência.

Como entender um mundo tão grande e diverso e realmente reflectir sobre os “desafios globais” de que nos falam livros e debates, se permanecermos toldados pela visão pequenina e eurocêntrica do mundo? Viajar não é passar uma semana de reclusão num qualquer resort com tudo incluído, que isso é pior do que não espreitar para a rua desde o abrigo quente das quatro paredes. Viajar é conhecer o resto do mundo com outros olhos, é correr riscos e confrontar cada preconceito, questionar as necessidades que pensamos que temos e o conforto a que estamos habituados, é conhecer a realidade de forma mais isenta, é saber onde vivem os trabalhadores dos outros países, quanto pagam por um litro de leite e que transportes apanham para o trabalho, o que cantam quando comemoram alguma coisa, de que riem e o que fazem ao Domingo. Viajar é viver na pele dos outros, é fazer um esforço para virar a cultura e a sociologia ao contrário quando é preciso, e perceber que afinal todas as diferenças não são mais do que manifestações ímpares daquilo que é comum a todos. Viajar abre horizontes em múltiplos sentidos, mas talvez o mais importante seja calejar a tolerância. Tudo o que pode chocar com o que normalmente tomamos por adquirido encerra um potencial de aprendizagem espantoso que vale por si só, e ainda potencia a empatia para com os outros seres humanos. A empatia é a pedra basilar para fazer um mundo melhor, para revolucionar verdadeiramente o mundo feio e egocêntrico que tritura vidas e esvazia almas em troco do lucro máximo de quem já lucra tudo.

Viajar é preciso, mas não é preciso percorrer os quilómetros para sair de quem somos. Conheço muita gente com inúmeros carimbos no passaporte mas que nunca foi capaz de sair da sua pequenina bolha impregnada de preconceitos e amarras. Felizmente conheço também quem tenha saído pouco do seu país e seja cheio de mundo (respeito imensamente quem se expõe ao desconhecido propositadamente, com um devir consciente e não sem um esforço insistente). Era Bernardo Soares, heterónimo de Pessoa, que dizia, certeiro: “Para viajar basta existir. (...) Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.

Viajar é um acto humanitário, de rebeldia e revolucionário. É cortar amarras de preconceitos e aprender que todas as verdades podem ser discutidas. É também por isto que viajar é muito diferente de ser turista. Ao turista importa ir aos monumentos que o guia da excursão diz que são imperdíveis e tirar uma selfie em cada um para poder atestar que cumpriu os mínimos obrigatórios. Ao viajante importa misturar-se na multidão, fazer compras no mercado e comer nas tascas onde o povo come. Ao viajante importa regressar mais rico, mais duro e mais maduro, porque nunca é o viajante que partiu o que regressa. O viajante não traz respostas no bolso para distribuir pelos outros, recolhe perguntas e confronta-se com elas diariamente. O viajante não sossega, porque a inquietude corre-lhe nas veias e faz reacção alérgica ao conformismo. Quem viaja nunca dirá que está satisfeito, que já viu e viveu tudo o que tinha para ver e viver. Quem viaja tem uma sede insaciável de fazer parte do mundo todo, tem noção da sua pequenez, insignificante presença efémera, e vive atormentado com quaisquer amarras que lhe queiram impor.

Portugal e, em particular, o Porto e Lisboa, parecem ter sido descobertos nos últimos anos como “O” novo melhor destino de férias citadinas. E o título é seguramente merecido, em qualquer dos casos. São cidades lindíssimas, o custo de vida é baixo quando comparado com outras cidades europeias, há Sol e calor com fartura, a gastronomia é estupenda, os vinhos são ainda melhores. Ele é prémios de melhor destino, são sucessivos destaques em publicações internacionais (especializadas e não especializadas), um sururu global ao que vêm ajudar os preços acessíveis e apetecíveis das companhias aéreas low cost.

Como viajante adicta (não é sinónimo de turista, mas já lá vamos) e pelintra, não posso criticar os estrangeiros que têm vontade de conhecer um pouco de Portugal e aproveitam as condições favoráveis para o fazer. Pelo contrário, acho que fazem lindamente. E acho lindamente que o país invista no turismo e retire dividendos do melhor que temos para vender (clima, paisagem, gastronomia e cultura), e que foi subaproveitado durante muito tempo (marcas da ditadura e da psique de “coitadinhos” com sentimentos de inferioridade). Mas, obviamente, tudo tem a sua conta e medida, e neste momento penso que o limite do razoável já foi, em muito, excedido. Falo sobretudo do que conheço no dia-a-dia, que é Lisboa, mas calculo que no Porto se passe o mesmo ou pior.

