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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

O meu elemento é o ar (o nome do alter-ego não é acaso). É onde me sinto mais em casa, com alguma distanciação do terreno e material. É lá por entre as nuvens que me encontram a divagar, muitas vezes a construir castelos ou a conversar com os pássaros. Sem pesos nem amarras, num mundo alternativo.

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Insólita é também a fuga às palavras, tantas vezes único destino de pensamentos e desabafos. Agora compreendem-nas bem, demasiado bem, e os seus significados ocultos são transparentes aos olhos de quem os sabe. Ando à volta e evito escrever as palavras que marcam mais, a ferro em brasa nas costas, porque sei que não poderão ser desditas e, se nunca forem verbalizadas, talvez um dia possamos fingir que nunca foram reais.

Para as compensar - às palavras caladas - soltam-se os restantes verbos, primeiro a conta-gotas e depois em inundação de todos os mares. Não me peçam silêncio. Quando nos atiramos de um avião ou de um desfiladeiro, se não houver lugar a exclamações, algo está desfasado da realidade. (Eu estou, muitas vezes, num qualquer universo paralelo feito só das coisas que importam e desprendida das amarras da realidade bacoca e imbecil.) Quando o pára-quedas está roto, é bom que se diga o que há para dizer antes da testa bater no chão. E já agora, é bom que se goze o vôo, que se sinta a adrenalina a bombar nas artérias, pupilas dilatadas e coração em fast forward.

Tu, que prendes entre os dentes a faca com que rompeste os meus planos de panos e vôos planados, é bom que uses a lâmina para apontar ao meu peito em vez de lamentares enquanto me vês cair. Os teus lamentos são imaturas consequências dessa instabilidade pueril. Se querias ser o meu homem, saltavas comigo.

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Irritam-me as pessoas que criticam sem saber, que dizem mal, que acusam e que generalizam. Irritam-me as pessoas que assumem à partida que todos os que fazem x são y. Irritam-me as pessoas que se presumem melhores que os outros, donas de uma suprema inteligência que as distingue dos demais. Irritam-me as pessoas que partem do princípio que os outros são todos tolinhos, mentecaptos, limitados, distraídos, pacóvios, bacocos e, portanto, tudo o que fazem está mal ou não tem valor, ou é um fenómeno raro que se lhes permite com um tom condescendente. Irritam-me as pessoas que apreciam ser de um nível que crêem superior. Irritam-me as pessoas que pensam que ser melhor é ter melhor, que vivem para o ter e esquecem o ser. Irritam-me as pessoas que têm uma reacção alérgica ao povo, aos pobres, às maiorias, ao vulgar, ao fora de moda. Irritam-me as pessoas elitistas, snobs, que têm a mania que são eruditas. Irritam-me as pessoas que recusam o pop (de popular), o simples, o barato, o perto. Sei que também sou tudo isto, demasiadas vezes. Tenho preconceitos e já por muitas vezes rotulei automaticamente (o que significa de forma injusta) pessoas, sem bem conhecer, sem fazer ideia do que cada um tem dentro de si. E isso ainda me irrita mais. Porque sei (e sei que sei bem) que nem tudo é o que parece e que o que parece interessa pouco.


Desçamos à terra por um momento. Toda a gente concorda se dissermos que vivemos num mundo fútil, materialista, injusto. E o que fazemos? Seguimos a corrente. Aceitamos as regras e obedecemos-lhes, em vez de as repudiarmos, de nos recusarmos a ser fúteis, materialistas, injustos. Queremos ser iguais aos outros para depois sermos melhores. Porque é que sermos quem somos não nos basta? Este estigma de se ser pequenino, impotente, insignificante é uma sabotagem tremenda à felicidade, quer em termos individuais, quer globais. É ceder, aceitar a derrota sem antes ir à luta, é castrar a força da unidade e condenar o potencial da união. Cada pessoa é um mundo, imparável, que pode tudo aquilo que quiser. Muitas pessoas juntas, mais do que mudar o mundo, podem criar um mundo! Importante é ser feliz. E, repito amiúde, ser feliz começa por se ser quem se quer ser, por fazer o que gosta de fazer. A felicidade é ter liberdade para errar, é perder o medo.


Hoje quero pedir a todos os que me lêem que se libertem dos muros que são os preconceitos, as regras, as generalizações; que experimentem por um dia fazer o que vos dá na bolha. Que pensem outside the box para variar. E que sejam quem gostariam de ser, seja isso o que for.


