Nunca conheci um verdadeiro viajante (não confundir com o turista ocasional ou profissional) que não gostasse de ler. E ler, sobretudo, literatura.
Não se trata de um acaso. O verdadeiro viajante, o que viaja por paixão, o que viaja porque TEM de viajar para se sentir completo, tem esta compulsão de IR, sempre que pode, aonde não foi ainda, de se demorar mais em cada rua, absorver todos os cheiros e cores do céu, cada imagem com uma miríade de luminosidades e ângulos. E os livros permitem isso, uma experiência única, íntima, pessoal e intransmissível a cada um dos que viajam nas suas páginas. Fugas, pensarão alguns, os que desconhecem que, no tempo que se passa longe, o encontro com os que nos moram debaixo da pele estreita-se tanto. Começando pela imagem no espelho.
Há viagens deliciosas que só os livros permitem, porque os livros permitem tudo, em qualquer tempo, lugar ou universo. E permitem fazer o mesmo trajecto vezes sem conta, sem que alguma vez seja exactamente igual ao que já foi. E permitem, como as viagens, que a variante maior seja o mundo interior do viajante, e quantas mais páginas de quilometragem tiver, melhor será a percepção que tem da sua própria diferença, logo, identidade.
A bagagem, quanto mais se viaja, mais densa, mas leve, se torna; sabe-se ao que se vai cada vez com mais precisão, deixam de importar os destinos, como as capas dos livros, e cada partida à aventura sabe ao que aos outros sabe o conforto do regresso a casa.