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Há uns anos passear na Baixa lisboeta era francamente triste. As ruas vazias, silenciosas, ocas; as lojas outrora cheias de movimento e vida estavam quase todas fechadas, falidas, ou deixadas ao abandono. Passar na Rua Augusta vazia, triste, era uma sombra amarga e melancólica do que Lisboa tinha sido nos anos ‘80 e início dos ‘90. Lembro-me bem do ambiente da Baixa nessa altura, meio hippie e intelectualóide, cheio de lojas da moda e alternativas, cheia de artesãos, caricaturistas e alfarrabistas nas arcadas da Praça do Comércio, que faziam as minhas delícias. (Dizia eu que, se o curso dos meus sonhos corresse mal e não encontrasse trabalho ia fazer pinturas e desenhos para a Rua Augusta para ganhar a vida.)

Hoje em dia, o ambiente é bastante diferente. A língua mais ouvida não é o português (mas ouve-se muito francês, inglês, italiano, alemão, espanhol, chinês...), a Baixa e quase toda a cidade e arredores fervilham de energia, de agitação, há lojas com nomes estrangeiros por todo o lado, há restaurantes da moda, com conceitos alternativos e preços “salgados”, há hotéis e hostels a nascer em tudo quanto é sítio. Há tuc-tucs em azáfama contínua a largar e apanhar grupos de turistas, há músicos de rua, estátuas humanas, filas imensas para subir ao Elevador de Santa Justa, os eléctricos passam apinhados, os comboios para Sintra apinhados vão, logo às oito e picos da manhã, os comboios (e as bilheteiras) para as praias da linha de Cascais não dão vazão aos magotes de “beach droids” altos, loiros e com pele vermelha que fazem fila pelo Cais do Sodré fora.

E os lisboetas? Esses deixaram de ter casas para arrendar (porque os proprietários descobriram que o arrendamento de curta duração aos turistas rende bastante mais), deixaram de ter poder de compra para os preços exorbitantes do m2, deixaram de ter lugar nos transportes públicos disponíveis (a qualidade dos transportes públicos lisboetas, que nunca foi boa, tem conseguido piorar significativamente). Portanto, lisboetas em Lisboa são cada vez mais raros, já que a um trabalhador comum se torna impossível comportar a despesa de uma renda ou prestação de hipoteca no centro da cidade. Estes trabalhadores vêem-se assim, cada vez mais, “empurrados” para os subúrbios, ou para quartos em vez de apartamentos, ou para T0 e T1 em vez de T2 e T3, de acordo com o rendimento ou, em termos politicamente inertes, "classe sócio-económica". A gentrificação é bem real, é mais uma manifestação de que o sistema burguês sacrifica tudo, incluindo a própria identidade, a favor do capital, e está a assumir proporções incomportáveis. 

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O que se prevê que suceda num futuro próximo (sem ser necessária bola de cristal) é óbvio: a oferta irá, eventualmente, começar a superar largamente a procura, os hotéis, restaurantes e lojas vão começar a insolver e fechar portas, os preços irão novamente cair, e se nada mudar entretanto, o ciclo repetir-se-á. Com o novo aeroporto na Margem Certa, o mesmo fenómeno tenderá a alastrar, mas a um ritmo mais brando, também aos subúrbios.

É, obviamente, necessário regular as actividades económicas directamente relacionadas com o turismo de massas. Caso essa regulação não suceda, é muito provável termos um cenário de protestos idêntico (na versão soft, que já se sabe que os portugueses são um povo de “brandos costumes” - infelizmente, digo eu) ao que se vive já em outras cidades hiper-saturadas de turismo, como Barcelona ou Veneza.

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O turismo de massas é um verdadeiro factor dissuasor para o verdadeiro viajante, garanto eu, apesar de serem as massas a trazer consigo a promessa do lucro fácil. O viajante quer realmente conhecer o sítio e o povo que visita, quer misturar-se com os locais, quer comer o que comem os locais, andar de transportes públicos, sem grandes planos, à aventura. O turista (o tal das massa$) usa o táxi para ir do aeroporto ao hotel porque vem carregado com 2 trolleys para os 4 dias de férias, quer ir aos monumentos todos, bater uma selfie e passar ao próximo, para poder correr toda a lista de pontos de interesse que os guias lhe apresentam. Quer comer hambúrgueres ou o que seja para ele “normal” sem se aventurar em sabores muito exóticos. O viajante prefere alojamentos locais, o turista usa hotéis de quatro estrelas. O turista não se importa nada de pagar 4€ por uma imperial ou 30€ por meia hora de cruzeiro no Tejo, porque até está de férias e não lhe faz grande diferença. O viajante paga 1€ pela imperial, porque é o preço nas tascas sem pretensiosismos e apanha o barco para Cacilhas (1,25€ por trajecto) para explorar o Ginjal.