 


 



 


 

2008 foi um ano mau, complicado, de mudanças. Depois, em 2009, tudo se agravou e pensei que tinha sido o pior ano de sempre na minha vida. Accomplishments à parte, que cumpri grande parte do que me havia proposto. Mas foi terrível. Sofri, e sofri, e tornei a sofrer tudo de novo, num repeat tão masoquista quanto mágico. Em 2009 esgotei-me. Apesar de ter sido em 2008 que perdi o chão e vi planos quebrarem-se em cacos, 2008 foi a descoberta de mim sem sideshow. It was all about me. E os instantêneos irreais de paixões imensas a inundarem-me… 2010 começou mal, tão mal, e continuou pior do que podia imaginar. Nada, resume-se a nada. Um enorme vazio, buraco negro em que nada se permite respirar, nem o imaterializado raciocínio que deixou de caber nas sinapses. E de repente, out of nowhere, a coragem para dizer “Basta!”, para quebrar o ciclo, e o ciclo quebrou. E entrou a luz, e entraram sorrisos em catadupa, e entrou magia, e entrou encantamento, e entrou um pássaro azul pela janela, e entrou sangue nas artérias, e entrou ar nos sonhos, e entraste tu e não mais saíste de mim.


O pior ano da minha vida acabou por abrir portas ao melhor de mim.


 


 


 



 

Há a malta que encolhe os ombros. Que se entrega ao conformismo. Normalmente são os que dizem que a vida “vai andando”. Malta que se queixa que não pode, que não tem, que nunca vai, que é difícil, que dói aqui e acoli. Malta que se escuda no “não sou capaz”, no “eles é que mandam”, no “são todos iguais”. Porque tem espinhas, porque tem casca, porque tem osso, porque tem côdea, porque está frio, porque está calor, porque é tarde, porque é muito cedo, porque dói a barriga, porque são horas de jantar, porque joga o Benfica (aqui no final, claro plágio aos Deolinda).


E tu, és dessa malta?


E que tal ser diferente? E que tal arregaçar as mangas e começar a diferença aqui e agora? Se queres um mundo diferente, faz a tua parte. Todos juntos somos mais, somos maiores, podemos mais, podemos tudo. Muda o teu mundo. Transforma o que podes em teu redor. Não podes, sozinho(a) acabar com a fome no mundo, mas podes pagar um hamburguer a um sem-abrigo. Ou podes ajudar o Banco Alimentar contra a Fome. Não podes reverter as emissões de CO2 sozinho(a), mas podes andar a pé em distâncias curtas, preferir produtos locais e poupar energia. Não podes sozinho(a) impedir a fuga aos impostos, mas podes pedir (ou passar) facturas. Não podes acabar com todo o crime, mas podes denunciar os que testemunhas. Não podes sozinho(a) limpar a tua cidade, mas podes não sujar e ensinar alguém. Não podes adoptar todas as crianças sem protecção, mas podes dirigir uma parte dos teus descontos de IRS para a AMI ou a Unicef. Não podes evitar todos os maus tratos para com as animais, mas podes assinar uma petição a pedir alteração na legislação. Não podes mudar sozinho(a) a governação do teu país, mas podes votar em quem acreditas. Não podes abolir toda a violência, mas podes não recorrer a ela. Não podes mudar tudo o que está mal, mas podes reclamar. Não podes acabar com todo o sofrimento, mas podes oferecer sorrisos.


Podes não conseguir realizar todos os teus sonhos do pé para a mão, mas podes não desistir e lutar por eles.


São os pequenos passos. Muitos passos pequenos fazem-nos chegar tão longe quanto quisermos. São as pequenas coisas. Muitas coisas pequenas fazem uma imensidão.


Faz a tua parte!


 







 




uma agenda para 2011. Pequenina, tamanho A6 ou perto disso, com muito espaço expectante de letras e rabiscos, para lhe caberem tantos planos, tantas datas incontornáveis, na pequenez relativa dum ano tão cheio de promessas e vôos e rotas e caminhadas de passo firme. :)


 









Tinha eu, se tanto, uns 8 anos. Era um sábado de manhã num início de Verão e tinha comido torradas ao pequeno-almoço. Estava na cozinha com o meu pai, que se preparava para engraxar os sapatos na marquise, como habitualmente. De repente ouvimos um barulho estranho e entrou uma coisa escura pela janela, direitinha como se alguém a tivesse arremessado da rua. Só que não era uma coisa. Era um pássaro, belíssimo, com penas azuis nas pontas das asas. Estava a sofrer. O meu pai pegou nele e eu arregalei os olhos. Depressa acalmou a agitação inicial. O pobre animal, que devia estar aterrado, sossegou nas nossas mãos. Tinha uma pata partida, o que explica a desorientação que o fez voar tão baixo e aterrar na cozinha dum rés-do-chão. Desde sempre adorei todo o tipo de bichos e combinámos, eu e o pai, tratar do pássaro. A caminho da casa dos meus avós, onde havia um quintal grande com espaço e condições para a sua recuperação do pássaro, perguntámos a um caçador se conhecia aquele pássaro. Disse-nos que era um gaio, tinha a certeza. Fiquei feliz, o pássaro tinha saído do anonimato da palavra “pássaro” em que se podia facilmente confundir com um dos periquitos da família. No quintal dos meus avós, tratamos de deixar o gaio suficientemente à vontade em cima dum ramo de nespereira, com uma corda atada à pata boa, como se fosse uma trela comprida, de modo a poder estar tão livre quanto possível mas sob os nossos cuidados. Passei as férias de verão na casa dos meus avós, a tratar do gaio. Dava-lhe água num prato vermelho, daqueles dos vasos de plantas, e apanhava minhocas na terra, para o alimentar. Dediquei-me com afinco e ternura àquela inesperada criatura que comigo traçava dias em conversas de silêncio. Eventualmente, o gaio recuperou, já conseguia apoiar-se em ambas as patas e ensaiar pequenos vôos do ramo para o chão e vice-versa. Libertei-o, ele voou. Passados muitos anos, estava eu de asas feridas, de tanto as haver enleado em arame farpado, que insistia em ignorar. Numa noite de Verão, o meu gaio voltou. Bateu à janela do sótão de mim, pegou-me pelos cabelos e ensinou-me a voar, mais alto do que alguma vez tinha ousado. Voámos juntos para além das estrelas, no nosso lugar, onde nos pertencemos.