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Em suma, o turista papa o que lhe puserem à frente, não questiona muito e sai sem perceber muito bem se esteve em Espanha, Portugal ou lá como se chama o sítio que tem paellas e tapas por todo o lado. Já o viajante, quando percebe que o tal sítio se transformou numa espécie de Disneylândia feita de cenários de cartão (“para inglês ver”) e filas para as “atracções”, sem vislumbre da autenticidade que tornava o sítio especial e sem habitantes, só turistas… Foge para outras paragens.

Uma reflexão colectiva impõe-se, e em boa hora (eleições autárquicas a 1 de Outubro, caso não tenham reparado). O que é que queremos? O que é mais importante para o país, que os seus habitantes e trabalhadores tenham condições para cá viverem e trabalharem, ou transformar os locais icónicos em grandes negócios de hotelaria, com muitas camas e poucas casas? Vamos permitir que nos expulsem progressivamente de nossas casas?

Da primeira vez que estive em Amesterdão, fui sozinha. Estava um frio de rachar. Não percebi todo o deslumbramento generalizado com a cidade. Achei gira e tal, mas suja e completamente sobrevalorizada.
Da segunda vez, fui com uma amiga. Estive mais tempo, o tempo estava frio e chuvoso, e conheci mais coisas, mas continuei a ter uma opinião morna. Tudo caro, algo sujo, sem nada que fascinasse.
Desta vez, fui contigo. Não choveu, mas também estava bastante frio. Só que, desta vez, tudo me pareceu bonito, sereno, em sintonia. O Sol brilhou. Realmente um raio de sol faz toda a diferença na Luz, nos reflexos, no estado de espírito, nos sorrisos das pessoas na rua.
Passeámos muito de mãos dadas, fizemos piqueniques improvisados nos parques, apanhámos estafas nos museus. E a cidade ganhou outra cor, outro encanto adocicado, suave e afável como a superfície do Amstel num dia de Primavera.
Já viste como pode apenas o Sol mudar tudo em nosso redor e dentro de nós?

Quando estivemos em Paris também senti o mesmo, as ruas dos subúrbios encantadoras, cada detalhe fortuito engraçado e simpático, e até a língua, de que nunca gostei, me pareceu menos presunçosa e mais aberta e interessante. Também deve ter sido o Sol a fazer a diferença, tão grande diferença em cada momento. A cidade abraçou-nos, estendeu o tapete vermelho e convidou a ficarmos para sempre numa pintura de Saint-Lazare.


Só que em Paris não vimos o Sol, choveu o tempo todo.



Aeroportos e estações de comboios, feitos ambos de movimentos, uns perpétuos e rotineiros, outros cortes de guilhotina com o tempo e o espaço, marcando a cinzel um antes e um depois. Tudo passa, passam as gentes, para a frente e para trás, ficam uns enquanto outros partem, uns correm para o seu destino, expectantes ou desiludidos, como quem foge da sorte. Outros suspiram pelo reencontro, um regresso adiado, ansiado, para o seu lugar.
 
A vida acontece sob lentes caleidoscópicas e de ampliação de tudo o que mais importa nos aeroportos e estações de comboios. Como se fosse mais pura, mais filtrada do que é acessório e banal. Mesmo que não haja nada mais banal do que apanhar o comboio de volta para o sítio onde se iniciou.
 

As viagens ampliam a vida.
 

Disclaimer: se pensam que vão descobrir alguma novidade neste post, corram já para trás. Este é o post mais cheio de lapaliçadas de que há memória.



Contudo, a julgar pela quantidade absurda de comentários, conversas, discursos e verdadeiras dissertações sobre o frio que se faz sentir, nomeadamente na comunicação social, alguém tem de o dizer com frontalidade: É o Inverno, estúpidos!
Estamos no hemisfério norte, é Janeiro. Queriam praias quentes, banhos de mar e bikinis, era? Vão para a "metade de baixo" do mundo, não está assim tão longe.



Eu sei que todos temos a mania que vivemos numa espécie de país quente, só porque temos trezentos dias de sol por ano. Os arquitectos que pensaram as nossas casas também têm essa mesma mania, ė por isso que não levam a sério o isolamento (ou então foram todos presenteados com um hotspot!!!) e é por isso que dentro das nossas casas temos mais frio do que os nossos amigos holandeses ou mesmo os russos.
Mas tudo na vida é relativo. 3°C é frio para nós, mas imaginem se o povo da Ucrânia reclamasse tanto como nós de temperaturas destas... Quando chegassem aos não raros - 20°C já tinham a língua e a garganta congeladas de tantos ais.



Para se calarem duma vez com o queixume, Dicas absolutamente essenciais e inéditas (not!) para combater o frio:



  • Isolamento, isolamento, isolamento. Se tiverem a oportunidade de construir a vossa própria casa, tenham a sabedoria de investir no isolamento térmico. A eficiência energética dispara e a poupança a longo termo é brutal!
    Se sois pobres como nós, podeis fazer algumas obras de melhoria do isolamento térmico, mas nunca será a mesma coisa. Por isso, há que compensar da melhor maneira que puderem.

  • Lembram-se de haver "chouriços" de pano debaixo das portas e janelas das nossas avós? Façam o mesmo. As avós sabem, sempre.

  • Acendam a lareira (e usem pinhas em vez de acendalhas, por favor), comprem um aquecedor a gás, a óleo, de halogéneo, o que entenderem. Mas aqueçam a casa com segurança e inteligência. Pode saber muito bem ter todas as divisões da casa a 24°C, mas vale a pena gastar uma pipa de massa para aquecer tanto divisões que nem sequer se usam muito?

  • Para enfrentar o gelo matinal na rua, não se esqueçam das luvas, do gorro, cachecol e tapa-orelhas (depende apenas da vossa resistência ou tolerância).

  • A roupa em camadas é sempre boa ideia, mesmo para quem, como eu, não tolera mais do que 3 camadas (camisola interior, camisa ou camisola e casaco bem quentinho). Para os pés, umas meias de vidro por baixo e outras de algodão por cima fazem o mesmo que meias grossas de lã.

  • Durante o dia, se trabalharem num sitio interior "normal", não terão problemas. Se tiverem a mesma sorte que eu e trabalharem num escritório em que o ar condicionado está avariado 4/5 do tempo, o ideal é mesmo ter um casaco de malha ou um poncho de reserva.

  • Uma caneca de chá quentinho aquece as mãos, a garganta e a alma

  • Um saco de água quente dentro da cama, sobretudo se os lençóis forem polares, faz milagres! Um pijama quentinho e umas pantufas não são menos confortáveis do que um top e calções.




  • E por último, voltando ao óbvio... Se está frio aqui, agarrarem na trouxa e pirem-se para os trópicos!


Pode ser para muitos uma tarefa fastidiosa e que se vai empurrando com a barriga até à última da hora, mas é uma das coisas que nao me importo mesmo nada de pensar exaustivamente, organizar, e depois despachar em 3 tempos. FAZER A MALA! Até porque fazer a mala é sinal de viagem próxima, e se há coisa melhor do que viajar (de preferência com a nossa companhia preferida), ainda estou por descobrir qual é.


Assumindo que quando chega a altura de pensar na bagagem as coisas mais importantes (como vistos e bilhetes comprados) estão tratadas, tratar da bagagem pode ser uma tarefa bastante simples e rápida. Seguem-se algumas coisas importantes e que podem fazer toda a diferença para que a viagem corra mesmo bem:


 



  • escolher a mala, troley ou mochila, conforme o gosto pessoal e o tipo de viagem/destino. Ninguém vai fazer uma escalada de troley numa mão e necessaire na outra, naturalmente... Bem como também não será muito comum aparecer num hotel de 5 estrelas duma metrópole com uma mochila Quechua velha e coçada - eu sou a excepção que confirma a regra...  Nós somos fãs de mochilas e não nos vejo a mudar de opinião tão cedo - os troleys pesam menos, verdade, mas só quando estão a rolar, porque sempre que há degraus (e há em todo o lado) não dão jeito nenhum. Eu uso uma mochila de 40l e o homem uma de 60l. Nunca ficam cheias, pelo menos à ida, e andar com elas às costas é o maior incentivo para levar realmente apenas o necessário. Ou seja, deve-se fazer exactamente o oposto do que um amigo que anda por estes dias na Índia fez, com uma mochila de 65l a abarrotar e ainda mais uns extras por fora (saco-cama e outras coisas assim maneirinhas).