E poderia ser uma boa altura para vos deixar um dos meus poemas preferidos, mas não é. Ainda não é. É preciso, para já, que chova mais, muito mais, é preciso que me sinta encharcada até aos ossos, de cabelos a pingar, é preciso um beijo (ou mil) à chuva, é preciso que, da chuva ou dos beijos, sinta arrepios pela espinha, que o calor não se dilua, é preciso dançar com as gotas e sacudir as asas.


So let it rain.


 












"come take my hand, we can walk to the light"



lyrics )

 


 




Quando as coisas não correm como queremos, quando falta inspiração, quando andamos às voltas com decisões, ou quando precisamos porque sim, o melhor a fazer é mudar a perspectiva. Olhar de outro ângulo. Subir a uma árvore, a um telhado, a uma montanha. Apreciar a relatividade das coisas na 'big picture'. Os problemas talvez não sejam assim tão grandes, novas facetas são reveladas e a inspiração surge e invade cada centímetro. Experimentem! Há que tentar tudo, mas mesmo tudo, antes de nos darmos por vencidos.

E sobre o fascínio de olhar o mundo de cima das árvores, dos novos caminhos que se abrem, leiam "O Barão Trepador", de Italo Calvino.

Gosto de viajar. Gosto do nascer-do-Sol. Gosto de reticências. Gosto de abraçar o vento. Gosto das estrelas e da Lua. Gosto de aprender. Não gosto de palavrões. Não gosto de praia. Gosto de pintura e desenho. Não gosto de injustiças. Gosto de escrever e gosto de ler. Gosto de voar. Não gosto de tabaco. Gosto de comboios. Gosto de vinho tinto. Gosto de cantar. Não gosto de mentiras. Não gosto de pimentos. Gosto de surpresas e de descobertas. Gosto de cheirar bem. Gosto de estar sozinha. Gosto de sorrisos. Gosto de música. Gosto de beijos. Gosto de matemática. Gosto da minha terra. Gosto do meu rio. Gosto de ópera. Gosto de arco-íris. Gosto de mim. Gosto da vida.


(Gosto de ti.)


 



 

O meu primeiro desenho ainda existe nalgum fundo de armário. Tão toscamente quanto imaginável, desenhei o que me parece ser o retrato do meu pai, riscos para braços e pernas e qualquer coisa semelhante a um círculo para cara, com olhos e boca e cabelo. Não tinha nariz nem orelhas, mas tinha os dedos grandes (aos meus olhos) com que me pegava e atirava ao ar. Foi ali, nas mãos do meu pai, que aprendi a voar. E nunca mais me contentei em ver o mundo cá de baixo.


 


 



 

Sempre fui uma indecisa crónica. Escolher é-me penoso, talvez porque aos meus olhos sobressaem sempre as possibilidades e pontos positivos aos pontos negativos. Como também o optimismo crónico me faz sempre almejar o best case scenario e é este que coloco no prato da balança. Pouco realista, talvez, mas sonhar, como voar, não faz sentido se for rasteirinho. Se tenho de escolher, meço até onde vai o sonho, e escolho o maior, o melhor que pode acontecer ainda que menos provável.


Se me desiludo muitas vezes? Só com as pessoas, acho. Dou tudo o que tenho em mim quando sonho. E depois dou mais o que não sabia que tinha. Embarco em empreitadas incompreendidas. Tal como os sonhos. Muito poucos compreendem que se pode sonhar para dentro, para se ser, apenas. Para saber, apenas. Porque se gosta, apenas.


E tu sempre compreendeste.


 


 



 

E se todos os milhares de pedacinhos dizem o mesmo que os fez estilhaçar? E se nada muda, se nada nunca mais mudar? Se não houver cola que me valha? Se todas as portas por onde vou fugindo forem dar ao mesmo lugar? E se este amor nunca morrer, nem depois de me matar? Viver com um coração morto não me deixa em paz. Mesmo com tudo o resto, os muitos sonhos, os desafios, a vida que me pulsa, sempre a pedir mais. Seguir o coração, mas e o coração, onde fica, se o que resta dele é pó, cinza? Arrumado num baú e escondido nos antípodas, será longe o suficiente para fugir dele? E porque não ser o coração a seguir-me a mim?