  • verificar o tipo de tomadas eléctricas no destino; se for necessário, levar um adaptador - há uns adaptadores universais que valem o pequeno investimento (comprei o meu no sítio onde há de tudo, o meu amigo ebay);

  • fazer uma lista com os itens a não esquecer (ou exaustiva, para os maníacos das listas como eu): passaportes, medicação habitual, vouchers de alojamentos e transfers, protector solar, geringonças electrónicas (máquina fotográfica, carregadores, etc.)

  • se só leva bagagem de cabine, não é preciso, mas se a bagagem for no porão, por precaução, uma roupa interior e uma t-shirt lavada na bagagem de mão, não vá o diabo tecê-las e dar-se um extravio das malas. Nunca nos aconteceu, mas é das coisas mais chatas, mesmo que a bagagem não tenha nada de especial, mesmo que a companhia aérea pague a compensação devida, é um stress acrescido e que rouba tempo da viagem em si para ter de ir comprar uns essenciais enquanto a mala não chega ao destino - e pode mesmo nunca chegar, por isso...

  • não colocar itens essenciais ou valiosos na bagagem de porão. Eu nunca me separaria da my precious, a máquina fotográfica, por exemplo - vai sempre comigo, bem como medicação crónica e documentos. Para estas coisas e ouras utilidades, como snacks, telemóvel ou um guia do local, costumo usar uma day bag (mochilita leve) para usar durante o dia de passeio.

  • Last but not least... Roupa. É importante ver a previsão meteorológica antes de escolher as peças de roupa a levar: se vai estar um calor abrasador, pode deixar o casaco de malha no roupeiro, mas se vai chover é melhor levar um impermeável e um pequeno chapéu-de-chuva. A não ser que vão com ideias de desfilar em vez de aproveitar o tempo para conhecer o destino, a palavra de ordem é conforto. Sobretudo no calçado, é imperativo levar o calçado mais confortável que se tenha, ponto. Quantos pares? Os mesmos que os pares de pés que se tenha e uns chinelos de quarto/praia, se necessário. A roupa deve ser versátil e se as peças combinarem todas entre si, é muito mais fácil escolher combinações que agradem sem ter de levar o roupeiro atrás. Descomplicar é a outra palavra de ordem. O que quero dizer com isto é: umas calças de ganga podem vestir-se várias vezes antes de precisarem de lavagem. Outras peças e roupa interior, por exemplo, nem por isso. Mas isso significa que temos de levar 21 cuecas para 3 semanas de férias? Não. Água e sabão, meus amigos... E eventualmente, uma pequena corda para servir de estendal. Lavar t-shirts, meias e cuecas ao final do dia e deixar a secar durante a noite ou no dia seguinte são A chave para o célebre travel light. Com alguma prática acabarão a colocar tanta roupa na mochila para um fim-de-semana prolongado como para 3 semanas. 



Dica extra: levar um lenço largo ou uma écharpe é das melhores coisas para o viajante descomplicado: serve de aquecimento para o pescoço, de acessório de moda, serve de chapéu para proteger do sol ou do vento, serve para cobrir a cabeça, os braços ou pernas se estavam mal preparados para visitar um sítio de culto, para tapar nariz e boca quando há muito pó ou smog, serve de toalha de praia e mais trinta por uma linha.


 


Boas viagens!


Ajustar as expectativas, no que diz respeito a viagens, é essencial para não maldizer cada dia e cada cêntimo gastos. Mas igualmente importante é:

- não ir em carneiradas, excursões, épocas altas, sítios da moda;

 


- dar tempo e espaço à descoberta e improvisação;

 


- chegar mais cedo ou mais tarde aos pontos críticos;

 


- fugir do "beaten path";

 


- conhecer os sítios como os locais o fazem, ir aos sítios que os locais vão e fazer o que eles fazem;

 


- estudar, perguntar, pesquisar;

 


- deter os pequenos pormenores e ter capacidade de abstracção.

 


 

A viagem não é uma check-list de pontos turísticos, é a experiência real, é lidar com multidões, com lixo, com stress, é saber aproveitar quando está frio, quando chove e está nevoeiro. É chegar a tempo de ver o nascer do sol no Taj Mahal e pensar que não há fotografia que faça jus áquela beleza. É provar vinhos nas tascas de ruelas esquecidas e quase desertas de Veneza. É experimentar todo o género de comida de rua na Tailândia e achar, em casa paragem, que aquela é a melhor refeição da vida. É dar um beijo apaixonado na grande muralha da China e pensar em quantos terão feito o mesmo nos últimos 2 milénios. É encontrar poesia nas aves que se abrigam durante uma trovoada tropical. É adorar andar perdido no meio de ruelas escuras e ser confundido com um nativo. É fechar os olhos no palácio imperial de Viena e senti-los mareados quando imaginas o pequeno e genial Mozart ao colo da princesa Sissi. É sentires estranhíssimos déjà vus no antigo império Otomano e admitires a possibilidade de reencarnação.

 


É não saber o que te vai fascinar e ficar guardado na memória da próxima viagem.

 

A propósito disto.

Portugal tem um dos novos hotspots da Europa, e muito graças às companhias aéreas lowcost, que tornaram o que era, há uns anos, uma viagem de meia semana por 500€ ou mais, numa escapadinha acessível a quase todas as bolsas. Viagens de ida e volta por 50€ ou menos (ou mais, tudo depende das datas e da antecedência com que se faz a reserva) é um factor essencial que faz todos os portugueses (ou próximo disso) conhecerem ou revisitarem aquele que é, provavelmente, o arquipélago mais belo do mundo.


Como só posso falar do que conheço, e só conheço São Miguel (por enquanto), cá ficam as minhas dicas para quem ainda não conhece, e para os que hão-de regressar.


 


Como ir:
- Easy jet
- Ryanair
- SATA
- TAP

Como visitar:
Carro alugado (essencial para chegar a todo o lado e não perder pitada do tanto que esta ilha tem para oferecer)
- A pé pelo centro
- Trilhos nas serras



O que visitar:
Lagoa das sete cidades


Lagoa do Fogo


- Lagoa das Furnas


- Ponta Delgada, centro e não só (ver mais aqui)


- Mercado da Graça, Ponta Delgada


Teatro Micaelense


Furnas


Poça da D. Beija (3€, todos os dias das 07:00 às 23:00 - saída das piscinas às 22h45)


Ermida de Nossa Senhora da Paz


- Vila Franca do Campo


- Povoação


Fábrica de Chá Gorreana (visita gratuita, com oferta de um chá no final)


Mosteiros


Parque Terra Nostra (5€)


- Lagoa


- Santana


- Rabo de Peixe e as obras de Vhils em homenagem aos seus habitantes


- Ribeira Grande


Nordeste


Estufas de ananases

O que fazer:


- Observação de cetáceos: várias companhias actuam nesta área, com embarcações que saem de Ponta Delgada. A actividade está sempre dependente das condições meteorológicas, por isso convém informar-se antecipadamente sobre os dias de saída e conjugar com os seus planos. Não é uma actividade barata, mas é inesquecível.


- Trilhos na serra


- Ir à praia (eu não sou fã de praia, mas recomendo a Praia do Pópulo, bandeira azul)


 


Onde comer:
Associação Agrícola de São Miguel, Santana (o queijo com pimenta da terra ou doce de ananás para entrada e depois, a extraordinária carne dos Açores)


Cais 20, Ponta Delgada (o pão de alho, os cubos de tamboril, peixe, petiscos, as gambas, as lapas... o restaurante também fornece transporte grátis de e para os hotéis, e tem um bar)


- Mariserra, Ponta Delgada


- Borda d'água, Lagoa (lapas, peixe assado fresquíssimo e o cheirinho a maresia à porta)


- O Jaime, Vila Franca do Campo (matança com todos, peixe assado)


Gáscidla, Mosteiros (polvo, bacalhau, lapas, e a única opção em Mosteiros)



Onde ficar:


Hotel do Colégio: no centro de Ponta Delgada, pequeno e perfeito para quem quer explorar a cidade a pé, com um serviço de qualidade.


Quinta de Santana, do outro lado da estrada em relação à Associação Agrícola, económico, tem apartamentos bem equipados (alguns mais modernos e alguns mais tradicionais), de 2 pisos, com jardins muito bem cuidados, uma piscina simpática, muitos gatos!, a opção ideal para quem prefere self-catering de algumas refeições (nomeadamente o pequeno-almoço, que não está incluído na tarifa normal).


Hotel Vip Executive: longe do centro, mas tem a vantagem de, se estiver com um carro alugado, ter estacionamento. É um hotel grande, talvez grande demais, normal para o standard das 4 estrelas, com um bom pequeno-almoço.


 


Compras:


- Queijo da Ilha (no Rei dos Queijos, à entrada do mercado da Graça, ou supermercados - essencialmente aos mesmos preços que encontra no continente)


- Queijadas de Vila Franca (na fábrica, em Vila Franca do Campo, ou nos supermercados)


Queijadas da Graciosa


Bolo lêvedo (receita no link)


- Doce de Ananás (nos supermercados Sol Mar, entre outros), perfeito para conjugar com queijo fresco ou queijo da ilha


Licor de Maracujá do Ezequiel ou Mulher de Capote (nos supermercados ou, se viajar sem bagagem de porão, no aeroporto, em que os preços não são muito diferentes do resto da ilha)


- Chá Gorreana (na fábrica ou nos supermercados, na variedade que preferir)


 







 Boas viagens!

A minha wishlist das coisas materiais (que não é a wishlist a sério) é curtinha e tem há anos e anos seguidos (mais de 20, garanto) os mesmos itens*.


Não pelo valor material ou preços proibitivo (que não têm), não que sejam assim tão raros de encontrar. Pelo significado que têm, em crescendo.


Globos terrestres, mas de quando ainda existia União Soviética, Jugoslávia, de quando Myanmar ainda era a Birmânia.


 


Da outra wishlist, de imaterialidades que até podem ser conseguidas com cartão de débito, não vale a pena escrever, eu aponto no globo.


*Já risquei da lista o Monet e o Klimt. Venha um Dali.

Quando era pequena, adorava ir ao zoo, e tudo o que envolvesse estar perto de animais. Dar pão aos patos no pequeno lago do jardim, observar formigas e lagartixas também. Há várias fotos de mim, no zoo, agarrada às redes, sem ser perceber bem se preferiria que os bichos estivessem livres ou que eu estivesse do lado de lá. Creio que me era indiferente, eu queria era estar com eles, comunicar com eles. Recordo-me de ter a sensação de não me sentir diferente destes animais e achar que comunicava de forma algo telepática com eles. Na verdade, ainda acho um pouco.

 

O que vem nos livros de conservação da natureza e biodiversidade, e com o que eu concordo, é que os zoos têm uma importantíssima missão de educação e sensibilização. É verdade que não se gosta daquilo que não se conhece, e do que não se gosta não há vontade de preservar. Toda a gente está sensibilizada para o perigo que correm os pandas e o seu habitat porque os pandas são giros, são fofos, são engraçados. (As espécies menos fofas também precisam de atenção e é bem mais difícil captar atenções e mobilizar meios de estivemos a falar de répteis com ar feroz ou de peixes feiosos.) Acrescento ainda o papel que os zoos tem em múltiplos programas de preservação de espécies em risco, também pelo aspecto da reprodução em cativeiro, e programas de salvamento e mesmo de reintrodução de animais no seu habitat natural. Tudo certo. Há todo um trabalho muito bom e muito meritório de todo o meu respeito e veneração, mesmo.

 

Mas depois há a realidade. Eu pensava que aguentava e que tinha saudades de ir a um zoo, toda a minha racionalidade alerta confirmava cada palavra que repeti para conseguir convencer o homem, que odeia zoos tanto quanto odeia touradas e animais no circo (como eu), metendo tudo no mesmo saco. Eu tinha de ver os pandas no Zoo de Pequim, tinha mesmo. Lá fomos. O homem sob protesto. Ainda por cima tão barato. E foi duro. Muito duro. Não que as condições fossem más, para zoo, que não são. Mas não só não matei saudades de zoo como até acho que enquanto me lembrar daquele urso não volto a pôr os pés num zoo.

 

Sacana do urso, tão longe da sua casa (ainda que nunca tenha conhecido outra), com aqueles olhos a falarem comigo, a pôr-de de pé quando viu o homem, com ar de súplica, como quem pede ajuda ou só conversa. Os acrílicos entre nós. Outros ursos a vaguear. Os olhos daquele urso a perguntarem "porquê". Os meus olhos desfeitos em sal, os olhos dele a soluçarem. Mesmo a recordação daqueles minutos me dói com o peso de todo o mal que fazemos ao planeta, a nós.

 

Não mais, por favor. Não mais.

A Carolina admite, tem medo. 

 

Não sinto o mesmo.

 

Posso dizer-vos que já se tornou quase uma anedota cá em casa e entre as pessoas mais próximas, sempre que vou para algum lado, parece suceder-se uma desgraça em grande escala pouco depois. Quase me apanhando de raspão. Desde atentados terroristas (nunca me vou esquecer que as imagens que foram divulgadas dos atentados em Mumbai, na estação de comboios Victoria Station, tinham um plano da cadeira onde estive sentada na cafetaria, dias antes), golpes de estado (Tailândia), explosões violentas, aviões a cair, sismos, you name it. Costumo dizer, como uma graçola, que a CIA deve andar a vigiar-me há anos, mas que sou absolutamente inocente (e sou!).

 

Não tem graça. Claro que já me cruzou o pensamento umas dúzias de vezes "e se (...)?". E se eu estivesse naquele avião, e se eu estivesse ali naquele dia, e se fosse comigo? Seria hipócrita dizer o contrário. Mas isso muda alguma coisa do que faça? Não. Claro que há riscos que podemos, e devemos, evitar. Mas só se vive uma vez, até prova em contrário. E todos morremos. E é quase sempre imprevisível o quando e o como. E não temos grande controlo sobre o curso das coisas.

 

 

 

 

Não tenho medo. A verdade é essa. Pode acontecer qualquer coisa, em qualquer canto do mundo. Tudo é um risco. Deixar de viajar seria uma morte lenta. O que não admito, jamais, é deixar de ir onde posso e quero por medo de qualquer coisa. Seria como deixar de viver, por ter medo de morrer

Estamos de férias do outro lado do mundo. Internet só no hotel e nem sempre. Demasiadas coisas bonitas para ver e viver, não sobra tempo para blogar. Adoro a Ásia, adoro a Ásia, cada vez mais adoro a Ásia. Devo ter nascido por cá numa vida passada. O homem idem, está farto de ter dejá vus. Nasci para isto, não percebo porque é que ninguém me paga para viajar constantemente. Até breve!


Além da tendência inata para a invisibilidade, devo ter uma cara que se enquadra em todos os sítios e em sítio nenhum. Vejamos: quando estou no estrangeiro os locais (ou turistas nacionais) pedem-me indicações de mil e uma coisas, não obstante muitas vezes nem sequer me dar ao trabalho de não parecer uma turista (isto significa andar com a máquina fotográfica ao pescoço, e por vezes com um guia ou mapa do sítio que estou a visitar na mão). Em Portugal também, mas isso é bastante mais natural do que tentarem vender-me passeios no Douro em castelhano ou darem-me menus em inglês - o que também vai acontecendo amiúde.
Não sou pessoa de falsas modéstias, eu sei que tenho um jeito nato para línguas e sotaques, que apanho muito fácil e instintivamente entoações e toda a linguagem não verbal. Isso facilita a comunicação em qualquer sítio do mundo e, se quisesse, podia enganar alguns (lembro-me do colega checo que ao fim de 10 minutos de conversa em inglês me perguntou quantos anos eu tinha vivido nos States - nunca lá pus os pés).
O que me aflige é eu constatar, dado o à-vontade com que me pedem indicações e informações mas mais distintas línguas, que: em Marrocos, que devo ter cara de marroquina; em Itália, que devo ter ar de italiana (e além dos italianos, serem portugueses a perguntar e eu arriscar, pelos trejeitos e sotaque, ou só mesmo porque sou muito boa a ler as pessoas, a responder em português); na Rússia, que devo ter cara de russa; na Malásia, que devo ter cara de malaia; na Polónia, que devo ter cara de polaca; no meu terceiro dia em Barcelona houve uma senhora que me disse que o meu catalão era quase perfeito e perguntou há quanto tempo estava ali a trabalhar, depois de lhe dar dicas sobre os supermercados e mercado da zona. Enfim, estas histórias repetem-se por aí fora. Não me lembro dum país em que tenha estado mais de um dia (e já lá vão umas dezenas) em que não tenha vindo alguém pedir-me indicações na língua nativa. Os episódios mais cómicos devem ter sido e o da Rússia (acabadinha de desbravar o suficiente do alfabeto cirílico para conseguir ler os nomes das estações de metro e vem uma russa perdida perguntar muitas coisas que não faço ideia; mas lá apontei para uma das senhoras que estão nas casinhas de vigilantes ao fim das escadas rolantes como uma melhor alternativa informativa) e o polaco: mesmo não falando mais de meia dúzia de palavras de polaco, isso nem impediu uma velhinha de me fazer um autêntico questionário e mantemos uma espécie de conversa, nem de eu dar uma decompostura a uma feira armada em chica-esperta que achou que podia passar à frente de toda a gente num consultório.